A Operação Lava Jato se notabilizou pelo uso inovador de instrumentos como a delação premiada e o acordo de leniência para desvendar esquemas de corrupção. Mas a recente declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por obra do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou em suspense esses acertos. Afinal, os acordos de delação e de leniência firmados no âmbito da Lava Jato em Curitiba podem ser invalidados após o posicionamento do STF?
Antes de tudo, duas explicações: a delação ou colaboração premiada ocorre quando um acusado colabora com a Justiça na investigação criminal em troca de benefícios na pena. Já a leniência é um acordo extrajudicial firmado entre a União e empresas que reconhecem a prática de crime e aceitam ressarcir o erário público pelo prejuízo causado pela conduta criminosa.
Apesar do impacto da decisão do Supremo que beneficiou Lula, por enquanto todos os acordos firmados pela operação Lava Jato continuam vigentes. “[Uma eventual anulação da] delação vai afetar diretamente só aquele que delata. O Lula não delatou nada, não é delator, então nada muda”, explica o juiz Antônio César Bochenek, doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
No caso específico do tríplex do Guarujá, o empresário Léo Pinheiro, então dono da construtora OAS e que foi condenado por corrupção na Lava Jato, foi o único que firmou um acordo de colaboração premiada. Os depoimentos dele corroboraram a tese de que Lula era o proprietário do tríplex no edifício Solaris, no Guarujá. Mas a delação de Pinheiro foi firmada apenas em dezembro de 2018 e homologada quase um ano depois pelo STF, portanto, quando Lula já havia sido condenado no processo e inclusive cumpria pena de prisão.
O juiz Bochenek explica que há possibilidade de anulação de delações apenas na hipótese de outros réus da Lava Jato, que tiverem sido delatores, conseguirem tornar a incompetência de Curitiba também válida para os seus casos. “Se o Supremo fizesse uma decisão hipotética dizendo que a 13ª Vara de Curitiba não é competente para nenhum processo da Lava Jato, aí sim afetaria as delações”, diz.
Ainda assim, não se trata de algo provável de acontecer. Mesmo que todos os processos fossem removidos de Curitiba, eles poderiam ser reaproveitados pelo novo juízo competente, o que revalidaria as delações. É o que pode acontecer no caso de Léo Pinheiro.
Anulação de acordo de leniência é menos provável que o de delação
Quanto à anulação dos acordos de leniência — que poderia implicar, por exemplo, a necessidade de devolução de dinheiro dos cofres públicos às empresas acusadas de ilicitudes que pagaram compensações a órgãos do governo —, trata-se de algo também possível, mas ainda menos provável que a invalidação de delações premiadas.
“A delação premiada é penal. Tudo aquilo que é penal se pode anular. O acordo de leniência é extrapenal”, explica Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional.
Mesmo assim, segundo ele, há uma possibilidade de a leniência ser anulada. “Seria preciso analisar se os fatos utilizados no acordo de leniência guardam vínculo com o penal ou não. Se não guardam, o acordo permanece válido. Se tudo for anulado, aí há a necessidade de devolução do dinheiro”, diz.
Bochenek explica que os acordos de leniência não são homologados pelo juiz criminal e, por isso, não costumam integrar o processo penal, o que torna muito remota a possibilidade de sua anulação. “São feitos por empresas junto à CGU [Controladoria-Geral da União], TCU [Tribunal de Contas da União], à AGU [Advocacia-Geral da União], ao Ministério Público… Anular acordos de leniência é muito difícil, porque já foram celebrados. A leniência não é feita na esfera de um processo penal. É feita para salvar a empresa, que admite um erro, devolve o dinheiro e segue o jogo.”
Fachin não mencionou delações ou leniência na decisão que anulou processos de Lula
O reconhecimento da incompetência da 13ª Vara de Curitiba, a primeira instância da Lava Jato, para julgar processos que envolvem o ex-presidente Lula foi emitido pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, no dia 8 de março. Ele entendeu que o juízo de Curitiba não é o foro natural para julgar Lula porque não ficou comprovado que as investigações contra o ex-presidente têm relação com a corrupção na Petrobras, alvo da Lava Jato. Essa decisão foi ratificada pelo plenário do STF, por 8 a 3, na última quinta-feira (15).
Ao proferir sua decisão, Fachin não fez qualquer menção específica sobre a nulidade de acordos de delação ou leniência no caso Lula. O ministro do Supremo anulou todos os atos processuais relativos às ações do tríplex do Guarujá; do sítio de Atibaia; do terreno do Instituto Lula; e a que apura doações feitas ao Instituto Lula, tornando sem efeito a aceitação das denúncias feitas pelo Ministério Público Federal e as condenações impostas a Lula nos dois primeiros processos pelos juízes Sergio Moro e Gabriela Hardt. O petista já havia sido condenado em três instâncias no caso tríplex e em outras duas no caso do sítio.
"Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios", escreveu Fachin na decisão. O ministro, então, declarou a remessa dos autos dos processos para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Esse ponto, no entanto, pode ser revisto pelo plenário da Corte na próxima quinta-feira (22). O ministro Alexandre de Moraes sugeriu que os casos sejam encaminhados para a Justiça Federal de São Paulo, foro considerado mais apropriado pelo ministro por que os objetos da investigação (tríplex do Guarujá, sítio de Atibaia e terreno do Instituto Lula) se situam no estado de São Paulo.
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