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Desarmamento forçado

Decreto sobre armas pode ser ilegal por tirar competência de fiscalização do Exército

Presidente Lula e ministro Dino assinaram decreto de armas nesta sexta-feira
Novo decreto de armas, assinado pelo presidente Lula e pelo ministro Dino transfere competência sobre o controle de armas do Exército para a Polícia Federal (Foto: Isaac Amorim/MJSP)

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O novo decreto que restringe os direitos da população de adquirir armas, munição e de usufruir de clubes de tiro pode ser questionado judicialmente por retirar do Exército competências de fiscalização que são atribuídas em lei, segundo analistas e parlamentares ouvidos pela Gazeta do Povo.

Quando assumiu o mandato, em janeiro, uma das primeiras medidas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi baixar um decreto que desfez as principais mudanças aditadas pelo governo anterior para o setor e inviabilizou a concessão de novos registros para atiradores e compra de determinados tipos de armamentos que antes eram adquiridos normalmente. Nesta sexta-feira (21), Lula anunciou a criação de um novo decreto, um pouco mais flexível que o inicial, mas que ainda não foi publicado.

Para o coordenador do Proarmas do Rio de Janeiro, Felipe Nini, o novo decreto tem uma ilegalidade flagrante ao tirar do Exército competências de fiscalização e passá-las para a Polícia Federal. “Isso é passível de interpelação judicial, visto que a lei de controle de armas diz explicitamente que cabe ao Exército Brasileiro essa fiscalização. O decreto, em tese, não pode alterar isso”, pontuou Nini.

Antes do decreto, cabia ao Exército conceder autorizações de compra e fiscalizar armamentos para caçadores, atiradores esportivos, e colecionadores (CACs).

O presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado federal Sanderson (PL-RS), que é policial federal de carreira, destacou que é contra a transferência da competência sobre o controle de armas.

“Só o Parlamento pode fazer alterações legislativas. Em primeiro lugar, o Poder Executivo não pode fazer mudança na lei. Segundo, porque a Polícia Federal não tem efetivo suficiente para receber mais essa função, que certamente vai trazer prejuízos às operações de enfrentamento ao crime organizado”, pontuou o deputado.

Outra hipótese é que o governo esteja querendo criar um "gargalo artificial". Isso porque a Polícia Federal pode não ser capaz de atender todos os pedidos de licenciamento de armas e atiradores. Isso tem potencial para impedir, na prática, que cidadãos exerçam a liberdade de possuir armamentos.

A Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Federal para buscar informações sobre a migração de competências para o órgão. Em resposta, a assessoria de imprensa da PF mencionou apenas que não poderia atender à demanda em virtude de o decreto ainda não ter sido publicado.

Decretos de Bolsonaro não iam contra lei de armamentos

O ex-presidente Jair Bolsonaro também fez mudanças nas regras de compra de armamentos por meio de decretos, mas, em linhas gerais, as alterações criadas por ele e agora revogadas por Lula não se sobrepuseram às leis aprovadas pelo Parlamento.

Houve um decreto de Bolsonaro que tentava extrapolar essa competência, mas acabou derrubado pelo STF.

Editado em 2019, ele previa o afastamento do controle exercido pelo Comando do Exército sobre projéteis para armas de até 12,7 mm, máquinas e prensas para recarga de munições e de diversos tipos de miras, como as telescópicas. Esse dispositivo, no entanto, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal.

A suspensão dos decretos foi motivada por ações protocoladas pelos partidos PT e PSB. Na época, a relatora, ministra Rosa Weber, disse que as normas editadas por Bolsonaro exorbitavam os limites do poder regulamentar atribuído ao presidente da República e deixavam vulneráveis as políticas públicas de proteção a direitos fundamentais.

Decreto de armas de Lula é caro e burocrático, avalia deputada

Os especialistas têm sido cautelosos ao analisar as informações repassadas até o momento pelo Palácio do Planalto sobre o decreto de armas de Lula. “É preciso aguardar a publicação do decreto, pois sempre podemos ter surpresas”, alertou o escritor, analista de segurança pública e especialista em armas e munições, Benedito Barbosa, em transmissão ao vivo nas redes sociais após a cerimônia de assinatura do decreto.

No entanto, em análise ao final do vídeo, Barbosa avaliou que “vai crescer demais a criminalidade”. “Os bandidos vão voltar a se sentir incentivados e seguros para atacar o cidadão”, completou o especialista.

Para a deputada Caroline De Toni (PL-SC), é muito difícil identificar o pior ponto, dentre os já divulgados, do decreto de armas de Lula. “O novo decreto aborda diversos eixos que pioraram as normas sobre armas. Em resumo, o processo vai ficar mais caro e burocrático, dificultando ainda mais a vida dos cidadãos de bem que querem e precisam se defender. Lula está caminhando a passos largos para pôr fim à liberdade e à possibilidade do exercício da legítima defesa”, avaliou a deputada catarinense.

Norma de distanciamento de escolas pode inviabilizar operação de clubes de tiro

Especialistas classificaram como crítica a medida que prevê a restrição de clubes de tiro perto de escolas. De acordo com informações já divulgadas, os clubes terão que ficar em distância superior a um quilômetro em relação a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados.

Clubes de tiro que hoje se encontram nessa proximidade terão que se mudar em um prazo de 18 meses, a partir da data de publicação do decreto. Para Barbosa, essa é uma medida ruim.

"Estabelecimentos como 'bocas de fumo' [pontos de tráfico de drogas] e outros são muito mais prejudiciais e funcionam perto de escolas atualmente”, disse. O especialista previu ainda que grande parte dos clubes não vão sobreviver, em razão da dificuldade e complexidade do atendimento das normas que serão impostas.

Restrição de pistolas de 9mm afeta atiradores e pode estrangular o tiro esportivo

A retomada da distinção entre as armas de uso dos órgãos de segurança e as armas acessíveis aos cidadãos comuns foi um dos pontos que geraram bastante repercussão entre os armamentistas. A partir de 2019, as pistolas 9mm, .40 e .45, passaram a ser acessíveis ao cidadão comum. Agora, elas voltam a ser de uso restrito. Esses três calibres em questão são usados apenas em armas leves.

De acordo com o promotor de justiça e atirador esportivo, Luciano Lara, 95% da produção mundial é de calibres de armas de mão, como a 9mm., sendo também a grande maioria das armas que foi vendida no Brasil nos últimos anos.

“Nada disso é aceitável porque é um retrocesso injustificado. O mundo todo o usa e não é por causa do risco. Ele é dos mais fracos existentes e exatamente por isso é mais fácil de usar, mais controlável e mais durável”, destacou Lara.

A crítica de Lara ao regramento imposto sobre as pistolas se deve especialmente pelo fato de que, segundo ele, houve promessas por parte do governo de que o esporte não seria afetado.

“Tornar esse calibre restrito é estrangular o esporte. Já houve restrição em quase 90% no número de armas e na quantidade de munição que pode ser adquirida. Já haveria corte mais do que bastante para a restrição pretendida. Limitar injustificadamente o calibre é uma vingança desmedida”, avaliou Lara, que também é responsável pelo site Beaba do Tiro.

Dino diz que decreto é "ponderado e equilibrado"

Em seu discurso, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse o decreto publicado será ponderado e equilibrado. “Estamos encerrando hoje um capítulo trágico, de trevas na vida brasileira. Hoje o senhor [Lula] está assinando o decreto que põe fim definitivamente ao armamentismo irresponsável”, frisou o ministro de Lula.

Já o presidente Lula destacou sua participação na campanha do desarmamento, realizada a partir da aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003. “Eu participei de uma campanha do desarmamento nesse país. Recolhemos milhares e milhares de armas. [...] É por isso que a gente vai continuar lutando por um país desarmado”, destacou o presidente.

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