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À frente da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol ousou enfrentou os "poderosos", como costumava dizer.
À frente da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol ousou enfrentou os “poderosos”, como costumava dizer.| Foto: André Rodrigues/Arquivo Gazeta do Povo

O procurador Deltan Dallagnol anunciou nesta terça-feira (1º) que está deixando a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba, da qual é coordenador. Depois de mais de seis anos à frente da força-tarefa que investigou o escândalo de corrupção na Petrobras, o procurador afirmou que vai se afastar do cargo por motivos de saúde da filha.

Em nota, o MPF afirmou que “Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais”. “A liderança exercida foi fundamental para todos os resultados que a operação Lava Jato alcançou, e os valores que inspirou certamente continuarão a nortear a atuação dos demais membros da força-tarefa, que prosseguem no caso”, diz a instituição.

O rosto mais conhecido da Lava Jato no MPF, o procurador atuou como porta-voz da força-tarefa e dos desdobramentos das investigações apuradas a partir de Curitiba. Foi um dos mentores do projeto das Dez Medidas contra a Corrupção, um esforço para tornar a lei mais rígida contra os "poderosos" que combatia. Foi ainda responsável por uma série de palestras sobre combate à corrupção que ajudaram a despertar o senso crítico dos brasileiros para um mal enraizado no sistema político, social e empresarial do país.

Na esteira da Lava Jato, comandou as investigações que resultaram em denúncia criminal e posterior condenação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de empreiteiros, doleiros, dirigentes partidários e outros políticos. Ganhou os holofotes, em 2016, pela famosa apresentação em powerpoint que acusou Lula de ser o chefe de uma organização criminosa instalada no governo para fraudar contratos na Petrobras. Foi ainda um dos responsáveis por negociar acordos de colaboração premiada com acusados e acordos de leniência com pessoas jurídicas que resultaram na devolução de bilhões de reais desviados da Petrobras.

Deltan é procurador concursado do MPF desde 2003. É especialista em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro, com atuação em grandes casos, como Banestado e Lava Jato.

Na adolescência, segundo Deltan, ele se descrevia como um “CDF apaixonado por esportes”. O procurador conta que andava com uma turma de amigos do colégio que “surfavam, andavam de skate e saíam à noite”. Foi em uma viagem para surfar com os amigos que conheceu a mulher, Fernanda, em Santa Catarina, segundo o procurador.

As 10 Medidas contra a Corrupção e o sonho de uma lei mais rígida

Deltan foi um dos principais porta-vozes do projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção, em 2016. O projeto chegou ao Congresso Nacional com mais de 2 milhões de assinaturas, mas acabou desfigurado pelos deputados.

Em busca de apoio para o projeto, ele peregrinou o Brasil ministrando palestras em igrejas, escolas, associações e clubes sobre o combate à corrupção.

Em 2017, lançou o livro “A Luta Contra a Corrupção”, pela editora Primeira Pessoa. A obra conta sua atuação em casos envolvendo corrupção e lavagem de dinheiro antes da Lava jato. Além do caso Banestado, Deltan também atuou em uma investigação sobre funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa do Paraná, em 2005.

Em 2018, o procurador encampou a campanha das Novas Medidas Contra a Corrupção, elaboradas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que buscava estimular candidatos de todos os cargos a se comprometerem com o novo pacote.

Deltan gostava de emitir opinião nas redes sociais. E pagou um preço alto por isso

Deltan sempre foi muito ativo nas redes sociais. O procurador costuma comentar decisões judiciais e do Congresso em relação ao combate à corrupção no Brasil.

Em 2018, ele chegou a dizer no Twitter que, no dia do julgamento de um habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF), iria fazer jejum e orar para que o ex-presidente fosse preso.

O procurador também fez campanha nas redes sociais pelo voto aberto na eleição para a presidência do Senado. Deltan argumentou que a eleição de Renan Calheiros (MDB-AL) para o cargo seria um retrocesso no combate à corrupção no país. A opinião lhe rendeu uma queixa formal no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Queixas no CNMP causaram dor de cabeça ao chefe da Lava Jato

Durante os período em que esteve à frente da Lava Jato, Deltan respondeu a vários procedimentos no CNMP. Ele chegou a ser punido pelo colegiado em novembro do ano passado, por ter dado uma entrevista à rádio CBN em que fazia críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 8 votos a 3, os conselheiros decidiram dar uma advertência a Deltan.

Recentemente, o CNMP deliberou, por unanimidade, negar a abertura de um processo administrativo disciplinar (PAD) contra Deltan e outros dois membros da força-tarefa pelo caso powerpoint contra o ex-presidente Lula.

O resultado do julgamento, porém, representou apenas uma meia vitória para a Lava Jato, uma vez que os conselheiros decidiram não instaurar o PAD apenas porque a conduta dos procuradores já prescreveu.

O CNMP tem ainda dois processos contra Deltan para serem julgados. Os casos foram retirados da pauta por uma decisão do ministro Celso de Mello, do STF, mas podem voltar a ser discutidos no colegiado no futuro.

O primeiro caso é o PAD protocolado pelo senador Renan Calheiros. Ele pede punição de Deltan por manifestações do procurador nas redes sociais em que fez campanha pelo voto aberto na eleição para presidência do Senado e avaliou que uma eventual vitória de Renan era prejudicial à pauta anticorrupção. O senador argumenta que houve “quebra de decoro” por interferência do MP em outro poder.

O caso que traz maior preocupação é o pedido de remoção compulsória por interesse público, protocolado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO). O pedido é baseado em três argumentos: o fato de existirem 17 reclamações disciplinares contra Deltan tramitando no CNMP; o acordo feito entre a Lava Jato e a Petrobras que previa a criação de uma fundação bilionária com dinheiro da estatal, anulado pelo STF; e o fato de que Deltan prestou, ao longo do trabalho na Operação Lava Jato, palestras remuneradas.

Durante a tramitação do pedido de remoção, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira, relator do caso, pediu que fosse anexada cópia de pedido de providências da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também se baseia em três argumentos: a cooperação com autoridades americanas; a suposta existência, noticiada em um veículo de imprensa, de aparelhos do tipo guardião na força-tarefa em Curitiba, para interceptações telefônicas clandestinas; e a suspeita, aventada em reclamação perante o STF, de que haveria investigações de autoridades com foro privilegiado por parte dos procuradores em Curitiba.

Em 2019, o corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, instaurou reclamação disciplinar para investigar as mensagens divulgadas pelo site The Intercept atribuídas ao procurador e o ex-juiz Sergio Moro. A instauração foi realizada com base em solicitação dos conselheiros do CNMP Luiz Fernando Bandeira, Gustavo Rocha, Erick Venâncio e Leonardo Accioly.

As mensagens mostravam supostas evidências de colaboração ilegal entre o MPF e Moro, que era juiz do caso. As conversas sugerem que Moro deu acesso privilegiado à acusação, auxiliou o Ministério Público a construir os casos contra os investigados, ordenou modificação na ordem das fases da operação, cobrou agilidade em novas operações, forneceu conselhos estratégicos, antecipou decisões, e ainda deu pistas informais e sugestões de recursos ao Ministério Público.

Embates de Deltan com Gilmar Mendes

Gilmar Mendes é o ministro do STF mais abertamente crítico à Lava Jato. O ministro não perde uma oportunidade de alfinetar a força-tarefa de Curitiba. Em um julgamento no STF, Gilmar usou termos como “cretinos”, “desqualificados”, “despreparados” e gentalha” para se referir a Deltan e seus colegas na força-tarefa.

Em dezembro do ano passado, Deltan entrou com uma ação pedindo indenização por danos morais em razão das ofensas de Gilmar Mendes. Além das declarações proferidas no julgamento, outros pronunciamentos do ministro foram objeto da ação, como entrevistas e outras manifestações no Supremo.

No início de agosto, a demanda foi julgada inteiramente procedente pelo juízo da 11ª Vara Federal de Curitiba e a União terá que pagar R$ 59 mil pelas declarações de Gilmar. Ainda cabe recurso.

Deltan afirmou que vai doar a indenização para a construção do primeiro hospital oncopediátrico do sul do Brasil, que é filantrópico.

Deltan deixa o comando da operação após seis anos

Seis anos e meio depois do início da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol anunciou nesta terça-feira que está deixando a da operação. Ele coordenou a força-tarefa do MPF no Paraná desde que a operação foi deflagrada, em 2014.

Pelo Twitter, Deltan disse: "é uma decisão difícil, mas o certo a fazer por minha família. Continuarei a lutar contra a corrupção como procurador e como cidadão. A Lava Jato tem muito a fazer e precisa do seu e meu apoio", escreveu.

Deltan também divulgou um vídeo em que explica a razão de ter saído da Lava Jato. Ele e sua mulher vão se dedicar à saúde de sua filha de um ano e dez meses de idade – que apresentou recentemente sinais de regressão em seu desenvolvimento. O procurador afirmou que a bebê já está em acompanhamento médico, mas que o diagnóstico só ficará pronto em nove semanas. Até lá, a recomendação é que a menina passe por uma série de terapias e tratamentos que vão exigir atenção especial dos pais.

Problemas familiares à parte, o fato é que Deltan Dallagnol e a força-tarefa da Lava Jato sofreram um cerco implacável nos últimos meses, com decisões desfavoráveis no Supremo Tribunal Federal e pressões vindas da Procuradoria-Geral da República.

No vídeo em que postou no Twitter, Deltan fez referência a esse momento da Lava Jato. E pediu que a população continue apoiando a operação mesmo com sua saída. "Se você apoia a Lava Jato, continue a apoiar. A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme. Mas decisões que estão sendo tomadas e serão tomadas em Brasília afetarão seus trabalhos. A força-tarefa tem muito por fazer; e ela precisa de seu suporte", disse ele.

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