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Manifestação de 2017, em Curitiba, empilhou notas de dinheiro cenográfico para mostrar quanto a Lava Jato havia conseguido reaver para os cofres públicos
Manifestação de 2017, em Curitiba, empilhou notas de dinheiro cenográfico para mostrar quanto a Lava Jato havia conseguido reaver para os cofres públicos: se delações forem anuladas, parte desse dinheiro pode voltar aos delatores.| Foto: Gazeta do Povo/Arquivo

Recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em processos da Lava Jato abriram brecha para a anulação de colaborações premiadas e de seus efeitos (inclusive a devolução de dinheiro desviado aos cofres públicos). Isso porque delatores que aceitaram a condenação em processos da Lava Jato em Curitiba, em troca de redução de penas, podem tentar a anulação de suas sentenças em instâncias superiores com base nas mesmas decisões do Supremo que beneficiaram o ex-presidente, embora o caminho não seja simples.

Isso pode ocorrer por causa da anulação de sentenças contra Lula pelo STF em processos da Lava Jato e da posterior declaração, pelo Supremo, da suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro nos processos envolvendo o petista.

Um dos delatores que pode ser beneficiado é o empresário Emílio Odebrecht, da empreiteira Odebrecht. Ele firmou um acordo de colaboração premiada na ação do Sítio de Atibaia; e foi condenado a dois anos de prisão em regime semiaberto e a mais dois anos em regime aberto.

Depois que os processos de Lula foram anulados pelo STF e Moro foi declarado parcial para conduzir essas ações e para julgar o ex-presidente, esses casos foram redistribuídos a outras instâncias judiciais. O processo do sítio de Atibaia ficou sob a responsabilidade da juíza Pollyana Alves, da primeira instância da Justiça Federal de Brasília. Em agosto, ela rejeitou a denúncia contra Lula e todos os acusados no processo.

Os advogados de Emílio Odebrecht, que é um dos acusados na ação, disseram entender que, se essa decisão for confirmada na segunda instância judicial, ele estará dispensado de cumprir a pena privativa de liberdade – mesmo tendo confessado, em seu acordo de delação premiada, ter gasto R$ 700 mil de caixa dois na reforma do sítio utilizado por Lula.

Acordos de colaboração premiada podem ser anulados

De acordo com especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, outros réus que colaboraram com o Ministério Público no âmbito da Lava Jato, mesmo que não tenham relação com os processos de Lula, também podem tentar se beneficiar das decisões da Suprema Corte, desde que os acordos tenham sido homologados pelo ex-juiz Sérgio Moro.

Eles podem buscar a nulidade dos acordos, apostando em decisões favoráveis em instâncias superiores. É possível também que peçam para reaver valores pagos em multa como parte dos acordos.

Contudo, ainda não houve um caso de anulação de colaboração premiada no âmbito da Lava Jato.

Juristas e promotores dizem que há caminhos legais para que as delações sejam invalidadas a pedido do réu colaborador. Nesse caso, a defesa dele teria que apresentar elementos que comprovassem qualquer vício de legalidade na formulação do acordo.

O advogado criminalista Acacio Miranda da Silva Filho, considera que, por terem sido homologados pelo juiz Sergio Moro, os acordos de colaboração premiada podem perder o efeito por causa da suspeição dele.

“O mesmo juiz que foi considerado suspeito em relação aos casos do Lula foi responsável por essas delações todas. Ele era suspeito quando da realização das delações. A causa que levou à nulidade do processo do Lula também pode ser considerada para todas essas delações”, afirma Silva Filho, citando a teoria dos "frutos da árvore envenenada" – segundo a qual todos os atos de um juiz suspeito podem ser "contaminados" por essas suspeição.

Porém, na opinião do promotor de Justiça Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis, há dificuldades legais para anular delações usando o argumento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro. “A defesa, por exemplo, teria que apresentar provas de que o juiz participou da formulação das cláusulas – quando sua função é a de homologar o acordo – ou que ele piorou as condições para o colaborador”, diz Wanis.

O promotor de justiça também acredita que isso não seria vantajoso para o réu que conseguiu uma redução da pena ao assinar a delação. Mesmo que o acordo venha a ser anulado, isso não impede que as informações obtidas possam levar à obtenção de provas que venham a incriminá-lo posteriormente.

Vera Chemin, advogada especialista em Direito Constitucional, reforça que cada caso precisa ser analisado separadamente. "Não é porque o Moro foi declarado parcial no caso do Lula que o mesmo [a anulação dos processos] ocorrerá em relação aos demais réus [da Lava Jato]". E, segundo ela, mesmo que o processo venha a ser anulado, nada impede de que o Ministério Público apresente nova denúncia, ou que o processo inicie novamente.

O procurador de Justiça de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, faz a ressalva de que “não existem consequências automáticas a partir das decisões” envolvendo os processos do ex-presidente Lula anulados pelo STF. “Esse tipo de análise de parcialidade [do juiz Sergio Moro] é individual. Outros réus, no mesmo processo ou em processos derivados, precisam demonstrar que na situação deles, individualmente, ocorreu uma nulidade”, diz Livianu.

Delatores podem reaver o dinheiro que devolveram aos cofres públicos

Os especialistas em Direito também afirmam que, no caso de uma colaboração premiada ser considerada nula, o réu colaborador, além de pedir a anulação da pena, pode solicitar a devolução de todo o dinheiro que pagou como parte do acordo. Vários delatores admitiram ter desviado recursos públicos e aceitaram devolver valores aos cofres públicos. Segundo levantamento da Lava Jato, a operação conseguiu reaver R$ 5,5 bilhões por meio de delações e acordos de leniência (a delação de empresas).

"Se o acordo for nulificado, se [o colaborador] provar que foi coagido [a assinar a colaboração premiada], o efeito é que voltem ao status quo. Os valores podem ser restituídos para o colaborador”, disse Mazieiro.

O promotor de Santa Catarina Afonso Ghizzo Neto também entende que os delatores podem pedir o dinheiro se a colaboração for declarada nula e se for provado que “relações escusas” ocorreram na formulação desses acordos. “Se isso ocorrer, o que eu acho difícil, haverá um grande descrédito popular na Justiça”, diz Ghizzo Neto.

Mas a advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas, diz entender que valores que comprovadamente foram obtidos por meio do cometimento de ato ilícito não retornam para o réu.

E os delatores que voltam atrás?

Outra situação que ocorreu recentemente foi um delator da Lava Jato que voltou atrás em acusações contra Lula. O ex-presidente da construtora OAS Léo Pinheiro mudou sua versão, apresentada em seu acordo de delação premiada, em um processo sobre suposto tráfico internacional de influência. Pinheiro agora afirmou que nunca autorizou ou teve conhecimento de pagamentos de propinas às autoridades envolvidas no caso e que não sabe informar se houve participação de Lula.

Essa mudança de Léo Pinheiro foi um dos argumentos usados pela juíza federal Maria Carolina Ayoub, da 9ª. Vara Federal de São Paulo, a arquivar a ação contra Lula.

De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, o colaborador que volta atrás em suas declarações precisa apresentar à Justiça argumentos que justifiquem a mudança. Se não forem suficientes, ele estará sujeito a penalizações.

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