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8 de janeiro

Defensor diz que parte dos presos foi a Brasília por curiosidade e não participou do vandalismo

O defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro atende a cerca de 400 pessoas denunciadas no 8 de janeiro (Foto: Orlando Brito/DPU)

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O defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro tem se empenhado nos últimos meses para entender melhor o que aconteceu na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, quando centenas de manifestantes depredaram as sedes do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele atua na defesa de cerca de 400 dessas pessoas junto ao STF. Nesta quarta-feira (19), quando novas imagens revelaram que militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança da Presidência, circulavam entre os invasores no momento em vários vandalizavam a sede do Executivo, ele desabafou no Twitter.

“O mínimo que eu espero, honestamente, é que, ao final das investigações e processos sobre os atos de 08/01, não sejam condenados apenas o rapaz que era chapeiro em um QG e a professora do interior, se é que me entendem”, postou na rede social.

Em entrevista à Gazeta do Povo nesta sexta-feira (20), o defensor considera que as gravações impõem o aprofundamento das investigações, embora não considere que a situação das pessoas que defende vá se alterar muito.

“Claro que as investigações têm que se aprofundar sobre o que aconteceu, o que foi mostrado. Não sei se altera a situação das pessoas que defendo. Sinceramente, não tenho essa expectativa”, diz ele. “Os outros acusados, as outras autoridades, não sei.”

Ribeiro considera que as acusações contra a maioria dos manifestantes são exageradas. Para ele, muitas pessoas que foram presas dentro dos prédios estavam ali por curiosidade e não depredaram nada, nem tinham a intenção de dar um golpe de Estado, como são acusadas. Em seus depoimentos, disseram que os seguranças que ali estavam as orientavam para que se protegessem, e não tinham conhecimento para saber se eram da polícia, do GSI ou do Exército.

“A maioria das pessoas é bastante simples e não saberia dizer isso. Só falaram que foram orientadas a ficar em determinado lugar para não serem pisoteadas, ou feridas no corre-corre e no empurra-empurra, isso sim, mas sem indicar quem falou isso”, afirma Ribeiro.

Nesta semana, o STF iniciou a análise das denúncias contra cem dos manifestantes, apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A Defensoria Pública da União (DPU), órgão de assistência jurídica gratuita chefiada por Ribeiro, defendeu 66 delas.

Já foi formada maioria para que 50 pessoas, que estavam acampadas em frente ao Quartel General do Exército no dia seguinte, respondam por associação criminosa e incitação das Forças Armadas contra os poderes constitucionais. Outras 50 deverão responder por crimes mais graves, como golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e depredação do patrimônio público – no caso delas, as penas podem passar dos 20 anos de prisão. Na defesa delas, a DPU alegou principalmente que as denúncias foram genéricas, sem individualizar a conduta de cada uma, uma exigência do Código de Processo Penal.

As denúncias, de fato, contêm um texto padrão para cada grupo de manifestantes – nas peças, só muda o nome e endereço de cada um. O voto do relator, Alexandre de Moraes, também é praticamente igual para todos, a favor de que se tornem réus.

Ribeiro agora quer que, durante o processo criminal, onde testemunhas podem ser ouvidas e novas provas podem ser juntadas, haja maior individualização das condutas, e que se demonstre que “há situações e situações”. “Claro que há pessoas que foram filmadas quebrando coisas, estragando o patrimônio. Mas teve gente que foi à Praça dos Três Poderes, meio que por curiosidade, para ver e conhecer, gente que nunca tinha vindo a Brasília”.

Nessa entrevista, ele também diz que a CPMI a ser instalada no Congresso sobre o 8 de janeiro pode trazer novas revelações, embora reconheça que, como outras recentes, poderá servir muito para a disputa política entre parlamentares de governo e oposição.

Leia a entrevista completa

A revelação dessas imagens deveria levar a uma ampliação da investigação, para incluir autoridades federais ou militares?

Gustavo de Almeida Ribeiro: As coisas são ainda provisórias. Acabamos de ver essa coisa. Agora, claro que as investigações têm que se aprofundar sobre o que aconteceu, o que foi mostrado. Não sei se altera a situação das pessoas que defendo. Sinceramente, não tenho essa expectativa. De todo modo, é preciso saber com mais detalhes. Ainda que eu ache difícil que altere [a situação dos manifestantes], é preciso saber o que aconteceu, até para ver como as coisas se desenvolveram no dia.

O general Gonçalves Dias deve ser incluído no inquérito que apura a omissão das autoridades?

Gustavo de Almeida Ribeiro: Ah, não sei. Isso é uma coisa que não tenho como dizer. Porque é preciso apurar mais a situação. Não posso dizer nem que sim, nem que não. O que sei é o que qualquer pessoa viu na televisão, não tenho nada além disso para dizer.

Os defensores participaram dos depoimentos dos envolvidos na audiência de custódia. Os manifestantes falaram que havia gente do GSI dentro auxiliando?

Gustavo de Almeida Ribeiro: Não, ninguém. As pessoas que a Defensoria atendeu, a maioria delas sequer saberiam indicar o que é o GSI. Não indicaram GSI ou qualquer nome. Falaram que muitas pessoas da área de segurança falavam para elas assim: ‘olha, se proteja ali naquela rampa, para não pisarem em você’, [quando] às vezes era uma senhora idosa.

Mas indicar, falar que foi a PM, o GSI ou o Exército, não. Isso, via de regra, não fizeram. A maioria das pessoas é bastante simples e não saberia dizer isso. Só falaram que foram orientadas a ficar em determinado lugar para não serem pisoteadas, ou feridas no corre-corre e no empurra-empurra, isso sim, mas sem indicar quem falou isso.

A informação que vários nos deram é que entraram num dos prédios, numa salinha dentro, por exemplo, para se proteger, não para estragar nada, especialmente idosos ou mulheres. E foram orientados por pessoas que estavam ali, mas sem saber por quem.

Já existe maioria no Supremo para abrir processos criminais contra 50 acampados e 50 invasores. O sr. acha que, no curso da ação penal, eles podem revelar mais detalhes, inclusive sobre eventual conivência de gente do governo federal, do GSI, sobretudo agora com a revelação dessas imagens?

Gustavo de Almeida Ribeiro: Outros acusados, as outras autoridades, não sei. Porque não tive contato com nenhum deles. Mas a maioria das pessoas que a Defensoria atendeu não tem essa informação, são pessoas simples, do interior. Vieram, às vezes, porque ganharam uma passagem grátis, ou porque o grupo da igreja veio. As pessoas atendidas pela Defensoria não têm essa informação. Agora, no correr do processo, na oitiva das pessoas, podem se revelar novas informações, mas daquelas da Defensoria, não.

O sr. diz que a maioria das pessoas presas na Praça dos Três Poderes era simples. Considera que as acusações contra elas, por tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático de Direito, que podem levar a mais de 20 anos de prisão, são muito pesadas? Os ministros deveriam ponderar melhor isso no julgamento final?

Gustavo de Almeida Ribeiro: Isso é o que espero, porque há situações e situações. Claro que há pessoas que foram filmadas quebrando coisas, estragando o patrimônio. Mas teve gente que foi à Praça dos Três Poderes, meio que por curiosidade, para ver e conhecer, gente que nunca tinha vindo a Brasília.

Claro, eu acho que as denúncias vão ser recebidas, não só as que já foram, mas também as próximas. E elas são realmente muito parecidas, os dois grupos de denúncias, contra as pessoas que ficaram no QG do Exército e as outras que foram à Praça dos Três Poderes.

Essas pessoas que foram fazem parte de um grupo e são muito próximas. Mas há situações distintas. Eu espero que haja um mínimo de individualização.

Porque teve gente que realmente foi à Praça dos Três Poderes e disse: ‘olha, já cheguei e quando fiquei sabendo, já estava tudo quebrado’. E foram na curiosidade, ou com grupos e absolutamente não praticaram nenhum ato. Então, espero que seja feita sim essa individualização. Não sei como vai se dar na prática, mas seria importante. Porque têm pessoas em situações distintas.

A maioria dos ministros acolheu a tese da Procuradoria-Geral da República que em crimes multitudinários, cometidos por uma multidão, não é preciso individualizar cada conduta, pelo menos nessa fase de recebimento da denúncia. O sr. acha que no processo isso se tornará necessário para uma eventual condenação, no julgamento final?

Gustavo de Almeida Ribeiro: Penso que sim, e torço, como defensor, que haja essa separação. Ainda que a pessoa tenha ido ali para ver o que aconteceu, e ouvi pessoas dizendo isso, que chegaram em Brasília até depois dos atos, no final do dia, e foram lá por curiosidade, espero que tenha tratamento diferenciado. Ainda que condenada, que tenha o reconhecimento dessa situação diferente. Vamos torcer para isso, porque não é coisa fácil de se provar. Ainda que multitudinário o crime, e que na fase da denúncia é difícil separar, espero que na instrução isso seja possível. Porque há situações muito distintas, realmente.

Muitas pessoas presas na Praça dos Três Poderes falam que havia infiltrados, que foram ao ato propositalmente para vandalizar e colocar a culpa nos manifestantes pacíficos, criminalizando a manifestação. Agora, parlamentares de direita querem que a CPMI investigue isso mais a fundo. O sr. acha que isso aconteceu de verdade?

Gustavo de Almeida Ribeiro: Entre as pessoas que nós atendemos, não creio que havia infiltrados. Mas se, eventualmente, alguém fez isso e foi embora, não sei dizer.

Durante a instrução do processo, as redes sociais dessas pessoas poderão ser analisadas melhor para saber com qual intenção foram ao ato? Os perfis podem auxiliar na individualização das condutas.

Gustavo de Almeida Ribeiro: Acho que vai acabar acontecendo. Vai ser usado, até porque teve gente que se filmou nos prédios públicos e vai ser utilizado. Talvez até a localização de telefone.

O governo já aceitou a abertura da CPMI. O sr. acha que ela vai trazer resultados concretos para as investigações ou vai se transformar num palco para guerra política, como tem ocorrido muito nas últimas CPIs?

Gustavo de Almeida Ribeiro: CPI tem sempre isso, esse aspecto de discussão política. Agora, é claro é possível que existam documentos, vídeos revelados que a gente ainda não tem conhecimento. Certeza não temos, mas claro que tem que ficar atento, porque pode aparecer alguém com vídeo que não se conhece, com gravação que não se conhece e isso interfere. Isso já aconteceu em várias outras CPIs, que revelou uma coisa que não se esperava, às vezes até por questão de briga entre políticos, alguém pode falar algo a mais do que se esperava. E surgindo informações que possam interessar à defesa, estaremos atentos.

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