Ouça este conteúdo
O cenário de deflação e crise imobiliária na China tem acendido um sinal de alerta em vários setores da economia brasileira. Analistas ligados ao agronegócio, um dos possíveis impactados, já estão atentos às movimentações e aos impactos negativos que a redução da atividade econômica no país asiático deve promover no Brasil. A esfera política, no entanto, ainda não despertou para a gravidade do problema. Tanto no Executivo quanto no Legislativo, a deflação na China parece ainda não fazer parte das conversas e das negociações.
Dados oficiais divulgados no começo de agosto mostraram que as exportações da China caíram 14,5% em julho em comparação com o ano anterior, enquanto as importações caíram 12,4%, o maior declínio desde janeiro de 2020. “Apesar da deflação chinesa auxiliar no controle da inflação mundial, a redução da atividade econômica do país impacta negativamente na economia mundial, já que o país é o segundo maior importador do mundo. No caso do Brasil, o impacto é ainda maior, pois a China é o principal parceiro comercial do país desde 2009”, avalia a professora da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos e doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (UFRRJ), Angélica Massuquetti.
O resultado disso é de que a perspectiva de crescimento econômico da China é de 5,2% em 2023, e cairá para 4,5% em 2024, os menores percentuais das últimas décadas. Ou seja, a desaceleração do país asiático é um sinal de alerta para os seus principais parceiros comerciais, notadamente para o Brasil, que tem na China o seu principal mercado consumidor.
Como mencionado, a China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009. Em 2022, do total exportado pelo agronegócio brasileiro para o mundo, 32% foram direcionados para o mercado chinês. No ano anterior, a participação chinesa tinha sido de 34%. Até junho deste ano, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a China representou 37% do total comercializado pelo agronegócio do Brasil com o resto do mundo.
Executivo e Legislativo ainda não tratam a deflação na China como prioridade
O foco nas pautas econômicas internas, como a recente aprovação da reforma tributária e do arcabouço fiscal, podem ser os responsáveis pela falta de atenção aos desdobramentos da deflação na China. Analistas apontam que o tema não tem sido tratado pelos políticos brasileiros. "Provavelmente, a área mais técnica do governo, por exemplo, a Secretaria de Política Econômica (na Fazenda) ou a Secretaria de Política Agrícola (no Ministério da Agricultura), deve estar acompanhando esses desdobramentos", afirma o economista e pesquisador da FGV Agro, Felippe Serigati. "A área mais política acredito que tenha o foco em outros assuntos", completou.
A Frente Parlamentar de Agropecuária (FPA) já vem se reunindo com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Na reunião desta semana, a bancada do agronegócio debateu a relação comercial entre os países do bloco do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e os da União Europeia.
A deflação chinesa não foi tema da reunião, mas deveria ter sido, segundo analistas. “A China é um importante parceiro comercial do Brasil e qualquer sinal de deflação pode ter impactos na economia brasileira. Estamos analisando e estudando as projeções para entender cenários”, afirmou o vice-presidente da FPA, senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
Ou seja, necessariamente o Brasil vai precisar diversificar mais suas exportações, caso a crise chinesa se consolide. Nesse cenário, a implementação do tratado de livre comércio do Mercosul com a União Europeia poderia ser providencial. Isso porque pode dar acesso às commodities brasileiras a um mercado de 800 milhões de pessoas e gerar uma elevação do PIB de cerca de R$ 600 bilhões.
Política de abertura de novos mercados precisa receber atenção
Durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Agricultura promoveu a abertura de novos mercados para o agronegócio brasileiro. Capitaneado pela então ministra Tereza Cristina, o Brasil conquistou a abertura de pelo menos 230 novos mercados para produtos agropecuários. Nos primeiros 8 meses de 2023, já sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil abriu 37 novos mercados para exportação.
Para Serigati, o esforço foi importante, mas não surtiu tanto efeito nos números da exportação brasileira. “O esforço realizado na gestão passada, de tentar ampliar o leque de compradores, foi fundamental. Ele gerou resultados, pois aumentou a nossa participação, especialmente dentro do mercado do Oriente Médio. Foi uma boa notícia, pois conseguimos ampliar os nossos destinos, mas a gente não observa isso muito nos números. O motivo para isso é que o peso da China é monumental”, disse o economista e professor da FGV Agro.
Ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil de 2007 a 2011, o consultor Welber Barral avalia que a dependência da China é potencialmente arriscada. “Essa dependência da China não é cômoda para o Brasil, que tem que buscar diversificar suas exportações. Então, o Brasil já lançou novos projetos para exportar para outros mercados asiáticos, a Ásia, como um todo, tem crescido muito sua renda e tem importado mais do Brasil”, disse Barral.
Apesar das perspectivas, o senador Esperidião Amin (PP-SC) foi um dos parlamentares que se mostrou tranquilo apesar do risco iminente. “Eu creio que o Brasil não tenha limite para isso [exportação de produtos agropecuários]. Novos mercados vão sempre precisar e procurar produtos bons que o nosso agronegócio sabe produzir. Portanto, desde que nos preocupemos com a sanidade dos rebanhos e em diminuir a dependência de fertilizantes, se nós não atrapalharmos, o agronegócio vai continuar sendo um sucesso”, opinou o senador catarinense.
Governo chinês não anunciou medidas que possam reverter deflação
Diferente de outros momentos de desaceleração da economia, o governo da China não tem lançado medidas para modificar o cenário dessa vez. Além de uma pequena redução na taxa de juros, não há perspectivas para o anúncio de medidas que possam influenciar o consumo ou estimular a retomada do crescimento do país.
“Toda vez que a economia chinesa tem alguma desaceleração, o governo chinês lança mão de alguma medida para tentar reativar, para dar um combustível adicional na sua economia, mas agora, em 2023, ele não lançou mão disso até agora. Não há nada que tenha efeito agora, no curto prazo”, destacou Serigati.
A redução do consumo durante a pandemia e a insegurança em relação ao futuro econômico do país, levando ao aumento da poupança e à redução do consumo, fazem com que os preços continuem diminuindo. “Além disso, o país ainda sofre com a desaceleração do mercado imobiliário e não tem conseguido ampliar as esperanças dos jovens para ingresso no mercado de trabalho”, salientou Angélica Massuquetti, professora da Unisinos.
Brasil tem pauta de exportação e mercados concentrados
Outro ponto observado pelos analistas é que a pauta de exportação, assim como os mercados brasileiros no exterior, é concentrada. “A China é um comprador gigantesco. A gente não vai deixar de vender pra eles, mas isso vai deixar os nossos destinos mais concentrados. Mas tem um detalhe adicional: a nossa pauta de exportação também é concentrada em termos de produtos. Temos soja, milho, açúcar, proteínas animais, papel, celulose, algodão, café e suco de laranja, basicamente”, pontuou Serigati.
A avaliação dos impactos na cadeia produtiva do agronegócio já começou e deve se intensificar para estimar e buscar soluções para os efeitos da desaceleração chinesa. “Dentre os setores que serão mais impactados pela queda do ritmo de crescimento da economia chinesa e, consequentemente, pela redução da importação de commodities agropecuárias brasileiras, estão os setores da soja, das carnes e dos produtos florestais”, avaliou Angélica Massuquetti.
Em 2023, a participação desses setores na pauta exportadora brasileira para a China foi de 74,5%, 13,3% e 6,8%, respectivamente. No Brasil, do total comercializado com o exterior, 47,5% (2022) pertencem ao agronegócio.
Portanto, a retomada do crescimento da economia chinesa é crucial para a continuidade da expansão das exportações do agronegócio brasileiro. Mas ela pode não acontecer se a China realmente se voltar para seu mercado interno, apostando numa economia de consumo, e aos poucos ir deixando de lado a estratégia econômica voltada para a exportação.