O partido do presidente da República vive uma crise. Um grupo é acusado de agir de modo pragmático, de se juntar com antigos adversários e de não se ater aos compromissos da campanha vitoriosa. A outra ala lança ainda mais acusações e o clima entre os lados fica insustentável. Membros do partido são levados a deixar a legenda, e outros sofrem ameaças de expulsão. Enquanto isso, apoiadores do governo na sociedade começam a questionar a capacidade do presidente e de seus aliados mais próximos em transformar o país, como foi esperado e prometido à época da eleição.
A descrição acima serve para traçar um panorama do atual conflito no PSL de Jair Bolsonaro. Mas também se aplica a outra disputa, que marcou o cenário político da década passada: a contenda entre os diferentes grupos do PT que levou à fragmentação do partido e à criação do PSOL.
À época, segmentos do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpria seu primeiro mandato, se queixavam de algumas decisões tomadas pelo PT e pelo governo. Grande parte das críticas se pautava por conta de alianças firmadas com lideranças antes atacadas e por medidas econômicas tidas como contrárias às ideias da esquerda.
Tudo começou com a reforma da Previdência
Outra semelhança entre a disputa no PT e o racha do PSL é que a reforma da previdência é um tema presente nos dois episódios. A alteração no sistema de pagamentos e pensões é a principal agenda do governo Bolsonaro no campo econômico e gerou, durante sua tramitação na Câmara dos Deputados, discussões entre as alas pragmática e militar do PSL - os parlamentares ligados às carreiras de estado se opunham à redução no pagamento de alguns benefícios.
No caso do governo do PT, a disputa se deu logo em 2003, o primeiro ano do mandato inicial de Lula. O Palácio do Planalto propôs uma reforma da Previdência que foi fortemente contestada por integrantes do partido, que alegavam que o tema contrariava bandeiras históricas da sigla e que não havia sido debatido durante a campanha eleitoral. Por combaterem a reforma no Congresso, a então senadora Heloísa Helena (AL) e os à época deputados federais João Fontes (SE), Babá (PA) e Luciana Genro (RS) acabaram expulsos do PT.
A partir dali, começaram as tratativas para criação de um novo partido, que abrigaria o que se chamava na época de "radicais do PT". O PSOL nasceu em junho de 2004 e obteve seu registro definitivo no ano seguinte. Em 2005, passou por grande crescimento ao receber ex-petistas que saíram do partido em virtude do escândalo do mensalão. Desde então, tem cadeiras no Congresso Nacional e lançou candidatos em todas as eleições presidenciais. Mas a crítica mais pesada ao PT deu lugar a uma parceria - hoje, as siglas estão juntas na oposição ao governo Bolsonaro.
Petista e psolista históricos negam semelhanças
As coincidências entre os casos de PSL e PT-PSOL acabam por aí, na opinião de dois políticos que participaram, e com protagonismo, da briga petista na década passada.
O ex-deputado federal Chico Alencar (RJ) ingressou no PSOL em 2005. Fez parte da "segunda geração" dos membros do partido, a que entrou estimulada pelo escândalo do mensalão. Na época da filiação à nova legenda, ele disse que "saía do PT para continuar petista", em razão de, segundo ele, continuar defendendo as bandeiras históricas do partido.
"Não há nenhuma semelhança [entre os dois casos]. É como comparar uma laranja podre com uma supersafra de morango", afirmou Alencar à Gazeta do Povo. Para o ex-parlamentar, a principal diferença entre os episódios é que, segundo ele, o racha no PT se deu por motivos ideológicos, e o do PSL é uma "briga por benesses".
"Nós estávamos questionando políticas econômicas do governo Lula, a escolha do Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central, a reforma da previdência. Tínhamos diferenças ideológicas. Isso não existe no caso do PSL. Ou há alguma diferença ideológica entre Bolsonaro e o Delegado Waldir?", disse o ex-deputado, que está sem mandato desde o início do ano, após perder a eleição em 2018 para o Senado.
O senador Paulo Paim (PT-RS), que já ocupava uma cadeira no Congresso Nacional em 2005, diz que suas recordações da época da criação do PSOL são de "um período muito difícil". "Eu fiz um apelo até o último momento para que eles não deixassem o PT. Mas não houve entendimentos", declarou.
A análise de Paim, na comparação do episódio do passado com o atual, é semelhante à de Alencar: "o que existe no PSL é uma luta interna no partido, uma disputa por espaços. No PT, o que ocorreu foi uma divergência em cima de causas".
A briga entre as diferentes alas do PT e o então recém-fundado PSOL contribuiu para o momento mais conturbado do primeiro mandato de Lula, em que o impeachment foi uma proposta bastante discutida e o governo teve dificuldade para fazer valer a sua agenda. Paim crê que, nesse contexto, há similaridades entre as duas ocorrências: "o Brasil está vivendo um problema sério de desemprego, de falta de investimentos, e o debate que está no centro das atenções é essa questão partidária. Mesmo sendo da oposição, não acho positivo ver um governo que não tem condições de administrar o país".
No PSL, discurso de "novo partido" está em baixa
O PSL tem dado poucos sinais de que a crise interna estaria próxima de um fim. Na sexta-feira (18), o líder do partido na Câmara, Delegado Waldir (GO), voltou a chamar Bolsonaro de "vagabundo" - foi a primeira vez que ele disse publicamente a palavra em relação ao presidente. Também na mesma data, a deputada Joice Hasselmann (SP) trocou farpas públicas com um dos filhos do presidente, Eduardo Bolsonaro (SP). A direção nacional do partido ainda determinou a suspensão de cinco deputados federais.
Apesar da alta temperatura, entretanto, a criação de um novo partido não figura entre as alternativas mais fortes no momento. O grupo adversário de Delegado Waldir e Luciano Bivar tem trabalhado mais com duas possibilidades: ou a de migrar para um partido já existente, como o Patriota, ou a de tomar o controle do PSL.
"Nossa ideia não é sair do PSL, mas sim de corrigir os rumos do partido. Nós queremos transparência, queremos abrir a caixa preta de Bivar, de Waldir, mudar o que vinha sendo feito", afirmou o deputado Filipe Barros (PR), um dos que teve a suspensão anunciada.
Barros declarou que ainda vê possibilidade de pacificação, mas sob duas condições: a de que Eduardo Bolsonaro seja o novo líder do partido na Câmara e a de que o presidente da República assuma a frente dos entendimentos. "Eu não sentaria à mesa com o Delegado Waldir", declarou.