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Recessão

Como a crise no Brasil freou o combate à pobreza em toda América Latina

Crise econômica do Brasil repercutiu nos indicadores de pobreza de toda América Latina. (Foto: Brunno Covello / Arquivo / Gazeta do Povo)
Crise econômica do Brasil repercutiu nos indicadores de pobreza de toda América Latina. (Foto: Brunno Covello / Arquivo / Gazeta do Povo) (Foto: Gazeta do Povo)

A pior recessão econômica da história do Brasil, entre 2014 e 2016, impactou negativamente a taxa de pobreza de toda América Latina e do Caribe. Com a crise, os países cresceram menos e isso puxou para baixo os indicadores sociais. Mas os países da região passaram a ter um desempenho melhor do que o brasileiro no combate à miséria a partir de 2017 – sinal da tímida recuperação econômica do Brasil.

Essas são conclusões que estão no relatório “Efeitos dos Ciclos Econômicos nos Indicadores Sociais da América Latina e Caribe: Quando os Sonhos Encontram a Realidade”, publicado pelo Banco Mundial no início de abril. O documento analisou o efeito dos ciclos econômicos, os desafios internos e externos desses países, e o resultado das políticas de assistência social aos mais pobres.

O relatório mostra que políticas de transferência de renda foram responsáveis por cerca de 35% da queda da pobreza na América Latina durante o chamado “superciclo das commodities”, período entre 2003 e 2013 – nomeado como "década dourada" pelo Banco Mundial.

Mas, a crise global iniciada em 2008 repercutiu na região, que enfrentou anos de desaceleração do crescimento. Quando parecia que a trajetória ascendente seria retomada, em 2017, novos tropeços frearam esse progresso: crise na Argentina, a morna recuperação brasileira, crescimento fraco no México e a implosão da Venezuela.

Avanço na década dourada e tropeço

O Banco Mundial avaliou que o desempenho medíocre dos países da América Latina e Caribe na economia explica a piora nos indicadores sociais. Mas os tropeços brasileiros repercutiram em todo o continente, influenciando tanto no fraco resultado econômico da região como também no combate à pobreza, uma vez que o país representa um terço da população da região. Isso tem relação com dois fatores: a retomada econômica brasileira mais patina do que avança e de fato teve um impacto previsível nos indicadores sociais do país.

O problema é que parte dos avanços expressivos obtidos na década de ouro acabaram perdidos. A América Latina reduziu, sim, a pobreza extrema (pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia): caiu de 13% em 1995 para 4% em 2017, seguindo uma tendência mundial de redução desse indicador e crescimento da classe média. Mas esses indicadores variam muito entre os países e, embora muitos tenham essencialmente eliminado a pobreza extrema ou a reduzido a um nível inferior a 10%, a pobreza monetária ainda é generalizada na região.

"De fato, a pobreza aumentou acentuadamente em alguns países da ALC [América Latina e Caribe] desde o final da década dourada. Em particular, o Brasil, que representa um terço da população da região, registrou um aumento na pobreza monetária de cerca de 3 pontos percentuais entre 2014 e 2017", aponta o relatório.

O desempenho da região no indicador de pobreza monetária varia, dependendo da inclusão do Brasil ou não. E daí é que o órgão infere o peso do Brasil. Quando os dados brasileiros são adicionados na análise, a taxa de pobreza é maior do que na comparação que não agrega essas informações. Além disso, a partir de 2017, o resto da região teve um desempenho melhor do que o brasileiro, já que o país segue na inconstância da recuperação econômica.

O que pressiona a pobreza no Brasil

O recente aumento da pobreza, diz o Banco Mundial, mostra como os ciclos econômicos repercutem nesse indicador. “Com efeito, é esperado que períodos de desaceleração ou recessão revertessem parte dos ganhos na redução da pobreza, que são alcançados nos bons tempos. Embora óbvio, esse fato parece ter sido negligenciado pela literatura sobre pobreza, que tende a medir o efeito do crescimento sobre a pobreza sem distinguir entre a tendência e o ciclo no PIB”, diz o relatório.

A conclusão é de que nos bons períodos econômicos, o foco principal deve ser em estratégias para controlar os efeitos cíclicos sobre a pobreza antes de celebrar resultados positivos como permanentes.

O Banco Mundial ainda faz uma ressalva sobre os efeitos cíclicos e estruturais, e como eles impactam os indicadores sociais. “Os fatores cíclicos têm um forte impacto no desemprego, ao passo que os fatores estruturais são muito mais importantes para os indicadores de necessidades básicas insatisfeitas, como habitação, educação e saneamento”, ressalta o documento.

Não há como negar que o Brasil possui problemas graves nas duas frentes. No caso do emprego, nem a tímida recuperação econômica, nem mudanças na legislação trabalhista, refletiram no aumento do emprego formal: a taxa de desemprego no Brasil continua elevada – 12,4%, de acordo com os dados da última edição da PNAD Contínua, pesquisa realizada pelo IBGE. Isso significa que no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2019, 13,1 milhões de brasileiros estavam sem trabalho. Pior: outros 4,9 milhões são considerados desalentados, aquelas pessoas que desistiram de buscar emprego.

De outro lado, o Brasil ainda tem muito o que melhorar no que diz respeito ao saneamento básico. O país não consegue investir o suficiente para universalizar o acesso a esgoto e água tratada, o que implica em perda de produtividade, aumento de doenças e pior qualidade de vida da população. Uma estimativa do instituto Trata Brasil mostra que o país poderia gerar mais de R$ 1,1 trilhão em benefícios ao longo de 20 anos caso resolvesse esse problema. Enquanto isso, quem sofre mais são as famílias mais pobres.

Desafios do país

Para reverter esse quadro, o Banco Mundial avalia que o governo Jair Bolsonaro (PSL) terá de enfrentar os problemas econômicos do país, a começar pelos fiscais. “Na frente econômica, o novo governo que tomou posse em 1º de janeiro de 2019 está atingindo todas as notas certas”, reconhece o órgão, que ressalta a importância da reforma da Previdência. “As pensões são, de longe, o maior encargo fiscal, representando cerca de 12% do PIB. Para colocar esse número em perspectiva, devemos observar que a média dos países da OCDE, que têm proporção semelhante de aposentados, é de 8% do PIB”, observa.

Na semana passada, a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Previdência foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e seguiu agora para a comissão especial. Na primeira etapa, o projeto já sofreu cortes, embora nenhum que impactasse o potencial de economia previsto pelo governo.

Na próxima fase, não será tão simples. Deputados já disseram que não aceitarão alterações na aposentadoria rural e Benefício de Prestação Continuada (BPC), por exemplo. E isso exigirá do governo poder de negociação, um ponto que também é ressaltado pelo Banco Mundial. “Se esta reforma será aprovada pelo Congresso em sua forma atual, no entanto, está longe de ser claro, dado que o partido do presidente não tem maioria e precisaria confiar na construção de coalizões”, pondera o órgão.

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