O Ceará teve a maior diminuição no número de assassinatos no ano passado entre todas as unidades da federação: 50%. A redução do estado sozinha respondeu por 20% da queda nacional, segundo Arthur Trindade, professor da UnB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2019 foram registradas 2.257 mortes violentas no Ceará, contra 4.518 no ano anterior, segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do estado. No país, o número de assassinatos caiu 19% no período – a maior queda desde 2007.
Essa redução, porém, pode ir por água abaixo com a crise que se instalou no estado. Policiais insatisfeitos com os salários começaram um motim que causou uma escalada da violência no Ceará. Em oito dias de revolta – entre os dias 18 e 25 de fevereiro – foram registrados 170 assassinatos, o equivalente a 21 mortes por dia. No ano passado inteiro ocorreram, em média, seis homicídios por dia.
A Constituição proíbe que as forças policiais façam greve. Por isso mesmo, os amotinados se escondem atrás de máscaras e usam familiares para dar volume ao movimento. Mas a radicalização do protesto ameaça o bem-estar da população e a credibilidade que os policiais cearenses conquistaram com a queda brusca na ocorrência de assassinatos.
Batalhões foram invadidos e, num confronto com policiais, o senador licenciado Cid Gomes (PDT) levou dois tiros. O governo estadual propõe um aumento progressivo no salário de soldados da Polícia Militar, que passaria de R$ 3,2 mil para R$ 4,5 mil, até 2022. Os amotinados, porém, querem o aumento integral neste ano.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse que a situação do estado está "sob controle". Moro esteve em Fortaleza, na segunda-feira (24), para acompanhar a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Agentes da Força Nacional foram enviados ao estado, a pedido do governador Camilo Santana (PT), para garantir a segurança enquanto durar a greve de policiais.
Insatisfação da polícia pressiona negociações em outros estados
Pelo menos outros cinco estados enfrentam tensões com agentes de segurança, que reivindicam melhores salários: Paraíba, Espírito Santo, Alagoas, Pernambuco e Piauí. Já Minas Gerais ignorou a própria crise financeira e aprovou um aumento de até 41% para as forças de segurança. O impacto anual do reajuste, nas contas do estado, é de R$ 5,6 bilhões. O acordo pressiona as negociações em outros estados. Afinal, se um ente em dificuldade como Minas consegue conceder um aumento salarial dessa magnitude, por que os outros não podem fazer o mesmo.
Os policiais negam que as reivindicações salariais possam atrapalhar o esforço pela manutenção da queda dos homicídios. “Apesar dos salários baixos, a gente está fazendo um bom trabalho. O policial quando veste a farda, é a segunda pele dele, ele tem um compromisso com a sociedade”, defende o sargento Leonel Lucas, presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (Anermb).
O que falta, na visão dele, é um reconhecimento público dos esforços policiais que resultaram na redução recorde dos homicídios no país. “Não adianta a gente ficar pedindo migalha para a segurança pública. Está na hora do presidente Bolsonaro reconhecer todo o esforço que a segurança pública está fazendo hoje", disse.
Lucas defende que o governo federal recrie um ministério específico para a segurança pública, como era na gestão Michel Temer. “O governo que foi eleito por quase a totalidade dos policiais teve campanha de graça. Tem cidade que o presidente nem sabe que existe e o policial fez campanha para ele. E o primeiro ato [de Bolsonaro] foi a extinção do Ministério da Segurança Pública. Esses índices [de homicídios] que baixaram poderiam baixar mais”, afirmou o sargento, que acrescenta: “não temos nada contra Sergio Moro”.
Porém, o representante da Anermb acredita que seriam melhor representados em um ministério por alguém da própria classe.
Número de homicídios teve queda recorde em 2019
O total de assassinatos no Brasil caiu 19% no ano passado, registrando o menor número de vidas perdidas para a violência desde 2007, primeiro ano da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram 41.635 vítimas em 2019, uma redução de quase 10 mil casos na comparação com o ano anterior. Foi o segundo ano seguido de queda: em 2018, os casos de homicídios já haviam recuado 12,8%.
A redução recorde foi motivo de comemoração num país em que todos os anos morrem de forma violenta 50,5 mil pessoas, em média, o suficiente para encher um estádio de futebol do porte do Beira-Rio, casa do Internacional de Porto Alegre.
Todos os estados e o Distrito Federal tiveram redução nos crimes violentos intencionais. São considerados na contagem: vítimas de homicídio doloso, incluindo feminicídio; latrocínio; e lesão corporal seguida de morte.
O Ceará, citado pelos especialista como um exemplo na redução, só conseguiu diminuir o número de assassinatos, porque o governo do estado investiu em segurança pública, pessoal e equipamentos, implantação de um plano de segurança, com foco nos homicídios, reformulação de delegacias.
Além de adotar uma política de remoção de lideranças do crime organizado – neste caso, com o apoio do governo federal. Arthur Trindade, professor da UnB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pontua que, com essas ações, o governo teve que encarar um desgaste político e enfrentar a reação dos grupos criminosos, na época.
O que explica a queda dos homicídios no Brasil em 2019
A queda foi exaltada nas redes sociais pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como um feito do primeiro ano de governo. Moro atribuiu a redução à atuação integrada das forças federais, estaduais e municipais de segurança pública.
Especialistas afirmam que grande parte da responsabilidade pela diminuição dos assassinatos é dos governos estaduais. “A redução de homicídios virou agenda pública, de políticas públicas. Antes não havia nenhuma medida voltada a isso”, defende Trindade.
“Os governos estaduais começaram a cobrar ações mais efetivas das polícias e muitos estados brasileiros começaram a adotar o que se chama de gestão por resultados com as suas polícias”, diz Luis Flávio Sapori, especialista em segurança pública e professor da PUC-MG, citando uma das hipóteses que explicam a redução.
Ele cita que muitos estados investiram e continuam investindo em pessoal, equipamentos e delegacias especializadas, e essa tendência de queda nos homicídios pode se acentuar anda mais nos próximos anos.
“Alguns fenômenos têm múltiplas causalidades, é difícil chegar a apenas uma conclusão. Nenhuma ação ou variável nacional aconteceu em todo o Brasil que possa explicar a queda [nos assassinatos em 2019]. É melhor olhar estado por estado – em 13 deles, a queda já vinha acontecendo há quatro anos”, alerta o professor Arthur Trindade.
Todos os estados do Brasil registraram queda na ocorrência de assassinatos no ano passado. Segundo Trindade, as quedas no Ceará, Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo, ajudaram a baixar o número total de crimes dessa natureza. Os três estados respondem por quase 40% dos homicídios no país.
Boa parte do dinheiro investido pelos estados vem do governo federal, por meio de fundos específicos de segurança pública. “A União financia a segurança pública, mas o dinheiro que entra só tem reflexo dali dois anos, porque tem fazer licitação, empenho, etc. Então não tem uma ação imediata”, pontua Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), no final de 2018, é citada pelos especialistas como uma iniciativa do governo federal que ajudará a melhorar o combate ao crime violento e à criminalidade de modo geral. Para Mingardi, o Susp terá influência no médio prazo. “Por exemplo, o dinheiro federal agora vai passar a chegar mais rápido, tem algumas mudanças que não vão refletir de imediato. O governo federal não financia efetivo, só material, treinamento”, diz o analista criminal.
Facções criminosas em "trégua"
O ano de 2019 marcou uma ofensiva contra a ação de facções criminosas organizadas e isso também pode ter refletido nas estatísticas de assassinatos. A transferência de lideranças para presídios federais é tida pelo Ministério da Justiça como uma vitória contra o crime organizado.
Para Mingardi, houve também um recrudescimento na disputa territorial entre facções que vinha causando muitas mortes. “Outro fator tem a ver com a diminuição do nível da briga nacional entre PCC e Comando Vermelho...Não que eles sejam amigos, mas estão mais ou menos numa trégua armada, digamos assim”, diz.
Trindade não considera essa espécie de trégua uma hipótese razoável para a diminuição nas mortes em 2019. “O que pode estar acontecendo é que em alguns estados o tráfico está matando menos, caso de Minas Gerais, por exemplo. Há indícios claros, principalmente na região metropolitana de Belo Horizonte, de uma certa pacificação do tráfico de drogas, com a diminuição do índice de homicídios relacionados ao tráfico”, afirma.
*Colaboração: Giulia Fontes, Estadão Conteúdo.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF