O Supremo Tribunal Federal (STF) foi a instituição mais citada por deputados da oposição em seus discursos na Câmara dos Deputados no primeiro ano da atual legislatura, segundo análise de pronunciamentos dos 72 parlamentares do Partido Liberal mais alinhados à oposição. Em 94% das vezes, as menções são críticas à Suprema Corte, resultado da escalada de animosidade entre os dois Poderes no último ano.
Entre 9 de janeiro de 2023 e 28 de janeiro de 2024, o STF e seus ministros foram citados em 412 pronunciamentos ou 12,6% das vezes em que esses parlamentares do PL se manifestaram na Câmara. O percentual demonstra a relevância e a influência que tanto a Corte, quanto seus ministros alcançaram no cenário político nacional. Para se ter uma ideia, os termos Senado Federal e Congresso Nacional foram citados 321 e 299 vezes, respectivamente.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por sua vez, foi a pessoa mais criticada pelos parlamentares da oposição, aparecendo em 901 discursos ao longo de 2023, enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi mencionado em 501 manifestações dos deputados, sempre em tom de defesa.
Ao todo, a reportagem da Gazeta do Povo analisou, com auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google, 3.272 discursos de 72 parlamentares da oposição. Como critério de seleção, foram escolhidos os parlamentares do PL, principal partido de oposição ao governo, que votaram contra as pautas governistas e a favor das oposicionistas em mais de 90% dos pleitos. Para tanto, foi utilizada a apuração do site “Placar Congresso”, feita a partir de dados oficiais da Câmara dos Deputados. Veja a lista dos deputados selecionados aqui e acesse a coleção completa com os discursos analisados no Pinpoint.
Oposição focou em críticas a "inconstitucionalidades" e "autoritarismo" do STF
Ao analisar os discursos nos quais o STF é mencionado, averiguou-se que os temas tratados pelos congressistas geralmente focavam nas críticas a:
- "inconstitucionalidades" praticadas pela Corte;
- "parcialidade" demonstrada em falas e ações de seus ministros;
- avanço e "desrespeito à prerrogativas do Legislativo", inclusive em temas delicados para a sociedade brasileira como a legalização do aborto, a liberação de drogas e a revisão do marco temporal para demarcação de terras indígenas;
- "descumprimento do devido processo legal", principalmente em relação aos julgamentos dos atos do 8 de janeiro e ao inquérito do STF sobre milícias digitais;
- e "autoritarismo" e a falta de estabilidade jurídica advinda das ações da Suprema Corte.
Não raro, ao criticar a Suprema Corte e seus avanços sobre as prerrogativas do Congresso, os deputados apontaram a própria Câmara como uma das responsáveis por essa discrepância.
Ao todo, a ingerência institucional é citada de forma direta ou indireta em, pelo menos, 97 pronunciamentos, praticamente um quarto dos discursos em que o Supremo é mencionado.
Além das críticas à inação de seus pares diante dos “desmandos” do STF, os deputados também desaprovaram a postura dos parlamentares que aplaudiram as frequentes vezes em que o governo Lula recorreu ao Supremo para aprovar medidas negadas ou ainda não votadas pela Câmara – apontadas como desrespeito às prerrogativas da Casa e, também, ao povo brasileiro e seus representantes eleitos.
Em discurso do dia 31 de maio, o deputado Giovani Cherini (PL-RS), ao citar a “ditadura da toga”, perguntou a seus pares como construir uma democracia sem o respeito ao Plenário da Câmara. Cherini afirmou que “os gurizinhos, as crianças que não gostaram do resultado vão correndo lá no STF pedir bexiga para os ministros para que lhes deem uma ação contrária à maioria deste Plenário. Fizeram isso durante os quatro anos do Governo Bolsonaro”.
Nas menções ao STF também houve espaço para críticas ao Senado
O Senado também é cobrado, mais até do que a própria Câmara, pois cabe unicamente à Câmara Alta do Congresso dar andamento, por exemplo, aos pedidos de impeachment de ministros do STF. Para se ter uma ideia, atualmente há 21 pedidos protocolados no Senado solicitando o impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
O deputado Sargento Gonçalves (PL-RN), por exemplo, afirmou que o Senado se cala diante do alinhamento entre Executivo e Judiciário e da supressão de funções do Congresso, em pronunciamento no dia 19 de dezembro de 2023, data em que o presidente Lula participou de um jantar com os membros da Corte.
De acordo com o deputado, o “Senado tem a responsabilidade de enquadrar os Ministros do STF, chamá-los à responsabilidade, mas infelizmente isso não acontece”.
Morte de Cleriston na Papuda impulsionou críticas a Moraes
Outro ponto que também mobilizou os pronunciamentos em prol do impeachment de Moraes foi a morte de Cleriston Pereira da Cunha. Preso em razão dos atos de vandalismo do 8 de janeiro, ele faleceu por complicações de saúde em 20 de novembro de 2023, enquanto tomava banho de sol no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília.
O caso ganhou ainda mais repercussão quando veio a público que a Procuradoria-Geral da República (PGR) já havia dado parecer favorável ao pedido de liberdade provisória feito pelos advogados do empresário no dia 1º de setembro, mas o STF ainda não havia despachado a notificação quando Cleriston morreu.
O ocorrido foi citado em pelo menos 19 pronunciamentos, nos quais os deputados proferiram que a morte de Cleriston pairava sobre o STF. Governo e Senado também foram acusados como responsáveis pela tragédia por alguns parlamentares da oposição.
Em 22 de novembro, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) disse ao plenário da Câmara que o caso precisava ser apurado urgentemente e defendeu o impeachment de Moraes. O parlamentar também criticou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por não iniciar o processo de remoção contra o magistrado.
No mesmo dia, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, manifestou solidariedade à família do empresário em nome do tribunal. “Toda perda de vida humana, ainda mais quando se encontra sob custódia do Estado brasileiro, deve ser lamentada com sentimento sincero”, afirmou o ministro.
Barroso comunicou ainda que Moraes havia determinado a apuração das circunstâncias da morte de Cleriston e destacou que, a cada dia, quatro pessoas morrem em presídios brasileiros, em sua maioria, por causas naturais, embora as condições de saúde possam ser agravadas pelas condições carcerárias.
Decisões sobre liberdade de expressão também suscitaram críticas ao STF
As determinações do Supremo com relação à liberdade de expressão também foram abordadas pelos deputados. Em pronunciamento do dia 20 de junho, ao comentar as ações do STF no que concerne ao tema, o General Girão (PL-RN) relembrou a fala do então ministro da Justiça Flávio Dino – atualmente integrante da Suprema Corte – de que a liberdade de expressão não era um valor absoluto.
“A sanha autoritária está vindo a largos passos por parte do Supremo Tribunal Federal para fazer censura nas redes sociais, investigar crimes de opinião e crimes de pensamento. Agora também estão investigando crimes de pensamento. É o projeto da criação de um Ministério da Verdade nos moldes daquele livro 1984, de George Orwell”, disse, referindo-se ao Projeto de Lei 2.630/20, apoiado por Moraes e outros ministros do STF.
Também conhecido como PL da censura ou das fake news, o projeto estava emperrado na Câmara dos Deputados desde o ano passado e naufragou de vez em abril, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu engavetar o tema por falta de consenso e iniciar um novo texto do zero.
Segundo o advogado e consultor jurídico em liberdade de expressão, André Marsiglia, a postura combativa do STF em relação à liberdade de expressão teve início em 2019, quando o ministro Alexandre de Moraes iniciou o inquérito 4.781, também conhecido como inquérito das fake news.
Marsiglia foi um dos primeiros advogados a atuar nos inquéritos quando, em abril de 2019, a Corte censurou uma revista semanal. Segundo ele, o sigilo imposto a decisões e fatos, assim como as pressões para que, sob pena de multas, as plataformas tomem providências imediatas para remoção de conteúdos, deixaram de ser uma novidade ou uma exceção desde então.
Após inquéritos, deputados evitam menções sobre urnas eletrônicas
A pressão do STF a aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro por meio do inquérito das fake news, e posteriormente por meio das investigações sobre as milícias digitais (Inq. 4.874) e os atos de 8 de Janeiro, também teve reflexos nos discursos dos parlamentares da oposição.
Alguns dos temas que mais renderam consequências no âmbito desses inquéritos, como questionamentos em relação ao processo eleitoral, por exemplo, foram parcamente tratados pelos parlamentares no período analisado.
Por exemplo, nos discursos em que falam sobre o STF os parlamentares evitam questionar o processo ou o sistema eleitoral e as urnas. Quando abordam as eleições, dizem que a Suprema Corte soltou Lula e o tornou novamente elegível e que isso teria interferido no resultado do pleito presidencial, como dito pelo Cabo Gilberto Silva (PL-PB), em pronunciamento do dia 15 de fevereiro de 2023.
Já o General Girão, em discurso proferido em 20 de junho, ao mencionar os inquéritos “que não acabam mais”, afirmou que “implantou-se um sistema de fiscalização de inteligência interna, e qualquer um de nós pode estar sendo investigado".
"E aí eu pergunto: onde está a Justiça brasileira? Onde está a obediência aos direitos humanos, aos direitos fundamentais, às cláusulas pétreas da Constituição Federal? Elas não existem, estão sendo jogadas no lixo. Infelizmente, essa é uma verdade”, lamentou o parlamentar.
Ainda que a pesquisa não tenha abrangido todos os discursos já proferidos pelos deputados da oposição em 2024, as críticas à atuação do Supremo seguem, inclusive, sobre os mesmos temas: os presos do 8/1, as ingerências do STF em funções do legislativo, a parcialidade e incoerência das ações do Tribunal, como, por exemplo, aquelas envolvendo condenados na operação Lava Jato.
Ainda que se fale em abrandamentos do STF em certas questões, como a soltura de policiais militares que ainda estavam presos por envolvimento no 8 de janeiro, o alto volume de críticas e o clima de animosidade entre os poderes mostra que a relação entre oposição e STF está longe de ser distensionada.
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