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O novo decreto de armas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também trouxe impacto negativo para atletas e praticantes de tiro esportivo no Brasil. Ao limitar o acesso a armas e munições, a normativa inviabiliza o treino para competições nacionais e internacionais.
Pela normativa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os praticantes de tiro, seja tiro prático ou olímpico, tinham direito a 60 armas, sendo 30 de calibre restrito; até 1 mil munições por arma de uso restrito por ano (30 mil por ano ao todo); cinco mil munições por arma de uso permitido por ano (150 mil por ano ao todo).
Mas o texto assinado por Lula no dia 21 de julho estabelece restrições para atiradores e retoma a classificação de cada atirador em três níveis. Confira as mudanças:
Atirador Nível 1
- Oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos.
- Até 4 armas de fogo de uso permitido;
- Até 4 mil cartuchos, por ano;
- Até 8 mil cartuchos .22 LR ou SHORT, por ano.
Atirador Nível 2
- Doze treinamentos em clube de tiro e quatro competições, das quais duas de âmbito estadual, regional ou nacional, a cada doze meses.
- Até 8 armas de fogo de uso permitido;
- Até 10 mil cartuchos, por ano;
- Até 16 mil cartuchos, por ano .22 LR ou SHORT.
Atirador Nível 3
- Vinte treinamentos em clube de tiro e seis competições, das quais duas de âmbito nacional ou internacional, no período de doze meses.
- Até 16 armas de fogo, sendo 12 de uso permitido e até 4 de uso restrito*;
- - Até 20 mil cartuchos, por ano;
- - Até 32 mil cartuchos por ano .22 LR ou SHORT.
Para limitar o acesso a armas dos cidadãos, o decreto de Lula estabeleceu que armas cujo os canos liberem energia acima de 407 joules serão consideradas de uso restrito. A limitação incluiu calibres utilizados na praticagem de tiro, como a 9 mm (629,81 joules), 38 Super (569,23 joules), .40 S&W (666,25 joules) e 45 ACP (755,15 joules). A quantidade de joules de cada arma foi definida na portaria 1.222/2019 do Ministério da Defesa.
Na visão de especialistas sobre o assunto, o governo inviabilizou o tiro desportivo no país. Competições que utilizam os calibres restritos podem ser prejudicadas e atletas ficam inviabilizados de desenvolverem seus treinos. A perda de competitividade em relação a outros países também é inevitável no atual cenário.
A primeira medalha olímpica obtida pelo Brasil foi na modalidade de tiro, na Olimpíada da Antuérpia em 1920.
“Todas as provas de tiro de precisão utilizam calibres que se tornaram restritos. Agora só vai conseguir praticar quem chegar no ‘Olimpo’, que é o nível 3. Para modalidades do IPSC [sigla em inglês da confederação internacional de tiro prático, que simula um confronto armado], que também é uma modalidade que tem no mundo todo, qualquer competição só utiliza os calibres que agora são restritos. Qualquer atirador que esteja iniciando no tiro prático, que queira atirar competitivamente, ele precisar ser nível 3 porque todos os calibres, como o 9 mm e o .45 são restritos”, diz o escritor, analista de segurança pública e especialista em armas e munições Benedito Barbosa, o Bene Barbosa, que também é o autor do livro Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento.
Ele acrescenta: “Vai ser muito mais caro e burocrático. Acredito que mais de 80% dos atiradores vão desistir do tiro esportivo por conta dessas dificuldades”.
Com a limitação nos calibres, os praticantes de tiro serão forçados a treinarem com o calibre .380, que ainda é considerado uso permitido. Por outro lado, fontes do setor destacam que esse tipo de armamento não é utilizado em provas internacionais, o que irá dificultar o treinamento de praticantes.
Há diversas modalidades de tiro esportivo. Algumas delas simulam confrontos e valorizam a habilidade do atirador em se deslocar a pé por um percurso atirando em alvos designados, geralmente usando revólveres e pistolas.
Outras são aquelas conhecidas das competições olímpicas, onde o atirador fica parado disparando em alvos estáticos, com pistolas e carabinas, ou móveis - pratos lançados no ar que são atingidos com tiros de espingarda.
O advogado André Pirajá, presidente do movimento Produtores Rurais Pela Liberdade, também entende que a prática de tiro será prejudicada pela normativa de Lula. Ele comentou que a divisão dos atiradores em níveis impõe uma barreira para o crescimento dos atletas e praticantes da modalidade.
“Se você analisar a Confederação Brasileira de Tiro Prático, ela é membro da IPSC, que é uma modalidade tiro internacional. O IPSC não possui calibre 380, pois começa em 9 mm. Eu vejo uma ausência de competitividade, partindo da premissa que a Lei 9.615/1998 estipula a democratização do esporte. Para que tenha essa democratização, todo mundo deve ter acesso aos mesmos calibres. Se você cria uma divisão onde 9 mm é calibre restrito e só nível três pode ter acesso, você não está sendo equânime. Quer dizer, só o atirador nível três pode participar do IPSC?”, diz o advogado.
Ele acrescenta fazendo uma reflexão sobre a diferença de tratamento do tiro esportivo em países vencedores na modalidade, como os Estados Unidos.
“Essa limitação de calibres visa retirar o Brasil da formação de novos atletas. Por que nós produzimos tanto jogador de futebol? Porque é só você colocar uma bola em espaço de chão batido que você produz o jogador. Por que os Estados Unidos possuem tantos atletas de tiro?”, diz Pirajá.
Entidade aponta inviabilidade da prática de tiro
A reportagem conversou com o presidente da Confederação Brasileira de Tiro Prático (CBTP), Hwaskar Fagundes, e indagou sobre o impacto das novas limitações no esporte. Para Hwaskar, o decreto pode paralisar o Campeonato Brasileiro de IPSC.
“O Brasil hoje é o país que tem a maior quantidade de medalhas presidenciais. O IPSC, no ano passado, nos classificou em primeiro lugar. A classificação é em cima de medalhas presidenciais e realizações de campeonatos nível 3, que são grandes. Há uma classificação dos países. Temos uma das maiores delegações de campeonato. Com esse decreto, ficamos com uma situação temerosa”, diz o representante da entidade.
Ele afirma ainda que que o texto assinado por Lula traz insegurança jurídica aos atletas que querem competir.
“Hoje temos uma série de inseguranças jurídicas. Quer dizer, o atleta realizou todo o procedimento correto, legal, e hoje não temos uma orientação se o que estava antes do decreto está valendo ou não. Por enquanto, as Guias de Tráfego estão valendo e acordo de cooperação será feito entre o Exército e Polícia Federal. No entanto, gera uma insegurança muito grande porque se as guias foram viabilizadas como Guia de Trânsito, com período pré-definido, nós teremos que tirar Guia de Tráfego para cada evento e vai gerar um ônus muito grande", acrescenta.
Comentando a limitação de calibres, Hwaskar afirma que “dependendo da regulamentação que vier”, a normativa posterior assinada pelo governo pode “paralisar em definitivo o campeonato brasileiro”.
“O calibre 9m e 12 são os calibres mais populares no nosso esporte e vão ter um impacto direto. Também temos a .40 e 45. É importante dizer que o 380 não tem o reconhecimento internacional e o menor calibre para competição é o 9m. Nós temos atletas patrocinados que recebem um volume muito maior de 6 mil munições. Temos que analisar como será isso”, afirma Fagundes.
O representante da Confederação Brasileira de Tiro Prático também informou que está procurando o governo para discutir uma alternativa ao que foi estabelecido pelo decreto.
“Estamos insistentemente, desde que saiu o decreto, solicitando uma reunião emergencial junto à Casa Civil, o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa, para que possamos entender como isso será tratado, visto que no momento estamos sendo prejudicados”, afirmou.
“A gente entende que o governo precisa regulamentar e concordamos que precisa haver limitações. Não somos contra, mesmo porque o esporte existe há mais de 30 anos. Ele não nasceu no governo Bolsonaro. Sempre convivemos muito bem com todas as regras. Claro, regras viáveis”, afirma.