O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) venceu, no dia 2 de fevereiro, a mais controversa eleição da história para a presidência do Senado: o pleito, iniciado no dia anterior, foi marcado por tumultos, discursos raivosos de apoiadores e opositores de Alcolumbre, decisões judiciais no meio da madrugada e até mesmo cenas dignas de comédias-pastelão, como o "roubo", por parte da senadora Kátia Abreu (PDT-TO), de uma pasta que estava nas mãos de Alcolumbre.
A problemática eleição motivou basicamente duas análises: a primeira era a de que o triunfo do senador do Amapá representaria uma vitória da "nova política" – ele derrotou Renan Calheiros (MDB-AL), uma das figuras mais experientes do Congresso. A outra era a de que, justamente por ter se contraposto a Renan e outros veteranos de Senado, Alcolumbre teria vida difícil no comando da casa – e isso poderia dificultar a relação do governo federal com o Legislativo.
Ao completar três meses como presidente do Senado, marca alcançada na última quinta-feira (2), Alcolumbre acabou por desmentir essas duas expectativas. Nem se mostrou uma referência da "nova política", e nem acabou engolido pelos adversários da eleição.
Ele até agora tem tido uma atuação discreta e pouco surpreendente, na opinião de apoiadores e adversários. Os dois aspectos motivam elogios e críticas: se por um lado a serenidade é celebrada num momento de controvérsias e choques entre poderes, por outro a falta de ousadia é citada como algo que impede o Senado de dar respostas mais rápidas à sociedade.
Uma ocasião que traduziu o "conservadorismo" de Alcolumbre foi a decisão que tomou, logo no primeiro mês de gestão, de arquivar a possibilidade de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apuraria excessos no Judiciário, a CPI da Lava Toga.
Articulador discreto
A atuação "reservada" de Alcolumbre no comando do Senado se beneficia também pelo fato de que, neste primeiro semestre de 2019, é a Câmara dos Deputados que tem atraído mais holofotes entre as duas casas que compõem o Congresso Nacional. São dois os motivos: a tramitação da reforma da Previdência e os entreveros entre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e da República Jair Bolsonaro (PSL).
E em relação aos principais temas do país, Alcolumbre tem buscado expor sintonia com Maia. Assim como o comandante da Câmara, o presidente do Senado também afirmou que espera de Bolsonaro um empenho maior no convencimento dos parlamentares para a aprovação da reforma da previdência. A aliança com o presidente da Câmara, no entanto, não fez com que Alcolumbre se tornasse alvo de Bolsonaro e de seus aliados mais próximos, durante o período em que o presidente da República e Maia trocaram farpas públicas.
O presidente do Senado não deixou de cobrar a Câmara por conta de pautas já avançadas em sua Casa e que dependem da análise por parte do outro braço do Legislativo. Na última segunda-feira (29), Alcolumbre disse que pedirá aos deputados que realizem progresso sobre três tópicos já liberados pelo Senado: um projeto de lei que determina a possibilidade de o etanol ser vendido diretamente dos produtores aos postos de combustível, um que estabelece a Política Nacional de Prevenção de Diabetes e o que amplia a punição a mineradoras que praticarem crimes ambientais.
"Muitos projetos que o Senado vota e que são encaminhados para a Câmara não são pautados, não são criadas as comissões especiais, as coisas não acontecem. Os senadores estão cobrando com legitimidade o princípio da reciprocidade: que a Câmara possa também fazer uma pauta de votação de matérias que o Senado já encaminhou e que não são pautados", disse Alcolumbre à Agência Senado.
O presidente do Senado tem ainda buscado ampliar suas conexões com o Palácio do Planalto. Recentemente, disse que conversa com o ministro da Economia, Paulo Guedes, "todos os dias" e também participou de reuniões com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em conversas que abordaram a possível concessão de cargos a aliados dos parlamentares em troca de votos favoráveis no Congresso.
Lava Toga engavetada
A decisão de barrar a instalação da CPI da Lava Toga foi, até o momento, a medida mais rumorosa de Alcolumbre no comando do Senado. A comissão foi idealizada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE, ex-PPS) com o objetivo de investigar condutas do Judiciário, como denúncias de corrupção e de funcionamento precário do Poder.
O parlamentar conseguiu o número mínimo de assinaturas para a implantação do colegiado, mas Alcolumbre disse que questões técnicas impediam a efetivação. Vieira propôs novo requerimento e Alcolumbre repassou a decisão à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa.
A CCJ também decidiu pelo arquivamento, mas Alcolumbre tomou decisão contrária à de antes e decidiu que a criação da CPI será debatida em plenário, por todos os senadores. Ainda não há uma data confirmada para a votação, mas a expectativa é que ocorra ao longo do mês de maio.
Embora Alcolumbre tenha citado, para o primeiro arquivamento, razões técnicas como justificativa para a decisão, pesou também para o presidente do Senado o temor de instituir uma disputa aberta com outro poder.
As relações entre Senado e Judiciário passaram por momentos delicados ao longo de diferentes instantes de 2019 – a própria eleição de Alcolumbre foi marcada por uma decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o voto secreto, medida que poderia prejudicar o senador do Amapá – e rejeitar outro episódio tumultuado figurou entre as prioridades de Alcolumbre.
Além da CPI, outro ataque do Senado ao Judiciário é o pedido de impeachment feito por parlamentares a dois ministros do STF, Toffoli e Alexandre de Moraes. O motivo da requisição de afastamento é a decisão de Moraes de censurar uma reportagem da revista Crusoé que citava Toffoli como sendo "o amigo do amigo do meu pai". Os processos de impeachment contra ministros do Supremo são abertos por iniciativa exclusiva do presidente do Senado – ou seja, é Alcolumbre que pode determinar ou não a condição.
Opiniões
Vieira figura entre os senadores que faz elogios e ressalvas ao trabalho de Alcolumbre como presidente do Senado. "Há uma evolução no tocante ao acesso dos senadores às decisões mais importantes, mas ainda está longe daquilo que se deseja para uma casa como o Senado, que precisa ter uma participação maior de todos", disse.
Em relação à Lava Toga, o senador afirmou esperar que a "pressão da sociedade" possa contribuir para a implantação da CPI. "Vamos ter um belo debate no plenário e votação aberta. Vai depender muito da pressão e dos interesses da sociedade. Os senadores não são imunes à intervenção dos seus eleitores, das suas bases", apontou.
Para Paulo Rocha (PT-PA), Alcolumbre tem feito "um trabalho dentro da razoabilidade". O senador falou também que a atuação de Alcolumbre é característica de um "efetivo presidente do Senado, e não de alguém que está representando os interesses de A, B ou C".
Apesar dos elogios, Rocha diz que logo em seus primeiros atos Alcolumbre mostrou que não corresponderia aos ideais da "nova política" presentes em seus discursos e nos dos aliados dos democratas à época da disputa eleitoral interna.
"A ideia de se colocar uma 'nova política' no Senado não se concretizou porque se consolidou o método de se submeter à força do Executivo", afirmou.
Outro senador, de um partido de centro, fez análise semelhante à de Rocha. Segundo ele, o presidente do Senado tem mostrado boas intenções, mas acabou sendo "muito guiado" pela turma dos derrotados – ou seja, sentindo a pressão de ser menos experiente no Congresso do que a maior parte dos seus colegas de parlamento.