Responsável pelos indiciamentos de Jair Bolsonaro (PL) nos inquéritos conduzidos por Alexandre de Moraes, o delegado da Polícia Federal (PF) Fábio Alvarez Shor transformou-se, nas últimas semanas, aos olhos de apoiadores do ex-presidente, um vilão tão temido ou odiado quanto o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Seu relatório mais recente acusou Bolsonaro de se apropriar de presentes que recebeu na Presidência.
Além do indiciamento contra o ex-presidente, um erro no montante estimado dos objetos que teriam sido desviados fez com que as críticas a Shor se intensificassem. A Polícia Federal afirmava, em um trecho do relatório amplamente noticiado, que a “atuação ilícita teve a finalidade de desviar bens, cujo valor mercadológico somam o montante de US$ 4.550.015,06 ou R$ 25.298.083,73”. Posteriormente, a PF corrigiu o dado e informou que o montante correto estimado era de US$ 1.227.725,12 ou R$ 6.826.151,66, como registrado em outros trechos do documento.
As críticas mais ácidas vieram do senador Marcos do Val (Podemos-ES), que chamou Shor de “capataz” de Moraes, por executar “ordens ilegais” do ministro, com ações “desumanas e inaceitáveis”.
As palavras foram rebatidas pela associação dos delegados da PF, que manifestou “apoio irrestrito e solidariedade” ao colega.
“A Associação não vai admitir que nenhum Delegado ou Delegada Federal seja covardemente atacado em decorrência da condução da investigação. Os elementos informativos e provas produzidas no inquérito policial devem ser discutidos pela via adequada, ou seja, a judicial, não sendo admitida em hipótese nenhuma a personalização das críticas em redes sociais com objetivo de ferir e expor moralmente o profissional responsável pela condução do inquérito policial. Essa grave conduta pode, inclusive, colocar em risco a vida do Delegado e de sua família”, afirmou, em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).
A entidade defendeu a autonomia investigativa dos delegados, lembrou que as conclusões de inquéritos são submetidos ao Ministério Público, que analisa as provas para denunciar ou não um investigado, e ao Judiciário, que além de deferir ou não as diligências propostas pela polícia na investigação, decide se aceita a denúncia e depois condena ou absolve um investigado.
Desde o início de 2022, é Shor quem preside boa parte dos inquéritos contra Bolsonaro, políticos e militantes da direita. Boa parte das ordens de Moraes partem de seus pedidos, sempre atendidos, mesmo quando o Ministério Público se opõe a algumas medidas.
Curiosamente, alguns anos atrás, Shor chegou a presidir inquéritos para investigar críticas a Bolsonaro. Ele também assumiu, em 2020, o comando da Operação Spoofing, que investigou os hackers que captaram ilegalmente milhares de mensagens de Telegram da Lava Jato.
Além disso, também em 2022, Shor foi alvo de outros 131 delegados aposentados, que apresentaram à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma representação, acusando ele e Moraes de abuso de autoridade. Na época, por iniciativa de Shor, Moraes deflagrou uma operação contra um grupo de empresários apoiadores de Bolsonaro que passaram a ser investigados por causa de uma conversa de WhatsApp sobre “golpe”, vazada na imprensa.
Após um ano de investigações, Moraes arquivou a investigação contra a maioria dos empresários, por não identificar movimentos do grupo para uma ruptura institucional. O pedido para investigar Shor na PGR também não deu em nada.
Shor assumiu inquéritos contra Bolsonaro em 2022
Fábio Shor é delegado da Polícia Federal desde 2019, mas já integrava a corporação antes, no cargo de agente. Como a grande maioria dos policiais federais, leva vida discreta: não tem redes sociais, não aparece em solenidades oficiais e só cria notícia em razão de suas manifestações nos inquéritos. Exceção ocorreu em 2012, quando, no cargo de agente, depôs como testemunha de acusação em processos contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Como integrante da Operação Monte Carlo, que investigou exploração de jogos ilegais, Shor relatou à Justiça como funcionava o esquema em cidades do entorno de Brasília. Detalhou que havia policiais militares cooptados que dificultaram a investigação da PF. Um colega de Shor que atuava em campo com ele foi assassinado, levantando suspeitas de retaliação.
Depois que se tornou delegado, Shor foi inicialmente enviado para o Maranhão, onde passou a chefiar, em maio de 2020, o Núcleo de Assuntos Internos, um departamento da corregedoria da PF no estado. Em agosto, passou a acumular o cargo de “substituto eventual do chefe” da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros. Em outubro de 2021, foi promovido para um cargo em Brasília, para chefe eventual do Serviço de Operações de Inteligência.
A nomeação foi assinada pelo então diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, que, por sua vez, havia assumido o comando da corporação em abril de 2021. Terceiro a ocupar o cargo no governo Bolsonaro, Maiurino ficou conhecido pela proximidade com o Judiciário em sua carreira. Antes de chegar à chefia da PF, Maiurino foi, entre 2020 e 2021, assessor especial de Segurança Institucional do então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins; e antes, de outubro de 2019 a setembro de 2020, ele foi o secretário de Segurança do STF, escolhido para o cargo pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli.
Nas investigações conduzidas por Alexandre de Moraes, no STF, Shor auxiliava desde 2020 a delegada Denisse Ribeiro, no inquérito das “milícias digitais” e no inquérito das fake news. No início de 2022, ele assumiu a frente das investigações quando ela saiu de licença-maternidade.
Delegado investigou críticos de Bolsonaro
Nesse período, enquanto investigava “ataques” da direita ao STF, Shor também chegou a presidir inquéritos contra críticos de Bolsonaro, em ao menos dois casos. Em 2020, por determinação do então ministro da Justiça, André Mendonça, a PF abriu investigação contra o advogado Marcelo Feller, pelo fato desse ter dito, num debate na TV, que Bolsonaro era genocida.
A investigação foi aberta com base na Lei de Segurança Nacional, já revogada, que previa pena de 1 a 4 anos de prisão para quem caluniasse ou difamasse o presidente.
Em dezembro daquele ano, Shor intimou Feller a depor, mas antes do interrogatório, o Superior Tribunal de Justiça suspendeu o ato e depois a Justiça Federal arquivou o inquérito, por entender que a fala era uma opinião política, não a imputação de um crime.
“As falas questionadas não são idôneas para atingir a figura do Chefe da Nação, de modo a atingir a segurança e a integridade do Estado brasileiro”, concluiu a juíza Pollyanna Alves.
Feller contou à reportagem que nem teve contato com Shor, uma vez que a investigação mal começou. “Ele não fez uma análise jurídica. Estava agindo a mando do ministro da Justiça”, disse.
Ainda em 2020, também por ordem de André Mendonça, Shor instaurou um inquérito contra uma médica que postou a seguinte frase no Twitter: “Inferno de facada mal dada! A gente não tem um dia de sossego nesse país!” – uma alusão à tentativa de matar Bolsonaro em 2018.
Em sua defesa, a médica afirmou que sofreu “verdadeira devassa” em sua vida, com coleta de todas as postagens em suas redes sociais e rastreamento de dados “sensíveis”, como profissão e endereço. Assim como no caso de Feller, o Ministério Público Federal opinou pelo arquivamento do inquérito, o que foi determinado pelo STJ.
“Não há nenhum indicativo da intenção em ofender a honra subjetiva do Presidente da República, senão uma manifestação, em rede eletrônica social, com uma expressão inadequada, inoportuna e infeliz”, escreveu na decisão o ministro Olindo Menezes.
Shor comandou inquérito da “Vaza Jato”
Em 2020, Fábio Shor também assumiu a presidência do inquérito da Operação Spoofing, que, em 2019, prendeu os hackers que invadiram contas de Telegram e captaram, clandestinamente, mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato. As conversas motivaram uma série de reportagens, conhecida como “Vaza Jato”, que ajudaram a desgastar a operação e depois seriam usadas para anular investigações e processos criminais.
No final daquele ano, o então ministro do STF Ricardo Lewandowski concedeu à defesa de Lula acesso ao material apreendido pela PF com os hackers, contendo sete terabytes de arquivos digitais com mensagens em texto, áudio e arquivos trocados. No início de 2021, coube a Shor organizar a consulta aos arquivos, pelos advogados do presidente, dentro da PF.
Depois de Lula, diversos políticos e empresários conseguiram acesso ao material para arquivar suas investigações. Os casos mais notórios, depois do presidente, envolvem a Odebrecht e a J&F, que conseguiram descontos bilionários nas multas devidas em seus acordos de leniência.
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