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O coronavírus vai afetar em cheio as contas públicas do governo federal em 2020. As medidas de mitigação dos efeitos da crise na atividade econômica implicam aumento do gasto público e, associadas à queda da arrecadação, terão efeito devastador sobre o resultado primário do governo central em 2020, que deverá ter o maior déficit de todo período democrático. O rombo das contas públicas deve, ao menos, quadruplicar. Isso se não ficar ainda pior.
Estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, aponta que o buraco deve subir de R$ 124,1 bilhões, conforme a projeção original do Orçamento 2020, para R$ 514,6 bilhões. Esse valor equivale a 7% do PIB, ou seja, de toda riqueza produzida no país.
A IFI ainda estimou que o impacto fiscal das medidas de mitigação da crise será de R$ 282,2 bilhões no âmbito federal, dos quais R$ 69,7 bilhões em redução de receitas e R$ 212,5 bilhões em aumento de gastos. As informações constam do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) 39, publicado em 13 de abril.
O Brasil começou a enfrentar déficits primários em 2014, quando fechou o ano com rombo de R$ 23,5 bilhões. Depois, entre 2015 e 2018, o rombo ficou na casa dos R$ 100 bilhões, atingindo o seu pico em 2016, quando o país registrou déficit primário de R$ 161,3 bilhões. Em 2018, o déficit foi de R$ 120,3 bilhões. No ano passado, o governo federal fechou 2019 com um rombo de R$ 95,1 bilhões, o equivalente a 1,3% do PIB.
Para 2020, a previsão original do governo era de que o rombo ficaria em R$ 124,1 bilhões. Mas a estimativa foi reajustada e já chega a R$ 467,1 bilhões em decorrência dos efeitos do coronavírus – um rombo menor, no entanto, que o projetado pela IFI.
Apesar do quadro ruim, os economistas da IFI fazem uma ressalva sobre as estimativas. “Nunca foi tão desafiador realizar projeções, diante do grau de incerteza do quadro atual. A principal incógnita é o tempo de isolamento social que será requerido para conter a propagação do vírus”, ponderam.
Como o déficit primário vai quadruplicar
O déficit primário do governo central vai se formar pelo forte descompasso entre gasto e arrecadação. E a IFI projetou como esse movimento vai acontecer, olhando para as duas pontas. A estimativa apontou um impacto fiscal de R$ 282,2 bilhões, o que equivale a 3,9% do PIB. E esse número pode aumentar, a depender do que for aprovado no Congresso, como o pacote de socorro aos estados e municípios.
Para auxílio a trabalhadores informais, por exemplo, a IFI projeta um gasto de R$ 80 bilhões no ano. O governo, entretanto, espera despesa ainda maior: R$ 98 bilhões, mais um extra de R$ 10 bilhões com a ampliação aprovada pela Câmara.
Impacto fiscal das medidas de enfrentamento ao coronavírus (Em R$ bilhões)
Esse montante de R$ 282,2 bilhões ajuda a explicar parte, mas não a totalidade do déficit estimado. A nova projeção, de R$ 514,6 bilhões traz uma diferença de R$ 390,5 bilhões ante aos R$ 124,1 bilhões, que a instituição projetava ainda em novembro do ano passado, antes da crise do coronavírus.
Além desses gastos extraordinários, que gerarão impacto fiscal, a IFI também estimou uma queda de R$ 151,3 bilhões na arrecadação em relação a 2019. E dentro desse quesito, pelo menos R$ 81,6 bilhões deixarão de ser arrecadados em decorrência da queda da atividade econômica sobre a receita tributária – e aqui também estão incluídos efeitos sobre a receita não corrente, como royalties e dividendos de estatais.
Um salto na dívida pública
A conta do rombo tem um componente importante, que é o aumento da dívida pública. "O elevado déficit público de 2020 terá que ser financiado, é claro. Tudo o mais constante, o meio natural de financiamento é a elevação da dívida mobiliária do Tesouro Nacional e, em menor parte, das operações compromissadas, a depender da capacidade do mercado de absorver títulos no montante e rapidez requeridos", aponta. Neste caso, a IFI lembra que ainda é preciso considerar como será a atuação do Banco Central no mercado de câmbio e no manejo das reservas internacionais.
A IFI projeta que a dívida bruta do governo federal poderá atingir 84,9% do PIB, em 2020. Sem a venda de reservas, o percentual subiria para 87,9% do PIB. Em qualquer caso, um salto em relação à dívida atual, que é de 76,5% do PIB, segundo o dado mais recente, de fevereiro.
A tendência é de que a dívida pública siga em um movimento de alta. Por isso, é importante que a partir de 2021, sejam tomadas medidas que revertam a política expansionista de gastos adotada agora, para poder brecar a evolução da dívida pública bruta.
A adoção dessa agenda de contenção dos gastos obrigatórios já a partir do ano que vem pode ajudar a evitar que haja uma piora acumulada no déficit primário.
Gasto público com planejamento
O RAF pondera que, sim, o país precisa tomar medidas para mitigar os efeitos da crise da pandemia do novo coronavírus. “Os principais objetivos a serem perseguidos são reduzir ao mínimo o número de vítimas, garantir o sustento dos trabalhadores e familiares mais afetados e preservar as empresas e a solidez do sistema financeiro para viabilizar a rápida recuperação, após a volta da normalidade”, apontam os economistas.
Aumentar o gasto público tendo isso em foco justificaria o impacto fiscal das medidas, que afetarão não só as contas do governo em 2020, mas poderão influenciar permanentemente a trajetória também do PIB e da dívida pública até 2030. “A ação do Estado brasileiro é necessária e deve ser feita de maneira eficiente, sem perder de vista a responsabilidade fiscal de médio e longo prazo. Os impactos sobre a economia serão significativos e poderão afetar permanentemente a trajetória do PIB e da dívida pública até 2030”, avalia o documento.
Até mesmo por esse impacto de longo prazo, o relatório afirma que é preciso direcionar o gasto público exclusivamente para medidas de enfrentamento da crise, não se aproveitando do estado de calamidade pública para ações que perdurem mais tempo do que o período de exceção. “Além de condenável, a prática dificultará a superação dos novos desafios que aguardam o país, após a vitória contra o vírus”, adverte o relatório.
Projeções do rombo não são consenso no governo
A projeção da IFI para o déficit primário é mais dura que a realizada pela equipe do Ministério da Economia. No começo de abril, a equipe de Paulo Guedes estimou que as medidas anunciadas, até então, pelo governo federal teriam um impacto de R$ 224,6 bilhões nas contas públicas. Já o déficit primário deveria fechar o ano em R$ R$ 419,2 bilhões, o equivalente a 5,5% do PIB. Na quarta-feira (15), esses números já foram revistos: a previsão de rombo para as contas públicas neste ano foi para R$ 467,1 bilhões, o equivalente a 6,18% do PIB. Essas informações foram divulgadas pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.
Mas o número pode ser ainda pior. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, mencionou em transmissão promovida pelo portal Jota, na terça-feira (14), que o déficit primário pode se aproximar de R$ 600 bilhões este ano, próximo de 8% do PIB.
No evento, Mansueto disse ainda contar com a “boa vontade” do Legislativo e do Judiciário para que o déficit de 2020 não cresça tanto – pautas como o socorro aos estados e municípios, que já foi aprovado pela Câmara, estão causando divergências entre os Poderes. “Não vou me preocupar enquanto projeção de déficit ficar em torno de 8% do PIB”, declarou.