A mobilização para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apure possíveis irregularidades no Judiciário, a CPI da Lava Toga, motivou críticas por parte de magistrados, por membros das cortes superiores e levou até a um racha no PSL. A lei que regula o abuso de autoridade, aprovada pela Câmara e agosto e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) no início do mês passado, ainda não é assunto pacificado: recentemente, a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) divulgou uma nota chamando a norma de "lei de estímulo e incentivo à impunidade, além de fragilizar o sistema de justiça do país".
Os dois exemplos integram uma série com outras ações do Congresso, muitas ainda em fase inicial de tramitação, que enfocam temas da atuação e de supostos privilégios do Judiciário e também do Ministério Público. Entre elas, proposições para diminuir o período de férias de juízes e para acabar com os "penduricalhos" que engordam os salários de algumas carreiras. Há ainda uma proposta para modificar a Constituição e acabar com os efeitos da "PEC da bengala", que elevou a 75 anos a idade da aposentadoria compulsória de membros dos tribunais superiores.
"O que nós estamos vivendo hoje é uma crise, e uma crise a partir da atuação do Supremo Tribunal Federal", resume o senador Alvaro Dias (Podemos-PR). Entre os motivos do impasse estão a atuação da Lava Jato, o entendimento, por iniciativa de alguns parlamentares, que o Judiciário tem "invadido" competências do Congresso e também o espírito de renovação que marca a atual legislatura - grande parte das ações vem de deputados e senadores de primeiro mandato.
"O Legislativo precisa recuperar a sua autoridade"
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) é a autora da proposta que quer reverter os efeitos da "PEC da bengala". A iniciativa, segundo ela, busca garantir uma renovação da composição do Supremo Tribunal Federal (STF), para a retirada de ministros que, na avaliação da parlamentar, não têm tido um bom desempenho. Caso a proposição seja aprovada, garantirá a Bolsonaro a indicação de mais ministros do STF ao longo de seu mandato.
Kicis é também favorável a projetos que combatem o chamado "ativismo judicial" - conceito que pode ser compreendido como a atuação do Judiciário em situações não tão consensuais. Uma decisão recente do STF, a criminalização da homofobia, foi muito contestada pela bancada conservadora do Congresso, que viu ali uma intromissão do Judiciário em algo que deveria ser definido por deputados e senadores.
"O Legislativo precisa recuperar a sua autoridade. É o poder mais legítimo que existe. Mas há tempos vem sendo atacado pelo Executivo e pelo Judiciário. Agora, com o governo Bolsonaro, temos um Executivo que respeita o Congresso. Já o Judiciário, se ainda não respeita, vai ter que passar a respeitar", disse.
A deputada defende a elaboração de leis que "coloquem limites" na atuação do Judiciário e que impeçam "atos fora da Constituição" por parte dos seus membros. Segundo Kicis, "já existe hoje" um desequilíbrio entre os poderes, e portanto a criação das normas não prejudicará a estrutura administrativa.
Lava Jato, na essência das discussões
A operação Lava Jato, que modificou as estruturas da política brasileira, também aparece na essência das controvérsias entre Judiciário e Congresso. Essa é a avaliação do líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR). O partido do parlamentar se tornou uma espécie de "embaixador" da Lava Jato no Senado e tem mobilizado seus integrantes para a instalação da CPI da Lava Toga.
Segundo o parlamentar, parte do Judiciário tem tomado atitudes para frear a Lava Jato e barrar outros meios de combate à corrupção. Dias citou como exemplos a decisão do STF de proibir investigações que envolvam dados financeiros compartilhados sem autorização judicial (caso que beneficiou diretamente o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente), o impasse sobre as prisões em segunda instância e o debate em torno do momento do depoimento do réu em processos que envolvam delação premiada. "É uma discussão que tem como objetivo fulminar a Lava Jato", disse.
A Lava Toga, defendida por Dias e por outros membros do bloco chamado "Muda, Senado", surge como a maior possibilidade concreta de ação sobre o Judiciário no âmbito do Congresso. Apesar da mobilização dos parlamentares, entretanto, Dias vê pouca possibilidade de alterações efetivas. Na avaliação do senador, "o ambiente no início da legislatura estava mais propício para modificações". "Até agora, a proposta de eliminação de privilégios é só conversa", apontou.
Na CCJ da Câmara, um pacote completo
Levantamento feito pelo portal Vortex identificou uma série de ações para controle do Judiciário que estão em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara.
As propostas abordam temas como a expansão do tempo da quarentena necessária para que juízes, promotores e delegados possam disputar eleições; regulamentação do teto salarial, para evitar os "penduricalhos" que elevam em demasia os vencimentos de algumas carreiras; limitação das férias dos juízes a 30 dias, em vez dos 60 dias atuais; e o fim da aposentadoria compulsória, punição aplicada a juízes, que é considerada branda.
Segundo vice-presidente da CCJ, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) nega que exista um clima bélico entre a comissão e o Legislativo. "O que existe são discussões de temas de momento. Não há disputa entre os poderes", declarou.
Mas o parlamentar definiu a discussão sobre o ataque aos privilégios do Judiciário como um "tema melindroso", que precisa ser tratado com cautela. "É algo que exige um grande debate. É cedo para dar uma opinião a respeito", apontou.
Andrada é também membro do grupo de trabalho que avalia o pacote anticrime proposto pelo ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), que é também tema de controvérsias no parlamento. Apesar de o governo deter um número expressivo de deputados favoráveis na Câmara, no grupo de trabalho as propostas governistas não raro têm sido derrotadas. Para Andrada, o motivo das derrotas do governo é de cunho técnico: "quem está debatendo o pacote são juristas. É uma discussão que não segue o jogo político de governo versus oposição".