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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira (6) cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que questionam a medida provisória 954/2020, editada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril. A MP determina que dados de telefonia móvel e fixa sejam enviados pelas companhias telefônicas ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) para dar suporte à produção estatística oficial durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil.
A MP editada por Bolsonaro diz que as empresas devem disponibilizar à Fundação IBGE a relação de nomes dos clientes, números de telefone e endereços dos consumidores, pessoas físicas ou jurídicas. Os dados compartilhados, segundo o texto, serão utilizados para a produção de estatística oficial por meio de entrevistas domiciliares não presenciais. O texto proíbe que o IBGE forneça os dados obtidos a outras empresas, públicas ou privadas, e a órgãos ou entidades da administração pública.
A medida foi questionada no STF pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por quatro partidos políticos: PSDB, PCdoB, Psol e PSB. A MP está suspensa por uma decisão liminar da ministra Rosa Weber, relatora das ADIs no STF. Agora, o plenário vai analisar se mantém ou não a proibição para o envio de dados ao IBGE.
Por que o compartilhamento de dados com o IBGE é polêmico
Segundo os autores das ADIs, a MP viola os dispositivos da Constituição que asseguram a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, o sigilo dos dados e a autodeterminação informativa.
A OAB sustenta em seu pedido que não há no texto da medida provisória qualquer vinculação necessária entre a finalidade para a qual serão empregados os dados coletados e a situação de emergência de saúde pública.
Para o PSDB, não há proporcionalidade na regra, que permite uma concentração de informações no Estado referente ao indivíduo e, principalmente, à coletividade.
O PSB observa que, ao promover a disponibilização desregulamentada de dados pessoais, a MP possibilita a criação de uma estrutura de vigilância pelo Estado, que poderia viabilizar interferências ilegítimas sobre os cidadãos.
Já o Psol argumenta que a norma não é razoável porque, para pesquisa estatística, realizada por amostragem, não há necessidade dos telefones e dos endereços de todos os brasileiros.
Por fim, o PCdoB afirma que "a inviolabilidade da intimidade e da vida privada das pessoas, como a inviolabilidade do sigilo de suas correspondências e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, assegurada constitucionalmente, só encontra uma exceção” para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. O partido também alega que o IBGE tem expertise e experiência suficiente para que possa realizar pesquisas "sem necessitar utilizar-se de agressões tão expressivas contra direitos e garantias dos cidadãos”.
O que diz o IBGE sobre o compartilhamento de dados de telefonia
A ministra Rosa Weber pediu explicações ao IBGE e à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a MP editada por Bolsonaro.
O IBGE defendeu a "necessidade de continuidade do recolhimento de dados para a produção de pesquisas oficiais durante a pandemia de Covid-19". Segundo o instituto, "o compartilhamento de dados determinado pela MP não se confunde, absolutamente, com o chamado 'rastreamento' de clientes, nem haverá qualquer acesso ao conteúdo de comunicações telefônicas".
Os dados fornecidos, segundo o IBGE, serão apenas nome, número de telefone, e endereço, que serão usados apenas “para viabilizar a ligação e realizar a pesquisa — isto é, garante-se o uso exclusivo dessas informações para fins estatísticos”.
Já a Anatel afirmou que o compartilhamento de dados previsto na MP parte do pressuposto de relacionamento direto do IBGE e das empresas de telecomunicações e não há motivos para "se cogitar no repasse de dados à agência reguladora em qualquer etapa da concretização do objeto do ato normativo".
A Anatel reforçou que não é beneficiária da MP, não tem acesso aos dados hoje e não passará a ter após a medida provisória e, portanto, "não irá manipular esses dados de nenhuma forma".
O que argumentou a ministra na decisão
Ao determinar a suspensão da MP, Rosa Weber destacou que as informações tratadas na MP estão no âmbito de proteção constitucional que ampara o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Ela destacou que a MP não prevê mecanismos e procedimentos para assegurar o sigilo, a higidez e o anonimato dos dados compartilhados.
A ministra do STF destacou que não se subestima a gravidade e a urgência da pandemia de coronavírus no Brasil e a necessidade de se formular políticas públicas para combatê-la. No entanto, ela avaliou que o combate à pandemia não pode legitimar “o atropelo de garantias fundamentais consagradas na Constituição”.
A ministra acatou o pedido de liminar feito pela OAB e pelos partidos políticos "a fim de prevenir danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel".