Ao suspender o acordo de leniência entre o grupo J&F e o Ministério Público Federal (MPF), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), fechou uma trinca de decisões que beneficiam acusados de corrupção – inclusive na Operação Lava Jato. Nesta quarta-feira (20), o magistrado sustou o pagamento de R$ 10 bilhões acordado entre a empresa e a Justiça.
Toffoli também permitiu que a empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista tenha acesso ao material coletado durante a Operação Spoofing, que investigou mensagens interceptadas ilegalmente pelo hacker Walter Delgatti Netto, conhecido como “hacker de Araraquara”.
A decisão é uma resposta a um recurso apresentado pela J&F ao STF em novembro após o desconto de R$ 6,8 bilhões na multa, inicialmente concedido pelo subprocurador da República Ronaldo Albo e anulado pelo Conselho Institucional do Ministério Público Federal (MPF).
A multa cancelada estava relacionada a um acordo firmado no âmbito da Operação Greenfield, que investigou desvios de recursos em bancos públicos e fundos de pensão de estatais. A empresa havia impetrado o recurso no STF buscando não apenas o cancelamento da multa, mas também a anulação de todos os “negócios jurídicos de caráter patrimonial” derivados das operações Lava Jato, Greenfield, Sépsis e Cui Bono.
A ONG Transparência Internacional criticou a decisão de Toffoli. "Os retrocessos no combate à corrupção no Brasil estão gerando impactos sistêmicos e internacionais extremamente graves, inclusive para a proteção ambiental e as mudanças climáticas", diz a organização, que chegou a acusar a J&F de cometer crimes ambientais e assédio judicial.
Em setembro, Toffoli desferiu um dos mais duros golpes na Operação Lava Jato ao anular todas as provas entregues pela Odebrecht, danado a investigados amplo acesso às mensagens da Operação Spoofing. Ele ainda determinou investigações sobre como foi firmado o acordo de leniência da empreiteira.
Beto Richa também foi beneficiado por Toffoli
Pouco antes, em outro caso, Toffolli havia determinado a nulidade absoluta de todos os atos praticados em processos contra o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), atualmente deputado federal. A nulidade decretada por Toffoli atinge processos das operações Lava Jato, Rádio Patrulha, Quadro Negro, Piloto e Integração.
O ministro ainda determinou o trancamento de todas as persecuções penais abertas contra Richa que tenham como base algumas dessas operações, além da nulidade das decisões proferidas pelo ex-juiz Sergio Moro, que hoje é senador pela União Brasil-PR.
O atual deputado chegou a ser preso em setembro de 2018, quando foi alvo da Operação Rádio Patrulha, que investigou o desvio de dinheiro por meio de licitações no programa “Patrulha do Campo”, para recuperação de estradas rurais do estado. Ele foi acusado pelo Ministério Público Estadual de chefiar organização criminosa em uma fraude à licitação de R$ 72,2 milhões.
A decisão de Toffoli atende a um pedido de Beto Richa, o qual foi formulado como desdobramento da determinação de Toffoli de invalidar todas as provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht. A defesa do deputado alegou ao STF que a medida seria necessária diante do "verdadeiro conluio havido entre acusação e órgão judicial contra o requerente". A citação é referente às mensagens trocadas entre procuradores integrantes da Operação Lava Jato, que foram obtidas pelo hacker Walter Delgatti e incluídas em processos judiciais após a apreensão do material na Operação Spoofing.
Ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol refutou a versão da defesa de Beto Richa e as conclusões do ministro. Em texto escrito para a Gazeta do Povo, ele elencou o que considera serem erros na decisão de Toffoli, como por exemplo, o fato de o magistrado ter anulado operações estaduais que não envolveram atuação de agentes federais da Lava Jato. "Se o fundamento da anulação era suposto conluio entre agentes federais, como é que Toffoli anula operações no âmbito estadual? Não faz nenhum sentido", afirmou.
Beto Richa comemorou a decisão e disse que "não existia sequer meia prova" contra ele. "Fui, na verdade, vítima de uma ação criminosa da Lava Jato. Me tornei alvo de um grupo que se utilizou da manipulação processual para criminalizar a política. Um grupo que, na verdade, não buscava combater a corrupção, e sim conquistar o poder eliminando aqueles que escolhiam como adversários a serem abatidos". O político disse também que as investigações o "submeteram a um linchamento moral, execração e humilhação pública".
Toffoli reabilitou decisões de Appio
Em outra decisão que beneficiou mais um acusado de corrupção, na terça-feira (19), Dias Toffoli reabilitou todos os atos do juiz federal Eduardo Appio à frente dos processos da Operação Lava Jato na 13ª Vara de Curitiba, os quais tinham sido suspensos, após um pedido da defesa do empresário Raul Schmidt Felippe Junior.
Em setembro, a 8ª turma do TRF4 pediu pela suspeição de Appio nos casos envolvendo a Operação Lava Jato e determinou a nulidade de todas as decisões do magistrado por conduta que demonstra “parcialidade do juízo excepto em relação a toda operação”. Na época, os desembargadores do tribunal regional citaram a fama de Appio como crítico da Lava Jato e o apoio dele a Lula nas eleições do ano passado. Entre 2021 e início de 2023, enquanto integrava a 2ª Turma Recursal, Appio assinava como "LUL22" em processos remetidos à época, em referência ao petista.
Schmidt foi denunciado pelo MPF sob acusação de intermediar o pagamento de vantagens indevidas a funcionários da Petrobras para tentar favorecer a contratação de uma empresa que prestaria o serviço de afretamento do navio-sonda Titanium Explorer. A defesa do empresário alegou que a denúncia estava baseada em dados bancários obtidos pelo MPF sem autorização judicial, decisão reconhecida por Appio em março de 2023.
Esposa de Toffoli advoga para J&F
Um dos pontos que chamou mais atenção nas recentes decisões do ministro foi o fato de que a esposa de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, presta assessoria jurídica para a J&F em outro caso – no litígio contra a empresa estrangeira Paper Excellence no processo de compra da Eldorado Brasil Celulose.
De acordo com o Código de Processo Civil, juízes não poderiam julgar causas em que escritórios de parentes estivessem envolvidos. No entanto, em agosto deste ano, STF decidiu que alterar a regra após ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade de classe alegou que os juízes precisariam exigir dos parentes uma lista diária da relação de seus clientes e poderiam ser penalizados por "informações que estão com terceiros".
A decisão beneficiou os próprios ministros do STF. Além de Toffoli, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes são casados com advogadas. Já os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin são pais de advogados. Apesar da mudança, nos casos em que o próprio parente atua na ação, o juiz continuaria impedido.
Relator do processo, o ministro Edson Fachin votou contra o pedido da AMB, mas foi voto vencido. Fachin afirmou que não há “nada na norma” questionada que a torne “impraticável” e que é “justa e razoável” a presunção de “ganho nas causas em que o cliente do escritório de advocacia de parente do magistrado atue”. Fachin foi acompanhado pela presidente do STF, Rosa Weber, e pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.
Mesmo com recesso, Toffoli vai atuar em ação sobre conversas na Lava Jato
Ainda nesta quarta-feira, início do recesso do Judiciário, Toffoli informou ao Supremo que durante o recesso da Corte continuará responsável pelo processo sobre as conversas de procuradores da Lava Jato acessadas por hackers.
Até 6 de janeiro não haverá expediente. Os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e André Mendonça se revezarão em plantão, atuando no acervo e no recebimento de novas demandas e requerimentos. Eles também poderão agir no cumprimento de medidas judiciais urgentes.
Apesar do revezamento, Toffoli pediu para permanecer na ativa para julgar ação da defesa de Lula contra a Lava Jato. O pedido foi específico para o caso da Spoofing. Com isso, eventuais decisões e despachos urgentes sobre o caso continuarão sob responsabilidade do próprio ministro até fevereiro, quando o Judiciário volta às atividades.
Normalmente, durante o plantão, decisões urgentes ficam a cargo do presidente da corte, que atualmente é o ministro Luís Roberto Barroso, e do vice, Edson Fachin. Mas ministros podem querer continuar trabalhando em seus acervos.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF