Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Reputação do Brasil

Declarações de Lula sobre política externa podem causar estragos mais graves a partir de 2025 

Lula e Mauro Vieira
Lula e o ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores, que não se pronunciou a mais de 24 horas depois de confirmada a vitória de Trump na eleição americana. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ouça este conteúdo

Após dois anos marcados por declarações polêmicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da política externa, analistas avaliam que essa postura do mandatário pode trazer impactos negativos mais graves ao Brasil a partir do próximo ano, caso ela seja mantida. Com o retorno de Donald Trump para a Casa Branca e um Secretário de Estado americano (Marco Rubio) com uma ligação maior com a América Latina, críticas ao sistema de comércio baseado no dólar e declarações de apoio a ditadores como Nicolás Maduro não devem passar despercebidas.

Na avaliação de Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, as criticadas declarações de Lula tiveram, até o momento, pouco custo ao Brasil principalmente devido à sua aproximação com o então presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

“Se houver essas falas polêmicas [de Lula a partir do próximo ano], a tendência é que o Brasil fique muito mais sob escrutínio [dos Estados Unidos], especialmente porque Trump indicou Marco Rubio como Secretário de Estado”, avalia.

“Rubio é um político americano com ascendência cubana, então vai estar muito preocupado com a América Latina e isso é incomum para os Estados Unidos. Normalmente a América Latina nunca é tratada como prioridade e a tendência é que esse novo secretário de estado a trate com prioridade, então tudo que o Lula falar vai estar sob uma lupa muito maior”, pontua o analista da BMJ. 

Rubio é um senador do Partido Republicano desde 2011, fala fluentemente espanhol e vai se tornar Secretário de Estado americano mais experiente em assuntos da América Latina desde a década de 1970.

Outro ponto que não deve passar despercebido pelos EUA e por outras nações do Ocidente é o reconhecimento explícito da eleição fraudulenta do ditador Nicolás Maduro na Venezuela. Lula não irá pessoalmente na cerimônia de posse no próximo dia 10 em Caracas, mas enviará a embaixadora Glivânia Maria de Oliveira - o que, na prática, significa reconhecer não tacitamente, mas explicitamente a ditadura no país vizinho, segundo analistas e políticos da oposição.

Assim, diferente dos dois últimos anos, a represália internacional a Lula pode não ficar apenas no campo das declarações diplomáticas. Antes mesmo de tomar posse, Donald Trump já deixou claro que estuda a possibilidade de taxar o Brasil quando assumir a presidência dos Estados Unidos. Recentemente, o republicano afirmou que vai cobrar “a mesma coisa” que o Brasil cobra das importações americanas. Em declaração à imprensa nos últimos dias, Trump reclamou de países como Brasil e Índia, que cobram taxas demais nos produtos importados dos EUA.

"A Índia cobra muito [em tarifas aos importados], O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa", afirmou o presidente eleito nos Estados Unidos. Antes disso, o republicano havia dito que vai “taxar em 100% os países dos Brics” (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Etiópia, Egito e Emirados Árabes Unidos) que insistirem em meios de desdolarização.

“Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano ou eles enfrentarão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana. Eles podem procurar outro ‘otário’. Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer adeus aos Estados Unidos”, escreveu Trump em uma rede social.

Os Brics têm apostado no desenvolvimento de meios de pagamento que dispensem a utilização do dólar. Os planos do grupo refletem anseios de Rússia e China, que rivalizam com os Estados Unidos no campo geopolítico e econômico. Mas o Brasil está participando ativamente na criação de um novo sistema de pagamentos bancários para contornar o sistema americano conhecido como SWIFT.

Declarações de Lula sobre guerras já desgastaram sua imagem e a do Brasil

Os últimos dois anos foram marcados pelo desgaste na imagem de Lula na política externa. Entre diversos pronunciamentos polêmicos, o petista chegou a equiparar a responsabilidade de guerra entre Rússia e Ucrânia na invasão das tropas do Kremlin ao território ucraniano. Ele também causou uma crise diplomática com Israel ao acusar o governo israelense de cometer genocídio contra a população palestina na Faixa de Gaza. Tais afirmações afastaram o petista do tabuleiro de negociação sobre as guerras. 

Lula não participou de discussões sobre o conflito no Leste Europeu durante a última Cúpula do G7 e não foi convidado para buscar uma solução pacífica no Oriente Médio, apesar da tentativa de ocupar estes espaços. Suas declarações também trouxeram prejuízos internos: sua popularidade caiu entre os brasileiros quando ele comparou a contraofensiva de Israel em Gaza ao Holocausto na Segunda Guerra Mundial.

Logo após a comparação de Lula de Israel com o Holocausto, pesquisa quantitativa feita pela consultoria Genial/Quaest em fevereiro mostrou uma queda de sua popularidade entre o eleitorado brasileiro. Sua desaprovação cresceu cinco pontos percentuais, na comparação com dezembro de 2023, e atingiu 34% no levantamento geral. Além disso, entre a população evangélica, a avaliação negativa do governo deu um salto de 36% para 48%.

O diplomata Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington, pontua que, ainda que essas declarações não tenham causado impacto negativo concreto ao Brasil, desgastaram a imagem de Lula e da diplomacia brasileira.

“Teve um desgaste do presidente do exterior, porque ele é visto como uma pessoa que já tomou partido, e na imagem do Itamaraty, devido à percepção de que o governo tomou uma posição.”

Reuniões do Brics, Mercosul e COP-30 vão deixar o Brasil em evidência

Desde que retornou ao Planalto, o governo Lula se prepara para a realização da COP-30, a conferência mundial do clima, em Belém (PA). Ao longo de 2025, o Brasil também presidirá o bloco dos Brics e vai receber todos os chefes de Estado para uma cúpula no final do ano – o encontro deve ainda retomar discussões sobre a presença do ditador russo Vladimir Putin no Brasil. Além disso, durante o segundo semestre de 2025, o governo brasileiro assume a presidência rotativa do Mercosul e vai se responsabilizar pela agenda do grupo.

Durante esses eventos, os olhos do mundo devem recair sobre o governo brasileiro e sua postura para conduzir os três blocos e suas respectivas cúpulas. Na avaliação de Lucas Fernandes, analista da BMJ, o petista deveria adotar um tom mais moderado a partir de agora, a fim de evitar desgastes e o possível esvaziamento destes eventos, que são vistos como uma oportunidade para o Brasil voltar a se posicionar no cenário internacional.

“Como a gente tem esses três eventos internacionais de grande porte aqui dentro do país, a gente também deve ter o Lula se posicionando menos sobre esses conflitos [na Europa e no Oriente Médio], onde o Brasil não tem tanto poder de agenda, para fazer com que esses eventos sejam bem recebidos e para não constranger nenhuma delegação a participar da COP”, pontua o analista.

A estratégia, avalia Fernandes, deve ser a mesma adotada às vésperas da Cúpula de Líderes do G20, que o Brasil realizou no Rio de Janeiro em novembro de 2024. Faltando algumas semanas para o evento, o mandatário brasileiro se manteve mais recluso e focado na agenda do G20.

Embora não tenha protagonizado nenhuma grande polêmica pública no G20 no ano passado, a equipe de Lula trabalhou para que a declaração final do evento desse ênfase a pautas da esquerda, como a redistribuição forçada de renda, e aliviasse o papel de invasor protagonizado pela Rússia na invasão da Ucrânia.

Nos bastidores, autoridades do governo e pessoas envolvidas na organização dos eventos de 2025 estão céticos em relação à capacidade de comedimento de Lula. Eles dizem que, se Lula decidir improvisar algum discurso, a polêmica será inevitável.

Discussão sobre Putin e Maduro no Brasil deve voltar em 2025

Ainda sem data marcada, a Cúpula de Líderes dos Brics deve retomar as discussões em torno da presença dos ditadores Vladimir Putin e Nicolás Maduro no encontro. Os temas podem voltar a ser dor de cabeça para o petista. No ano passado, Lula afirmou que não prenderia Putin caso ele viesse ao Rio de Janeiro para participar da Cúpula do G20.

A Rússia é um país-membro do bloco e o presidente russo foi um dos convidados para o encontro sediado em solo brasileiro. A afirmação de Lula, contudo, ignorou o mandado de prisão contra o ditador russo expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra cometidos na Ucrânia. Ele participou do sequestro de milhares de crianças ucranianas que foram enviadas para adoção forçada na Rússia. O Brasil, como um dos signatários do Tratado de Roma, deve dar voz de prisão a Putin.

Desde que o ditador foi condenado em 2023, as democracias do Ocidente vêm pressionando os países signatários para cumprir o acordo de prisão. Putin cancelou sua participação na cúpula do Brics na África do Sul naquele ano, quando o presidente Cyril Ramaphosa disse que tentar prendê-lo seria uma declaração de guerra contra a Rússia.

No ano passado, a cúpula do bloco foi na própria Rússia e neste ano será no Brasil. De acordo com a legislação brasileira, se Putin vier ao Brasil sua prisão terá que ser autorizada por um juiz federal de primeira instância, conforme definido em 2020 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, como não há uma lei específica sobre o tema, o magistrado teria de decidir, inclusive sobre eventuais pedidos de soltura, com base em analogias e princípios do direito penal e internacional que considerasse aplicáveis ao caso, o que abre um vácuo legal sobre o caso.

Além do impasse que a possível presença de Vladimir Putin, o embaixador Rubens Barbosa relembra ainda o dilema com a Venezuela em torno dos Brics. No último ano, o Brasil vetou a entrada de Caracas no bloco de nações emergentes após ruídos diplomáticos entre o país e o governo brasileiro. Lula, que chegou a apoiar o ingresso venezuelano no grupo, mudou de ideia depois do início de uma crise política no país causada pela fraude nas eleições que reelegeram o ditador Nicolás Maduro.

"O Brasil e o presidente Lula vão ter um desafio muito grande quando for sediar a reunião dos Brics: vai incluir a Venezuela quando ele [Lula] for presidente dos Brics? Esse vai ser o primeiro problema que o Lula vai ter que enfrentar. A Venezuela é um país latino-americano, vizinho do Brasil… Como é que vai fazer?", avalia Barbosa, que também foi embaixador do Brasil em Londres.

O reconhecimento explícito do Brasil em relação à ditadura da Venezuela após eleições fraudadas deve se configurar com o envio de uma diplomata à posse de Maduro no próximo dia 10. Isso pode ser um indicativo de que Lula esteja disposto a aceitar as consequências políticas de receber Maduro no Brasil na cúpula dos Brics.

Lula deve escolher caminho do pragmatismo na COP-30 e Mercosul

A Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, a COP-30, que o Brasil deve sediar em Belém, será o principal evento para discutir ações ambientais e climáticas do mundo no ano e tem sido a grande aposta da política externa de Lula neste terceiro mandato.

O evento reflete uma ambição de Lula se projetar como um líder ambiental, mas que tem sido frustrada devido a seus posicionamentos contraditórios e incoerentes na área. Exemplos disso são os fatos de o petista defender a preservação ambiental e não ter impedido que o Brasil batesse recorde de queimadas ou permitir a exploração de petróleo na Amazônia.

Agora, todas as fichas são reservadas para a COP que Lula quer levar para Belém sob a justificativa de ter os principais líderes mundiais no "coração da Amazônia". Além do desafio logístico de sua realização, o mandatário brasileiro também deve encontrar percalços com um importante agente internacional.

Analistas avaliam que Donald Trump deve retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris e não participar nem enviar um representante de alto escalão à cúpula, o que pode esvaziar o evento.

“É um desafio grande porque qualquer coisa que for decidida nessa COP, muito provavelmente, não vai ter o aval da maior economia do mundo e do país que é considerado o maior poluidor. Isso enfraquece muito a tomada de decisões”, avalia Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados.

O professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), opina que, em favor do sucesso da cúpula, o Brasil não deve adotar medidas incisivas. Essa seria uma forma de atrair maior participação de países que não se animam com a pauta ambiental, como é o caso dos Estados Unidos de Trump e da Argentina de Javier Milei.

"Em um cenário interno delicado [com uma crise fiscal e próximo do período eleitoral], o Brasil dificilmente realizará um rigoroso ato de gestão no sentido de efetivamente proteger o ambiente. Mas do ponto de vista da sua postura internacional, acredito que o Brasil será coerente e continuará defendendo normas rígidas de controle para a preservação da vegetação e do clima", enfatiza Gomes.

Petista pode dialogar com UE para destravar acordo com Mercosul

Na análise do professor Elton Gomes, o enfraquecimento da China e da Rússia pode pressionar Lula a recuperar o elo de proximidade com os EUA e com as nações europeias.

Pequim enfrenta uma grave crise imobiliária, uma onda de desemprego e alta no déficit público - cenário que tem causado desaceleração no crescimento de seu Produto Interno Bruto. Moscou, por sua vez, teve a economia prejudicada pela guerra e pelas sanções do Ocidente e enfrenta inflação alta e taxas de juros recordes. Putin até abandonou o ditador Bashar Assad durante a revolta que derrubou seu governo na Síria no fim do ano passado, demonstrando que não tem capacidade ou disposição para defender seus aliados.

Além disso, um bom relacionamento com os europeus pode ser o incentivo necessário para, finalmente, tirar do papel o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.  

Após os dois blocos chegarem a um consenso sobre os termos do acordo, agora o tratado precisa ser ratificado internamente pelo bloco europeu e pelos países do Mercosul. O Brasil, como maior sócio do grupo sul-americano, deve presidir as discussões nesse sentido. Com Javier Milei no Mercosul, líder argentino considerado um desafeto de Lula, o petista também deve apostar numa relação pragmática para destravar as negociações com os europeus.  

Gomes vê uma janela de oportunidade para esta negociação neste momento. Ainda que Lula e Milei não tenham uma boa relação e o argentino seja contrário a organismos multilaterais, os dois líderes veem com bons olhos as negociações com a União Europeia. “É provável que Lula adote essa postura mais pragmática com relação ao Mercosul, o que é muito importante para o Brasil manter a sua condição de hegemônico na América do Sul”, avalia Elton Gomes.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.