Além de sofrer uma série de derrotas em votações no Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gerou novas crises nos últimos dias. A desconfiança do mercado financeiro em relação à situação fiscal aumentou e houve um duro embate com os principais setores produtivos devido à medida provisória (MP) para elevar a carga tributária, devolvida ao Executivo e apelidada de “MP do Fim do Mundo”. Para piorar a maré de notícias negativas, a Polícia Federal (PF) indiciou o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), em razão de desvios de verbas públicas por meio de emendas parlamentares.
O cenário, reconhecem os próprios negociadores do Palácio do Planalto no Legislativo, representa o pior momento do terceiro mandato de Lula. Esse cenário é um grande fator de pressão por mudanças na condução política.
José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, cobrou durante reunião interna do PT “comando político mais estrategicamente centralizado” na relação com a sociedade, parlamentares, estados e municípios. Nesta terça-feira (11), durante encontro virtual da Construindo um Novo Brasil, principal corrente do partido, ele revelou que, para defender pautas do governo, toca a liderança “com a faca no pescoço”.
Em relato revelado pelo jornal Folha de São Paulo nesta quinta-feira (13), Guimarães afirmou ainda não haver comprometimento do União Brasil, do PSD e do MDB, partidos que integram a base de apoio parlamentar ao Executivo no Legislativo, com a entrega de votos em plenário, o que explicaria resultados desastrosos colhidos nas últimas semanas.
Cada uma dessas legendas tem três representantes na Esplanada dos Ministérios, sem contar o espaço aberto para partidos que apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro em 2022, PP e Republicanos, de perfil majoritário de centro-direita. A valorização que o governo deu a eles foi uma tentativa frustrada para obter sustentação na Câmara, .
Desarticulação política do governo provoca embaraços e rompimentos
A articulação de Lula no Congresso tem sido criticada por parlamentares e analistas desde o ano passado. Formalmente comandada por Alexandre Padilha (PT), ministro das Relações Institucionais e desafeto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), essa missão também é conduzida pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), pelo líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e pelo deputado José Guimarães (PT-CE), líder na Câmara.
Wagner no Senado, assim como Guimarães na Câmara, tem sido uma das vozes governistas a alertar para os riscos de a desarticulação minar a governabilidade e comprometer a reeleição de Lula em 2026, em meio a uma “tragédia sem fim”, nas suas próprias palavras.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu a MP 1227/2024 (“Fim do Mundo”), com Wagner ao seu lado, incapaz de defender a medida. Até Lula atacou o texto que assinou, elogiando a decisão do Congresso.
A tensão que esse episódio levou ao Ministério da Fazenda e as especulações de mercado cresceram ao ponto de circularem boatos sobre a alegada renúncia do ministro Fernando Haddad. Ele segue no cargo porque agentes econômicos temem sua troca por alguém menos acessível e mais intervencionista.
A resistência ao aperto fiscal e a recusa de Lula em discutir cortes de despesas produziram, por sua vez, duríssimas reações do setor produtivo, como a do empresário Rubens Ometto, da Cosan (conglomerado de empresas das áreas de energia, açúcar, lubrificantes e logística), que criticou a arrecadação excessiva do governo, e do presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), João Martins, que se recusou a conversar com “o desgoverno Lula”.
Pela primeira vez, o ambiente hostil ao presidente da República ultrapassou os limites do campo parlamentar e alcançou influentes segmentos da sociedade civil organizada.
Crises em série podem ter reflexos nas disputas eleitorais, diz especialista
Para o cientista político Ismael Almeida, o governo Lula 3 atravessa, sem dúvida, o seu pior momento, ao combinar a persistente crise fiscal com derrotas sucessivas no Congresso, e até abrigar na Esplanada um ministro indiciado por corrupção. “Temos aí uma tempestade perfeita, que pode ter consequências imprevisíveis a curto e médio prazos, tanto do ponto de vista político, quanto eleitoral”, observou.
O desempenho nas urnas nas disputas municipais de 2024 poderão, inclusive, influenciar mudanças na correlação de forças dentro do Legislativo e, por tabela, no Executivo.
Em pronunciamento da tribuna na última terça-feira (11), o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), afirmou que a postura gastadora e fiscalmente irresponsável de Lula poderá fazê-lo ter um destino pior que o de Dilma Rousseff (PT).
“Não se fala em cortar despesas. O governo só quer saber de aumentar impostos” criticou ao apontar o déficit nominal do país, que chegou nos últimos 12 meses a 9,41% do PIB, superior a R$ 1 trilhão. “O Brasil perdeu credibilidade e não tem como pagar a dívida interna”, disse.
Denúncias contra ministro foram ignoradas por Lula desde 2023
Como se não bastassem as suspeitas de fraude envolvendo empresas vencedoras no leilão suspenso para importação de arroz, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), foi indiciado nesta quarta-feira (12) pela Polícia Federal por corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa.
Lula reagiu de forma burocrática, afirmando que o ministro tem “direito de se defender”. Integrante do governo desde o início, como parte do acordo com o União Brasil, Juscelino foi acusado de desviar emendas parlamentares destinadas ao município de Vitorino Freire (MA), cuja prefeita é sua irmã, favorecendo propriedades da família.
As investigações, iniciadas pela Operação Odoacro, revelaram que 80% da obra favoreceu propriedades dele e de seus parentes, executada por uma empresa ligada a Eduardo José Barros Costa, o “Eduardo DP”.
Em nota à Gazeta do Povo, Juscelino afirmou que o indiciamento foi uma “ação política e previsível”, alegando que a apuração distorceu premissas e ignorou fatos, sem ouvir sua defesa adequadamente. Também comparou o método de investigação ao da Operação Lava Jato, que, segundo ele, resultou em “danos irreparáveis a pessoas inocentes”.
Desde sua indicação, Juscelino enfrentou várias denúncias, incluindo a ocultação de patrimônio, o uso indevido de recursos públicos e o favorecimento de aliados, mas todas foram ignoradas por Lula.
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