A pandemia de coronavírus contribuiu para reforçar as dificuldades da saúde pública nacional, historicamente considerada pelos brasileiros como o principal problema do país. E a necessidade da compra de equipamentos, da capacitação de profissionais e da criação de novos leitos faz com que o poder público se veja na busca por mais dinheiro. Mas de onde podem vir esses recursos num orçamento que deixa pouca margem para manobra?
O Ministério da Saúde apresentou no dia 24 um pedido de R$ 10 bilhões ao Ministério da Economia para implantar ações de combate à Covid-19. A verba, segundo a pasta, servirá para ações do Sistema Único de Saúde (SUS), e tem como referência a possibilidade de que o coronavírus infecte 10% dos brasileiros.
A quantia, nos cálculos do economista Carlos Ocké-Reis, vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, é insuficiente: ele estima que seriam necessários para a finalidade de R$ 22,5 bilhões a 25 bilhões. O orçamento do Ministério da Saúde para 2020 é de R$ 125 bilhões.
A busca por novas verbas é complexa por conta de diferentes fatores. O mais importante deles é a rigidez das regras que regulam o orçamento nacional. O governo tem liberdade para administrar, de modo livre, menos de 5% de todo o caixa federal – o restante está comprometido com despesas obrigatórias, como salários do funcionalismo e pagamento de pensões. Em 2020, a previsão total do orçamento foi de R$ 1,644 trilhão, sendo que mais de 95% corresponderam às despesas obrigatórias.
Ainda assim, existem mecanismos que permitem ao governo transferir recursos entre diferentes setores do poder público. Outra possibilidade é a expansão das finanças por meio da postergação de dívidas. Há ainda correntes do pensamento econômico que defendem a utilização de verbas que, hoje, estão vinculadas à gestão da dívida pública.
Como remanejar as verbas públicas
O orçamento de que o governo dispõe em um ano é aprovado pelo Congresso Nacional no ano anterior. Isso significa que, neste 2020, as verbas que estão sob a gestão da equipe do presidente Jair Bolsonaro foram definidas em 2019 – quando não se cogitava a hipótese de uma doença de impacto tão grande como a Covid-19.
Apesar disso, há a possibilidade de modificações no fluxo de despesas. A aprovação do estado de calamidade pública, confirmada pelo Senado no último dia 20, colabora para a flexibilização. A condição permite à União, entre outras ações, descumprir as metas fiscais estabelecidas para o ano.
"Foi aprovada a situação de calamidade, e com isso o governo pode, a qualquer momento, fazer um pedido de crédito extraordinário, ou um remanejamento. Ou mesmo uma coisa que venha a ser uma reserva de contingência", afirma o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Os créditos extraordinários para custear ações emerganciais podem ser abertos por meio de medidas provisórias (MPs). Uma delas, a MP 929, publicada no dia 25, abriu crédito extraordinário de R$ 3,4 bilhões para o atendimento de quatro ministérios – Ciência e Tecnologia, Defesa, Relações Exteriores e Cidadania.
A edição de medidas provisórias para créditos suplementares não demanda explicações sobre a origem dos recursos, uma vez que estes se fundamentam na previsão de endividamento. "Créditos extraordinários para situações raras, como guerras e grandes comoções, estão previstos na Constituição. Então é algo que pode ser feito completamente dentro da Constituição, dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal, respeitando a regra do teto de gastos e a regra de ouro", ressalta Castello Branco.
Outra MP em estudo pelo governo, também com a finalidade de transferir recursos de um setor e redirecioná-los para o combate à Covid-19, tem como foco o Seguro DPVAT, verba paga por proprietários de veículos. Segundo o ministro Paulo Guedes (Economia), a ação pode render mais R$ 4,5 bilhões ao Sistema Único de Saúde (SUS).
O governo pode ainda modificar o destino das verbas públicas por meio de decretos presidenciais e por projetos de lei – estes últimos devem passar por apreciação do Congresso.
"A escolha é do próprio Executivo de retirar ou realocar recursos dentro dos ministérios, procurando ver se há programas que podem ser protelados", afirma Castello Branco.
Outra iniciativa que deve se materializar é o envio, para o SUS, de verbas inicialmente previstas para as emendas impositivas dos parlamentares. Esses valores são especificados por deputados federais e senadores no orçamento da UnIão para realizações em suas regiões de origem. Com a pandemia, houve solicitações para o redirecionamento dos montantes. Espera-se que R$ 8 bilhões possam ser contabilizados com a iniciativa.
Há outros caminhos para conseguir mais verba para combater o coronavírus
Uma possibilidade já implantada em diferentes escalas pelo poder público é o aproveitamento de recursos que estão em fundos originalmente previstos para outras finalidades.
O Senado aprovou no dia 25 um projeto de lei que permite aos estados, municípios e ao Distrito Federal utilizarem no combate ao coronavírus verbas que atualmente estão vinculadas a outros programas também da área da saúde. A proposta foi elaborada na Câmara e, como sofreu modificação por parte dos senadores, retornou para avaliação dos deputados. Os parlamentares estimam que a medida pode permitir acesso a R$ 6 bilhões, que, por conta das regras de momento, encontram-se atualmente sem uso.
Já o Ministério da Justiça autorizou estados a utilizarem verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos também para o combate ao coronavírus. A expectativa é que a decisão corresponda a um acréscimo de R$ 220 milhões.
Iniciativa em teor distinto foi apresentada pelo senador Humberto Costa (PT-PE). O projeto do parlamentar autoriza a União a utilizar o superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional para o combate ao coronavírus. Esse superávit, de acordo com a proposta do petista, ficou em R$ 1,3 trilhão em 2019. No projeto, o senador contesta ações como as medidas provisórias apresentadas recentemente pelo governo Bolsonaro, por entenderem que elas não representam o acréscimo de novas verbas na saúde pública, e sim apenas a transferência do que está em outros setores.
A sugestão é similar ao que defende o economista Carlos Ocké-Reis. "Nós precisamos de dinheiro novo, de recursos que não tiveram previsão orçamentária", afirma. Ele cita que o status de calamidade pública permite ao governo o descumprimento das metas de envididamento e avalia que uma crise como a atual demanda investimentos de larga escala por parte do poder público.
Ocké-Reis é favorável à utilização de verbas que estão na conta única do Tesouro Nacional. Essa conta abriga recursos oriundos da arrecadação da União e está atualmente em R$ 1,3 trilhão.
O potencial da conta única é contestado por economistas de outras correntes, que veem na conta não uma reserva de recursos à disposição, mas sim um indicativo da capacidade financeira do país e um montante que, se utilizado, levaria ao descontrole do sistema financeiro.
Em um estágio posterior à pandemia de coronavírus, Ocké-Reis avalia que o Brasil deveria implantar mecanismos para o fortalecimento financeiro do SUS. "Seria importante termos em conta um fundo para olhar para o SUS, em um segundo momento. Porque temos cirurgias que já estavam atrasadas, e então imaginem a situação que ficará quando se normalizar o sistema." Para ele, uma alternativa seria a instituição de uma contribuição sobre grandes fortunas, com destinação específica para o SUS.
PT se une a socialistas americanos para criticar eleições nos EUA: “É um teatro”
Os efeitos de uma possível vitória de Trump sobre o Judiciário brasileiro
Ódio do bem: como o novo livro de Felipe Neto combate, mas prega o ódio. Acompanhe o Sem Rodeios
Brasil na contramão: juros sobem aqui e caem no resto da América Latina
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião