Para Dias Toffoli, Lava Jato cometeu “tortura psicológica contra inocentes”| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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A decisão do ministro Dias Toffoli de anular todas as provas entregues pela Odebrecht, dar a investigados amplo acesso às mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato, e ainda determinar investigações sobre como foi firmado o acordo de leniência da empreiteira, deverá acelerar o desmantelamento dos processos criminais e civis que ainda restavam da operação. A diferença é que agora, isso poderá ser feito “no atacado”, já que a decisão poderá ser usada por todas as pessoas que foram atingidas e citadas por revelações de executivos da empresa.

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Além disso, a decisão abre uma nova frente de investigação contra o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR), o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol e outros ex-integrantes da força-tarefa de Curitiba, por terem, respectivamente, homologado e negociado o acordo da Odebrecht, que, para o ministro, foi firmado com uma série de irregularidades, especialmente no que toca à cooperação internacional com a Suíça e os Estados Unidos, de onde vieram boa parte das provas e informações usadas em ações penais.

Após a decisão, a Advocacia-Geral da União, anunciou que criará uma “força-tarefa” para apurar supostos “desvios” deles e que eventuais indenizações que a União vier a pagar para investigados serão depois cobradas deles e de outros agentes que participaram da operação anticorrupção – o que também foi determinado por Dias Toffoli.

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A 13ª Vara Federal de Curitiba e a Procuradoria da República no Paraná deverão entregar ao STF todos os documentos, vídeos e áudios relacionados às tratativas para celebrar o acordo, sob pena de os atuais ocupantes dos órgãos cometerem crime de desobediência. Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Receita Federal, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também deverão informar todos os agentes públicos que atuaram no acordo para serem investigados e responsabilizados “nas esferas administrativa, cível e criminal”, segundo a decisão de Toffoli.

Em 135 páginas, o ministro criticou duramente a Lava Jato, baseando-se principalmente na ideia de que houve conluio entre a força-tarefa e Moro. Disse que a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi “um dos maiores erros judiciários da história do país” e “armação fruto de um projeto de poder” com objetivo de “conquista do Estado” – o petista foi preso em 2018, após condenação em segunda instância, o que era permitido pelo Supremo Tribunal Federal. Naquele ano, por maioria, a Corte também negou um habeas corpus que impediria sua prisão.

Toffoli foi além: escreveu que a medida foi “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF”, misturando com isso as investigações contra a corrupção nos governos petistas às manifestações ocorridas nos últimos anos, nas ruas e nas redes sociais, com críticas a decisões ou à postura de ministros, bem como ao mundo político em Brasília.

Ao acusar os procuradores e juízes do caso de diversas irregularidades na investigação, escreveu que “não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos e valeram-se de tortura psicológica, UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes.”

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Entre advogados que defenderam réus no caso – políticos, empresários, doleiros e operadores do esquema que lesou a Petrobras e outras estatais –, a decisão é celebrada, porque invalidou, “no atacado”, a validade de centenas de registros de pagamentos de propina e doações eleitorais da empreiteira, conforme confessado por seus próprios ex-diretores.

“Decisão importante, conveniente, oportuna e muito corajosa. O ministro merece nosso reconhecimento e o nosso aplauso. Decisão histórica. Desnudou a ‘farsa jato’. A decisão só confirma o que vínhamos denunciando desde sempre, que a Lava Jato foi utilizada com objetivos políticos e eleitorais. Alguns agentes do Estado corromperam nosso sistema de Justiça com objetivos meramente pessoais”, disse à Gazeta do Povo Marco Aurélio Carvalho, advogado petista próximo de Lula e coordenador do Grupo Prerrogativas, que reúne dezenas de criminalistas, muitos advogados de réus, que se tornaram opositores ferrenhos da Lava Jato.

Sergio Moro, por sua vez, exaltou a operação nas redes, lembrando o que ela revelou. “A corrupção nos governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores. Os brasileiros viram, apoiaram e conhecem a verdade. Respeitamos as instituições e toda a nossa ação foi legal. Lutaremos, no Senado, pelo direito à verdade, pela integridade e pela democracia. Sempre!”, postou.

Deltan Dallagnol também rebateu Toffoli. “O maior erro da história do país não foi a condenação do Lula, mas a leniência do STF com a corrupção de Lula e de mais de 400 políticos delatados pela Odebrecht. A anulação da condenação e do acordo fazem a corrupção compensar no Brasil. E se tudo foi inventado, de onde veio o dinheiro devolvido aos cofres públicos? E com a anulação do acordo, os 3 bilhões devolvidos ao povo serão agora entregues novamente aos corruptos? Os ladrões comemoram enquanto quem fez a lei valer é perseguido.”

Com decisão, Toffoli tenta se reaproximar de Lula

Carregada no tom duro, a decisão de Toffoli também representa uma tentativa do ministro de se reaproximar de Lula e do PT. Ex-advogado-geral da União no segundo mandato do petista, ele se afastou da órbita de Lula nos últimos anos de governo do PT e da ascensão ao poder do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem se aproximou politicamente.

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Durante o tempo na prisão, Lula expressou a interlocutores ressentimento com o ministro, indicado por ele para o STF em 2009. Em 2019, quando Lula estava na cadeia, Toffoli impediu que ele fosse ao velório do irmão Genival Inácio da Silva. Com a eleição do petista no ano passado, o ministro buscou reconstruir pontes e foi um dos apoiadores da indicação de Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula, para ministro do STF.

Decisão de Toffoli respondeu à ação capitaneada por Zanin

Em abril, após a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, sempre elogiado por Lula por votar repetidamente contra a Lava Jato no STF, Toffoli migrou para a Segunda Turma da Corte, que julga os recursos da operação. Além disso, assumiu a relatoria da ação, até então com Lewandowski, na qual Lula questionava a validade das provas da Odebrecht.

Nesta ação, a defesa do petista, capitaneada por Zanin, contestava a integridade dos sistemas da empreiteira – Drousys e MyWebDay – que registravam pagamentos para dezenas de políticos, empresários e doleiros. O ex-advogado de Lula acusava os procuradores de obter e transportar de forma irregular os arquivos digitais armazenados na Suíça. Além disso, apontou supostas irregularidades na cooperação firmada com o país europeu para obtenção das provas, especialmente para rastreamento e bloqueio de contas que recebiam dinheiro sujo.

Na decisão desta quarta, Toffoli afirmou que o acordo de cooperação com a Suíça — pelo qual vieram os sistemas da Odebrecht que registravam os pagamentos de propina e também dados de contas bancárias rastreadas e bloqueadas — não foi firmado pela "autoridade central" que representa o Estado brasileiro nesse tipo de acordo, no caso, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), vinculado ao Ministério da Justiça.

Em entrevista à GloboNews, Dallagnol disse que o acordo passou pelo órgão e que isso foi ignorado por Toffoli. Além disso, afirmou que uma sindicância do MPF não apontou irregularidades na cooperação com a Suíça. No auge das investigações internacionais da Lava Jato, procuradores brasileiros temiam que informações sensíveis que chegavam de outros países vazassem para políticos investigados, caso passassem pelo Ministério da Justiça, que é um órgão do governo.

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No STF, o objetivo de Zanin era obter a íntegra do acordo de leniência da Odebrecht, e também documentos que registravam como foram as tratativas diretas da Lava Jato com a Suíça e os Estados Unidos. Tudo isso para questionar a integridade das provas que existiam contra Lula, e com base na hipótese de que não havia garantia de integridade das informações obtidas lá fora. Relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin liberou parte do acesso do acordo de leniência, mas o advogado de Lula recorreu e obteve vitória na Segunda Turma do STF. Lewandowski assumiu a ação por ter vencido Fachin junto com Gilmar Mendes.

Nesta ação, Lewandowski anulou ações penais abertas contra Lula envolvendo supostos pagamentos de propina da Odebrecht para seu instituto. Com base nisso, diversos outros políticos e empresários passaram a pedir o mesmo ao ministro, alegando que também não havia garantia de que os registros da empreiteira não tinham sido adulterados pelo MPF. Lewandowski passou a anular pontualmente vários processos, a partir de pedidos de extensão individuais que chegavam ao STF. Toffoli, agora, anulou todo o material, o que beneficiará todos que foram acusados com dados contidos nas planilhas de pagamento da empresa.

Decisão pode resultar em novas anulações de processos contra investigados da Lava Jato

Além disso, Toffoli liberou a todos esses investigados as mensagens trocadas entre Moro e procuradores e que foram ilegalmente capturadas por hackers, em 2019, e usadas inicialmente para alimentar uma série de reportagens que buscavam desmoralizar a Lava Jato, e que ficaram conhecidas como “Vaza Jato”. Os arquivos que eles mantinham em computadores foram apreendidos pela Polícia Federal na Operação Spoofing, deflagrada naquele ano para prendê-los. Em 2020, Lewandowski liberou esse material para a defesa de Lula, que passou a usá-lo para questionar a regularidade dos processos contra o petista.

Em 2021, as mensagens tiveram forte influência no julgamento do STF que declarou a suspeição de Moro nos processos contra Lula, com base na ideia de que havia um "conluio" dele com os procuradores do MPF.

Com a liberação do material dos hackers para todos os investigados, eles também poderão usar as mensagens para apontar parcialidade do juiz e dos procuradores para anular seus processos. Toffoli garantiu a eles apoio de peritos da PF para acessar as conversas.

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Toffoli adere à narrativa petista e critica delações

Em sua decisão, Toffoli ainda aderiu ao discurso encampado pelo PT de que a Lava Jato prejudicou a economia do país e causou danos pessoais aos investigados. “Destruíram tecnologias nacionais, empresas, empregos e patrimônios públicos e privados. Atingiram vidas, ceifadas por tumores adquiridos, acidentes vascular cerebral e ataques cardíacos, um deles em plena audiência, entre outras consequências físicas e mentais”, escreveu.

Num curto trecho da decisão, o ministro frisou que, nela, não estaria dizendo que “ilícitos verdadeiramente cometidos” não tenham sido investigados na Lava Jato, “mas, ao fim e ao cabo, o que esta reclamação deixa evidente é que SE UTILIZOU UM COVER-UP DE COMBATE À CORRUPÇÃO, COM O INTUITO DE LEVAR UM LÍDER POLÍTICO ÀS GRADES, COM PARCIALIDADE E, EM CONLUIO, FORJANDO-SE ‘PROVAS’”, escreveu, em letras maiúsculas.

Depois, acrescentou: “centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar INOCENTES à prisão. DELAÇÕES ESSAS QUE CAEM POR TERRA, DIA APÓS DIA, ALIÁS. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados. Esse vasto apanhado indica que a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites, e com certeza contamina diversos outros procedimentos; porquanto os constantes ajustes e combinações realizados entre o magistrado e o Parquet e apontados acima representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa.”

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]