Em março do ano passado, uma marcha reuniu cerca de 400 pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Eles foram em direção ao Congresso Nacional, onde promoveram um ato em defesa da aprovação da lei que permitiria a criação de novos municípios. Estavam retomando um debate antigo, que atravessou sem solução os governos do PT e de Michel Temer (MDB), e que se apresenta agora ao mandato de Jair Bolsonaro (PSL).
O projeto de lei sobre o tema que tramita atualmente na Câmara é o PLP 137/2015, elaborado em 2015. A proposta já passou pelas comissões necessárias para a sua análise e pode ser apreciada pelo plenário da Casa a qualquer momento.
O entendimento, tanto de defensores quanto de críticos da proposta, é o de que não há ambiente para que o assunto volte à agenda nos dias atuais - a reforma da previdência domina o debate econômico e outros temas também obtêm mais relevância dentro do cenário político. Mas a expectativa dos apoiadores da criação de novos municípios é pautar a questão assim que a reforma da previdência for finalizada.
O fato de o governo Bolsonaro ainda não ter se pronunciado a fundo sobre o tema é algo que dá certa esperança aos emancipalistas. Até o momento, o presidente da República e sua equipe deram sinais distintos em relação ao tema. E exemplos de anos anteriores deixaram claro que essa é uma batalha a ser travada mais dentro do Executivo do que no âmbito do Congresso Nacional.
O que é a proposta
O PLP 137/2015 define, em síntese, que a criação, o desmembramento, a fusão e a incorporação de municípios volte a ser um processo de decisão dos estados. O processo ficou sob a alçada exclusiva dos governos estaduais entre 1988, quando a Constituição atual foi promulgada, e 1996, ano em que uma emenda foi baixada para coibir o que se entendia como uma "farra" no estabelecimento de novas cidades.
Mas pelo projeto que está em discussão, os estados terão que atender a critérios técnicos para criarem os novos municípios. Um deles é o populacional: as cidades, tanto a nova quanto a originária, terão que ter um mínimo de 6 mil habitantes nas regiões Norte e Centro Oeste, 12 mil na região Nordeste e 20 mil nas regiões Sul e Sudeste. Também serão necessários um plebiscito para verificar a aprovação popular - igualmente, nas duas localidades - e um estudo técnico que indique a viabilidade do novo município. Além disso, o processo terá que ser iniciado com um pedido encaminhado à Assembleia Legislativa local trazendo assinaturas, de no mínimo, 20% da população do local que busca a emancipação.
A principal objeção à proposta diz respeito ao aumento de custos que a medida poderia acarretar. Como cada novo município teria que contar com um também novo corpo funcional - aí incluídos prefeito, vice, Câmara de Vereadores e secretários municipais - o entendimento é que poderia haver um inchaço da máquina pública. Além disso, os críticos à iniciativa lembram que muitas cidades brasileiras não têm capacidade financeira e dependem de recursos federais e estaduais, e as novas representariam mais entes na busca por verbas.
Defensora da legislação, a deputada federal Flávia Morais (PDT-GO) contesta o argumento. Segundo a parlamentar, a criação de municípios não representará mais custos aos cofres públicos porque não criará novos pontos de despesa, mas sim outros agentes que dividirão as mesmas verbas já colocadas.
"O projeto não vai aumentar o valor que é destinado para os municípios, na verdade se vai dividir o bolo. O município que vai ser criado vem de outro município, e a receita daquele município vem do anterior, então vai ter um compartilhamento."
A deputada foi, na legislatura passada, coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Apoio à Concretização da Revisão Territorial, que tinha na emancipação de cidades uma de suas bandeiras. O grupo deve ser recriado nos próximos meses, de acordo com a pedetista.
Bate e volta
Projetos semelhantes ao PLP 137/2015 já estiveram, em um passado recente, próximos de entrar em vigor em um passado recente. O Congresso Nacional aprovou, em 2013 e 2014, normas para a criação de novos municípios. Nas duas ocasiões, as votações em Câmara e Senado não foram das mais árduas. Apesar disso, ambas as propostas foram vetadas pela então presidente Dilma Rousseff.
Nos dois casos, a petista alegou questões financeiras para vetar a proposta. "A medida permitirá a expansão expressiva do número de municípios no País, resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura administrativa e representativa. Além disso, esse crescimento de despesas não será acompanhado por receitas equivalentes", diz um trecho do veto apresentado pela ex-presidente em 2013. Em 2014 a justificativa foi similar: "a proposta não afasta o problema da responsabilidade fiscal na federação. Depreende-se que haverá aumento de despesas com as novas estruturas municipais sem que haja a correspondente geração de novas receitas".
O veto de 2014 foi tido como surpreendente porque, justamente pelo fato de a proposta de 2013 ter sido anulada, houve um entendimento à época de que o segundo projeto "corrigiria os erros" do texto anterior. Mesmo integrantes do partido de Dilma e de outras siglas da base aliada diziam que a expectativa era de aprovação.
O Congresso, entretanto, não derrubou os vetos, e a situação não foi solucionada. No governo de Michel Temer não chegou a ocorrer a conclusão da análise do projeto pelo Congresso Nacional - o maior avanço foi a chegada até o estágio atual, em que o PLP 137/2015 está pronto para votação.
E agora?
O tema da emancipação de municípios não figurou entre os discursos do então candidato Jair Bolsonaro no período eleitoral e, neste primeiro semestre de gestão, tampouco aparece nas falas do presidente e de sua equipe. Os principais esforços estão direcionados para a reforma da Previdência. Mas manifestações sobre questões próximas indicam sinalizações distintas, que dificultam um palpite de como reagiria o chefe do Executivo caso o parlamento aprovasse uma lei sobre o tema.
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é defensor da diminuição do tamanho do Estado. Ele é favorável a privatizações de empresas estatais e alega que a redução da influência do governo no dia a dia dos cidadãos seria algo positivo para os brasileiros. Por essa ótica, tenderia a ser contrário a uma proposta que ampliaria o número de prefeitos, secretários municipais e vereadores.
Por outro lado, Guedes tem falado com frequência sobre a necessidade de uma distribuição maior dos recursos da gestão pública brasileira. O ministro é favorável ao maior fortalecimento de governos estaduais e de prefeituras. Ele sugeriu ao Congresso a criação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para revisar o pacto federativo, diminuindo as amarras jurídicas e permitindo que estados e municípios utilizem os recursos públicos de acordo com suas necessidades locais. Além disso, a descentralização administrativa é mencionada no programa de governo de Jair Bolsonaro como uma meta para o país.
A deputada Flávia Morais define a articulação com o Executivo como a "prioridade" para a área nos próximos meses. "Como tivemos as propostas elaboradas com certa tranquilidade no Congresso, percebemos que o tema já foi bem discutido, já há um entendimento entre os deputados federais e senadores. O que se precisa fazer é conversar com o governo federal", disse. O desafio, para a parlamentar, é apresentar o argumento do "dividir o mesmo bolo", e não do aumento de despesas. A pedetista ressalta, porém, que ainda não "fez a aferição" de como o tema é visto pelos novos deputados federais - a Câmara passou por uma renovação de 47,3% nas últimas eleições, processo que foi marcado principalmente pela ascensão do PSL, o partido de Bolsonaro.
Histórico de multiplicações
O período entre a Constituição de 1988 e a emenda de 1996 viu o Brasil passar de 4.263 para 5.506 municípios. Como bastava apenas uma decisão do governo estadual, foram criadas uma série de cidades de pequeno porte, o que despertou críticas pela proliferação de municípios que não têm uma justificativa real para a sua existência.
De 1996 até os dias atuais, a fundação de novas cidades passou a ser um processo mais árduo e rigoroso. Tanto que foram menos de 100 municípios a serem criados nos últimos 23 anos - hoje, o Brasil tem 5.570 municípios.
Os obstáculos para a criação de novos entes federativos existem também em relação a estados. Em 2011, o Pará teve um plebiscito sobre a possível divisão do estado em três partes - Tapajós, Carajás e o Pará "original", que ficaria com a capital Belém. A votação acabou sendo pela manutenção da unidade do estado, o que contrariou os emancipalistas.