A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculada à Procuradoria Geral da República (PGR), recomendou nesta quinta-feira (4) à ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que revogue a nomeação dos novos conselheiros da Comissão de Anistia a fim de "assegurar a necessária imparcialidade e independência" do órgão.
Segundo a PFDC, o novo conselho conta "com pelo menos cinco militares de carreira, além de pessoas com atuação judicial contrária à concessão de reparação a atos da Comissão da Anistia e do ministro da da Justiça e à instauração da Comissão Nacional da Verdade".
Instalada durante o governo FHC, em 2002, a comissão é o órgão estatal responsável por reconhecimento e reparação de violações contra os direitos humanos cometidas pela ditadura militar (1964-1985). Os conselheiros têm o papel de relatar e votar sobre os pedidos de anistia protocolados na Comissão. Há cerca de 12,6 mil processos sem decisão.
No último dia 27, a ministra empossou 27 novos membros da comissão. O novo presidente, João Henrique Nascimento de Freitas, foi assessor, durante sete anos, de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o hoje senador Flávio Bolsonaro, ambos do PSL do Rio.
Em 2010, Freitas ajuizou uma ação na Justiça Federal do Rio que travou, ao conseguir uma decisão liminar, o pagamento de indenização mensal de dois salários mínimos a 44 camponeses reconhecidos, em 2009, como vítimas de tortura durante as operações do Exército para acabar com a Guerrilha do Araguaia.
O ofício da PFDC, assinado pela subprocuradora-geral da República Deborah Duprat e pelos procuradores da República Eliana Pires Rocha e Tiago Modesto Rabelo, adverte que o não acolhimento da recomendação "importará no encaminhamento da questão para as providências judiciais cabíveis, inclusive para análise das responsabilidades individuais".
"A presença de integrantes das Forças Armadas em comissões com esse propósito tem o potencial de gerar visão distorcida nesse processo integral de resgate da memória oficial, mesmo aqueles das 'novas gerações', uma vez que a hierarquia e a percepção fortalecida de corporação são características dos segmentos militares", diz o ofício da PFDC.
O órgão diz ainda que toda a jurisprudência regional e internacional sobre o tema "recomenda que a nomeação dos conselheiros/comissionados deve recair sobre pessoas com competência em matéria de direitos humanos, com a neutralidade necessária para a busca da memória, verdade e justiça".
O Ministério Público Federal observou que a tarefa da Comissão de Anistia não se esgota no pagamento das indenizações e inclui "políticas de reparação integral" como implantação do Memorial da Anistia, um projeto chamado "Clínicas do Testemunho", que realizou 4 mil atendimentos e conversas públicas com 1,9 mil pessoas, Caravanas de Anistia, cujo objetivo é "romper com o silêncio e o medo de discutir publicamente o passado", publicações e organizações de fontes orais e audiovisuais.
Tais atividades, segundo a PFDC, "constituem parte importante das obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos", a propósito de uma ação movida por familiares de mortos e desaparecidos na ditadura."
As políticas de reparação integral constituem importante dimensão das obrigações do Estado na construção da paz sustentável após um período de violação sistemática de direitos humanos e na luta contra a impunidade", diz o ofício da PFDC.
Desde sua criação, há 18 anos, a Comissão de Anistia analisou 66,3 mil casos, dos quais deferiu 39,3 mil e indeferiu 23,5 mil. Em 18 anos, o governo pagou cerca de R$ 10 bilhões a anistiados, segundo os ministérios da Economia e da Defesa informaram à comissão. Procurado nesta quinta-feira, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou: "este Ministério responderá no momento oportuno, por ofício".