Um ano e meio após assumir seu terceiro mandato como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém a postura de transferir a responsabilidade por seus erros a outros.
Inicialmente, todas as mazelas de seu governo atual foram atribuídas à “herança maldita” deixada pelo antecessor, Jair Bolsonaro (PL). Em 2023, após ter priorizado a agenda internacional no primeiro ano de gestão, Lula promoveu reuniões ministeriais nas quais cobrou sua equipe pelo mau desempenho nas entregas prometidas e pela queda de aprovação. Embora a culpa atribuída a Bolsonaro permaneça, este ano ela foi reforçada por críticas ao comando do Banco Central (BC), que Lula está impedido de mudar.
Diante das repercussões negativas para a economia de seus ataques a Roberto Campos Neto, presidente do BC, e ao mercado financeiro, a quem avisou que não persegue superávit primário das contas públicas, Lula recuou. Agora, ele transfere a culpa ao último estágio: ao povo que o elegeu.
Na última sexta-feira (5), em Osasco (SP), na inauguração do campus Unifesp Quitaúna, ele declarou: "Quando eu estiver fazendo uma coisa errada, ao invés de vocês falarem 'o Lula está errando', vocês têm que falar: 'Eu estou errando, porque o Lula é o nosso povo na Presidência da República'. Eu não sou eu, eu sou vocês, e é vocês que estão na Presidência da República deste país”.
Diversos parlamentares de oposição postaram o trecho do discurso de Lula para explorar o tom escapista dele e o peso dos erros devolvido aos eleitores. “A culpa é dele e ele coloca onde quiser. No caso, o povo”, comentou a deputa Bia Kicis (PL-DF).
Durante o discurso em Diadema, Lula também revelou que está vivendo o “melhor momento político” de sua vida. Ele chegou a chorar ao relembrar um encontro de 2003 com líderes internacionais e refletiu sobre a sua trajetória e as transformações que acredita estar promovendo no Brasil.
Especialistas veem traço de personalidade na transferência de responsabilidade
Para o cientista político Leonardo Barreto, diretor da consultoria I3P, o intrigante conteúdo da recente fala de Lula deve ser analisado à luz do estado emocional do presidente da República.
“Em um primeiro momento, ele pareceu irritado com as críticas recebidas da imprensa e da sociedade, especialmente com a queixa feita naquela mesma ocasião feita por Jamilly Fernandes, uma estudante negra de periferia de 19 anos, sobre a obra entregue do campus estar inacabada”, disse.
Barreto acrescenta que, no discurso, Lula enfatizou ser o representante inconteste do “povo no poder”, revelando uma obsessão pessoal com a sua biografia como líder popular e a conquista de um lugar importante na história do país.
“Ao se descrever com contornos místicos, tal como quando afirmou, ao ser preso, que transcendia a figura do homem e do político para se tornar uma referência perene, uma ideia, o presidente evidencia a sua preocupação em consagrar uma condição superior à da maioria dos governantes”, explicou.
O cientista político André Rosa, professor de Ciência Política na UDF, acrescenta que os esquivos de Lula ao atribuir fragilidades na própria gestão ao presidente do BC serviram, por um tempo, para desviar o foco da opinião pública de seus erros. No entanto, essa estratégia não se sustenta a médio e longo prazo, tornando as críticas cada vez mais infundadas.
“Além disso, culpar os ministros sob seu comando chega a beirar o desespero político, evidenciando gradualmente ao eleitor médio a ineficácia do Executivo em diversas questões, como o polêmico custo da carne, que deve ser excluído da cesta básica desonerada na reforma tributária”, disse.
Apesar da falta de sofisticação política do eleitor em temas complexos, André Rosa acredita que a opinião pública tende a reduzir gradualmente o respaldo ao governo. “Nesse contexto, o resultado das eleições de 2024 determinará as possibilidades de permanência do PT no poder”, alertou.
Falatório do petista dá margem para contradições e cobranças do público
A responsabilização do povo por seus erros, além de polêmica e revelar traços de personalidade, é politicamente arriscada para Lula. As consequências podem ser desde um maior desgaste com o público até um reforço da condenação maior sobre seus erros.
Outros analistas de discurso político destacam a dificuldade de Lula em manter a coerência devido às suas variações de tom e abordagem. Exemplo disso foi ele ter afirmado, no mesmo dia, ser o fiador de um governo fiscalmente responsável para depois declarar que não se importava com o superávit das contas públicas.
Em outro momento, Lula agrediu a imprensa por associar a alta do dólar aos seus repetidos ataques ao BC. "Cretinos (comentaristas e colunistas) não perceberam que o dólar tinha subido 15 minutos antes de eu dar entrevista", disse.
O presidente rejeitou também ser comparado ao presidente americano Joe Biden, em campanha para reeleição, em meio a pressões de correligionários para desistir devido a preocupações com sua saúde física e mental.
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