Ouça este conteúdo
O combate à corrupção no Ministério Público Federal (MPF) sofreu uma série de baixas na semana passada que abalou a confiança dos investigadores. Primeiro foi a saída do procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, na terça-feira (1º) No dia seguinte, procuradores da força-tarefa de São Paulo pediram demissão coletiva. O movimento foi seguido por uma decisão que enfraqueceu a força-tarefa da Lava Jato que atua nos processos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por fim, o procurador Anselmo Lopes anunciou sua saída das investigações da Operação Greenfield, que investiga fraudes em fundos de pensão de estatais federais.
Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo enxergam na cadeia de acontecimentos um efeito dominó que é consequência da atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, para enfraquecer as forças-tarefas. A avaliação é de que Aras tem conseguido passar ao Congresso o recado de que está colocando um controle nas investigações. Isso causa desgaste e insatisfação de investigadores de casos de corrupção.
Os procuradores ouvidos também reforçam que a tentativa de asfixiar as forças-tarefas tem o objetivo de acelerar a discussão sobre a criação de um órgão específico para centralizar, em Brasília, as investigações de grandes casos de corrupção em andamento no país.
Tramita no Conselho Superior do Ministério Público Federal a proposta de implantação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), que pretende substituir o modelo de forças-tarefas. A ideia é vista com ressalvas por procuradores do MPF.
Segundo os procuradores ouvidos pela reportagem, a prorrogação da Lava Jato do Paraná pelo período de apenas 140 dias, até 31 de janeiro de 2021, é um exemplo dessa pressão pela criação da Unac. Sem as forças-tarefas, haveria a necessidade de criar algo para colocar no lugar – justamente a Unac.
O desgaste que levou à debandada de procuradores também é causado pelos recentes ataques às forças-tarefas, que partem da própria cúpula do MPF. Entre eles está a tentativa de acesso da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao banco de dados das forças-tarefas, caso que foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Corregedoria do MPF.
Além disso, procuradores relatam perseguições a membros dos grupos de investigações através de processos disciplinares na Corregedoria e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Nesta semana, por exemplo, o procurador Deltan Dallagnol, que era coordenador da Lava Jato no Paraná, foi punido no CNMP com uma pena de censura.
A avaliação dos procuradores que deixaram seus postos é de que eles perdiam mais tempo respondendo a esses ataques do que efetivamente trabalhando.
Força-tarefa do Rio fora de perigo. Por enquanto
A insatisfação das forças-tarefas de combate à corrupção espalhadas pelo país com a PGR só não alcança a Lava Jato do Rio de Janeiro. Mas isso, segundo um procurador ouvido pela Gazeta do Povo, pode mudar em breve.
A força-tarefa tem autorização para funcionar até o final deste ano, quando vai precisar ser prorrogada pela PGR. A avaliação entre os procuradores de outras forças-tarefas é de que enquanto a Lava Jato do Rio de Janeiro estiver investigando o governador afastado Wilson Witzel (PSC), adversário político do presidente Jair Bolsonaro, terá o apoio da PGR comandada por Aras – que estaria interessado em ser indicado por Bolsonaro para uma vaga no STF.
Debandada começou com a saída de Deltan
O primeiro a deixar as investigações de combate à corrupção foi Deltan Dallagnol, que anunciou em 1º de setembro sua saída da Lava Jato para se dedicar a um tratamento de saúde de sua filha caçula.
A decisão de Deltan ocorre em meio a diversos ataques à operação, parte deles partindo da própria Procuradoria-Geral da República (PGR). Deltan também corria o risco de ser afastado do comando da operação por decisão do Conselho Nacional do Ministério Público.
Mesmo deixando a coordenação da força-tarefa, Deltan acabou sendo punido com uma pena de censura pelo CNMP na terça-feira (8). Na prática, a pena impede a promoção do procurador pelo período de um ano.
Os conselheiros puniram Deltan por tuítes contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL), no início de 2019, quando o procurador fez campanha pelo voto aberto na disputa pela presidência do Senado. O CNMP entendeu que Deltan extrapolou os limites da liberdade de expressão.
Ao deixar a força-tarefa da Lava Jato, Deltan disse em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo que pressões contra a agenda anticorrupção do país existem e decisões externas à Lava Jato que serão tomadas daqui por diante causam preocupação. O procurador se referia, entre outros pontos, à decisão sobre a renovação ou não da autorização para que a força-tarefa continue funcionando. A Lava Jato pedia a prorrogação por um ano. Conseguiu continuar apenas até o fim de janeiro.
VEJA TAMBÉM:
- Lava Jato conseguirá dar conta de todo o trabalho até janeiro de 2021, o prazo-limite dado por Aras?
- Não é só Witzel: mais governadores sob suspeita de corrupção correm risco de perder o cargo
- Opinião da Gazeta: o futuro e o passado incertos da Lava Jato
- Menos tempo e com críticas: PGR prorroga Lava Jato, mas dá sinais de que o cerco continua
Procuradores da Lava Jato em São Paulo pediram desligamento
No dia 2 de setembro, sete procuradores da Lava Jato em São Paulo informaram desligamento coletivo da força-tarefa em comunicado endereçado a Augusto Aras.
No texto, os integrantes informam a data em que pretendem deixar o grupo e afirmam que o motivo das saídas se refere, "em síntese, a incompatibilidades insolúveis com a atuação da procuradora natural dos feitos da referida Força-Tarefa, Dra. Viviane de Oliveira Martinez".
Segundo o site O Antagonista, a crise em São Paulo tem origem em uma determinação da Corregedoria do Conselho do MP para que todas as investigações sejam direcionadas para o gabinete de Viviane Martinez.
A procuradora tem se recusado a assinar denúncias e outros pedidos com os colegas da força-tarefa, o que pode gerar pedidos de nulidades das investigações, já que ela é a procuradora natural do caso.
Lava Jato no STJ também passou por mudanças
No STJ, também houve mudanças que afetam a força-tarefa da Lava Jato que investiga políticos com prerrogativa de foro no tribunal. No dia 3, o conselheiro Marcelo Weitzel, do Conselho Nacional do Ministério Público, determinou que os casos que cheguem ao STJ sejam distribuídos à subprocuradora Áurea Maria Etelvina Pierre, a procuradora natural das investigações.
A partir de agora, caberá a ela decidir se compartilha ou não os casos com os outros procuradores da força-tarefa no STJ. Antes, os recursos eram distribuídos automaticamente para os procuradores nos casos em que eles já atuavam.
Segundo o site O Antagonista, Áurea Pierre é alvo de um processo disciplinar por engavetar mais de mil processos em 2017. A movimentação na força-tarefa do STJ também abre espaço para nulidades de casos que não tenham assinatura dela.
Coordenador da Greenfield anuncia saída e reclama de falta de estrutura
Na sexta-feira passada (4), foi a vez do procurador Anselmo Lopes anunciar sua saída das investigações da Operação Greenfield, responsável pelas investigações de desvios de fundos de pensão de estatais e bancos públicos. Ele era o procurador natural da operação no Distrito Federal e permutou de ofício com Cláudio Drewes, procurador-chefe do Ministério Público Federal no Distrito Federal.
Em uma carta aberta à sociedade e aos colegas do MPF, Anselmo Lopes relata que sua decisão em afastar-se do caso foi motivada pela insatisfação com a insuficiência de dotação de uma estrutura adequada de trabalho à força-tarefa.
Ele considera ser impossível “que um só procurador da República se dedique com exclusividade a esse complexo investigativo. Por maior que seja o espírito público e a vontade de lutar pela Justiça, permanecer como único membro de dedicação exclusiva à Força-Tarefa pareceu-me inaceitável”.
Em julho, a Gazeta do Povo mostrou que a Greenfield passa por uma asfixia. A força-tarefa já teve cinco procuradores dedicados exclusivamente ao caso, mas atualmente contava apenas com Anselmo. Os demais integrantes do grupo precisam acumular outras funções.
Debandada de procuradores da PGR foi a primeira
Em junho, os procuradores Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely, que atuavam na Lava Jato na PGR também pediram demissão. Com isso, o grupo da Lava Jato que investiga políticos com foro no Supremo Tribunal Federal (STF) ficou sem nenhum integrante além da coordenadora, a subprocuradora Lindôra Araújo, principal aliada de Aras na PGR.
Na ocasião, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e a força-tarefa da Greenfield emitiram nota para prestigiar o trabalho dos colegas da PGR e demonstrando "integral confiança" neles. O texto expressa, ainda, "profundo agradecimento e admiração pelos procuradores", considerados "competentes, dedicados, experientes e amplamente comprometidos com a integridade, a causa pública e o combate à corrupção e enfrentamento da macrocriminalidade".
A saída coincidiu com a visita de Lindôra Araújo à força-tarefa da Lava Jato no Paraná, em busca de dados sigilosos das investigações. O caso foi parar na Corregedoria Nacional do MPF.
O grupo de Curitiba questiona a tentativa de obtenção do banco de dados das investigações sem um objeto definido para investigar. Há um temor por parte dos procuradores de que as informações pudessem ser usadas politicamente. Os procuradores ressaltam que Lindôra é a procuradora “mais bolsonarista” da PGR, além de ter um vínculo com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.