Com a popularidade em queda e enfrentando desafios em diversas frentes, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta abordar de maneira estratégica agendas mais facilmente associadas à direita, como a segurança pública e o equilíbrio fiscal, com objetivo de dobrar resistências.
Focado na conquista de eleitores conservadores e movido pela necessidade ou conveniência, o petista adotou, nos últimos meses, medidas voltadas a temas prioritários da oposição. Segundo especialistas, porém, as ações têm sido encaradas como contraditórias e são marcadas por inconsistências pelo viés esquerdista.
Na segurança, crescente pauta nas disputas eleitorais, Lula apostou as fichas numa Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia competências da União e tira poder dos governadores. Em vez de recursos e duro combate a crimes federais, como o tráfico, o governo acena com coordenação geral de desencarceramento de presos.
Na reunião de Lula no fim de outubro em Brasília com governadores para apresentar a PEC, o chefe do Executivo paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sugeriu ao governo que levasse ao Congresso um pacote de medidas duras sobre o tema, incluindo combate à lavagem de dinheiro.
Enfrentando acusações de excessos da sua polícia, Freitas quer que facções criminosas sejam tipificadas como grupos terroristas. “Não é a PEC que vai resolver a situação da segurança”, disse. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), atacou o “engessamento dos estados” proposto por Lula.
Em paralelo, o governo tem enfrentado desafios na implementação de medidas para restringir o acesso a armas de fogo e regular o funcionamento de clubes de tiro. Em julho de 2023, Lula assinou decreto fixando novas regras, que enfrentaram resistência no Congresso. E a tentativa petista de passar a competência de fiscalização de atiradores do Exército para a Polícia Federal, que tem menos efetivo, se mostra cada vez mais impraticável. Um novo decreto está sendo elaborado pelo governo.
Congresso tenta reassumir protagonismo na agenda nacional da segurança pública
Nesta semana, quando Lula precisou se submeter a uma cirurgia no crânio e ainda terá de passar por novo procedimento, a Câmara está dedicando atenção significativa a projetos de segurança, com uma pauta que inclui 20 propostas, sendo 15 diretamente relacionadas ao tema. Essa iniciativa resulta de negociações entre líderes partidários e visa fortalecer o combate à criminalidade no país.
Entre os principais projetos em discussão, destacam-se o PL 714/23, que torna obrigatória a decretação de prisão preventiva em audiências de custódia para crimes hediondos, roubo, associação criminosa qualificada e casos de reincidência criminal, e o PL 9433/17, que permite que armas apreendidas sejam destinadas às Forças Armadas e órgãos de segurança pública.
Mas a maior contradição do governo esquerdista foi a promessa de contas públicas permanentemente equilibradas, um lema da direita. O discurso de austeridade ruiu com a explosão de gastos, impactando inflação, juros e câmbio, sobretudo após apavorar o mercado com um pífio pacote de ajustes.
De novo, alvos eleitorais prevaleceram e medidas anunciadas, além de insuficientes, foram anuladas por um tema estranho, incluído para atrair o eleitor da classe média - a isenção de imposto de renda para assalariados que ganham até R$ 5 mil. O Congresso ainda não garantiu ajuda para evitar a tragédia fiscal.
Lula dialoga com líderes evangélicos, mas sofre resistências com a pauta de costumes
Antes de voltar as atenções para as questões médicas, Lula investia no diálogo com pastores em torno dos temas liberdade religiosa e assistência social. Mas há desconforto evidente com temas de costumes, como políticas dedicadas ao aborto e às questões de identidade sexual. O público evangélico historicamente apoia pautas conservadoras.
Em 15 de outubro, Lula sancionou a lei que institui o Dia Nacional da Música Gospel (9 de junho). A cerimônia no Palácio do Planalto contou com a presença do deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), conhecido como aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O parlamentar disse que os evangélicos estão “entre os brasileiros mais contemplados pelos programas sociais”.
O empreendedorismo, agenda típica da direita, também entrou no radar do governo petista, apesar da ligação histórica com sindicatos e ênfase do emprego formal. As eleições municipais de São Paulo evidenciaram o tema, com os candidatos do segundo turno o abraçando em busca dos votos anteriormente destinados a Pablo Marçal (PRTB).
A criação do Ministério do Empreendedorismo em 2024 e programas de apoio às micro e pequenas empresas revelaram interesse de Lula em acenar a um público crescente e desconectado do petismo. Nesse esforço entraram ações de crédito, difusão de tecnologia e educação empreendedora.
Luiz Filipe Freitas, consultor político, acredita que as ações do governo no campo da direita visam reeleger Lula ou lançar a candidatura substituta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Isso inclui desde afago tributário na classe média até aproximação pessoal do presidente com evangélicos”.
Já o cientista político Ismael Almeida discorda e não vê no governo interesse real em avançar com pautas da direita, exceto na agenda fiscal, por necessidade e com alto custo político junto à base. “Na maioria das vezes, o Executivo adota postura passiva, tentando capitalizar sem empenho a favor da pauta”.
Defesa da exploração do subsolo da Amazônia contradiz agenda ambiental
As chances de explorar riquezas naturais na Amazônia, como petróleo e minérios raros, mais bem assimiladas pela direita, são vistas de forma prática pelo Executivo, mesmo contradizendo posturas da esquerda. Lula tenta juntar no discurso defesa do meio ambiente e desenvolvimento.
A Petrobras planeja perfurar poços na Margem Equatorial, especificamente na Foz do Amazonas. Em maio de 2023, o Ibama negou a licença, citando a necessidade de mais informações sobre impactos ambientais. Apesar disso, Lula impôs sua vontade, contrariando a ministra da área, Marina Silva.
Recentemente, a China Nonferrous Trade (CNT) comprou a Mineração Taboca, que opera uma mina de estanho e extração de outros minerais, como nióbio, em Pitinga (AM). A venda para a empresa chinesa gerou preocupações sobre o controle estrangeiro de recursos estratégicos e possíveis impactos ambientais.
Na política externa, circunstâncias levaram o governo a se distanciar da Venezuela, após o ditador Nicolás Maduro não garantir transparência eleitoral, atestando a fraude de 2024. Outro regime criticado pela direita e que deixou de ser apoiado por Lula é o da Nicarágua, de Daniel Ortega.
Especialista vê inflação e violência anulando medidas para ganhar eleitores
Para Antônio Flávio Testa, professor de Ciências Políticas, a realidade do país ergue obstáculos para Lula e torna ineficazes as estratégias de caráter meramente eleitoral. “A credibilidade do presidente se enfraquece à medida que não consegue controlar redes sociais”, disse.
Ao manifestar ceticismo em relação a dados do IBGE que apontam redução drástica da pobreza, Testa sublinha que o crescente desconforto da classe média com os evidentes aumentos do custo de vida e da violência urbana “têm peso bem superior a quaisquer questões religiosas ou de costumes”.
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