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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou as demarcações de terras indígenas, paralisadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De janeiro a julho, foram homologados seis territórios. Nos últimos 10 anos, 11 áreas haviam sido demarcadas.
Com isso, cada indígena brasileiro, em média, tem direito a uma área equivalente a 99 campos de futebol com as demarcações atuais de terras indígenas. O número é baseado nos resultados preliminares do Censo Demográfico 2022 e no levantamento de terras indígenas no Brasil.
Esse número deve aumentar, com as promessas de demarcações que vêm sendo feitas pelo presidente Lula e pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Na sexta-feira (28), em evento realizado no Mato Grosso, a ministra afirmou que pretende ampliar as reservas indígenas nesta gestão. Sônia também adiantou que no dia 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, mais terras devem ser homologadas ou estudos de viabilidade abertos.
No evento no Mato Grosso, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, anunciou ainda a aprovação de mais um estudo para demarcação. Trata-se da Identificação e Delimitação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore, localizada nos estados do Pará e Mato Grosso, com cerca de 362.243 hectares para 60 indígenas, de acordo com dados do Instituto Socioambiental (Isa).
De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem hoje 1.652.876 indígenas. Neste contexto, são levados em conta os dados sobre terras indígenas do Isa, que são elaborados a partir de informações publicadas no Diário Oficial da União. De acordo com o Instituto, o Brasil tem hoje 117.537.905 hectares de terras indígenas. Sendo assim, se considerarmos o total de terras já demarcadas, ou seja, mais de 117 milhões de hectares, cada indígena detém, pelo menos, 71 hectares.
Se comparados a campos de futebol de 105 metros de comprimento por 68 metros de largura, cada indígena teria direito a uma área de aproximadamente 99 campos de futebol.
Para a bancada do agronegócio, é muita terra para pouco indígena. Para os indigenistas, as questões ambientais são um dos pontos fundamentais para defender a demarcação, já que os indígenas seriam os principais responsáveis pela preservação das florestas e, por consequência, por equilibrar a questão climática.
Menos de 1% da população do Brasil detém 13,75% do território brasileiro
O número de indígenas vivendo no Brasil atualmente é aproximadamente 84% maior do que o contabilizado no levantamento de 2010, quando eles somavam 896,9 mil pessoas (817,9 mil declaradas). Os indígenas hoje são, portanto, aproximadamente 0,8% do total de habitantes estimados para o país, de acordo com os dados preliminares do Censo de 2022. Para estes indígenas já são reservados pelo menos 13,75% do território brasileiro. A maioria está concentrada na Amazônia Legal.
Para efeitos de comparação, é possível dizer que as terras indígenas do Brasil ocupam uma área maior do que o território da França (543.965 km2) e da Inglaterra (130.423 km2) juntos, de acordo com informação publicada no site do IBGE. A área destinada aos indígenas no Brasil é também um pouco inferior a área total do estado do Pará, que tem 124 milhões de hectares.
Os dados do Censo de 2010 apontavam que, dentre os quase 900 mil indígenas brasileiros verificados na época, apenas pouco mais da metade, 57,7%, viviam em terras indígenas oficialmente reconhecidas.
Demarcações recentes retratam distribuição de terras indígenas
O presidente Lula assinou, em abril, decretos de homologação de seis terras indígenas. Os processos estavam parados desde 2018, pois o ex-presidente Jair Bolsonaro não fez nenhuma demarcação durante seu governo. Dentre as TIs demarcadas por Lula neste primeiro semestre, destacam-se as com processos mais antigos: uma em Goiás e outra no Rio Grande do Sul.
A TI Avá-Canoeiro, em Goiás, tem uma população de nove pessoas segundo portaria declaratória (primeira fase da demarcação do processo de demarcação de terras) do ano de 1996. O território demarcado, que está entre os municípios de Minaçu e Colinas do Sul, é de pouco mais de 31 mil hectares. São, em média, quase 3,5 mil hectares por indígena.
Já a TI Rio dos Índios, em Vicente Dutra no Rio Grande do Sul, com população de 143 pessoas, teve uma área de cerca de 771 hectares demarcada. A portaria declaratória do processo é de 2004. Nesta área, viviam pelo menos 78 famílias de não-indígenas, em sua maioria, pequenos agricultores com cerca de 10 hectares por família. Com a demarcação, cada indígena terá direito a quase 5 hectares.
Indigenistas apontam que a demarcação de terras indígenas é fundamental por questões ambientais
Um dos principais argumentos utilizados para defender a demarcação de terras indígenas é a importância da preservação das florestas no território brasileiro. Neste contexto, as questões climáticas também são apontadas como justificativa para as demarcações. Para as organizações indigenistas, os críticos se esquecem de que os indígenas têm que tirar todo seu sustento da terra e que muitas vezes, as Terras Indígenas (TI) têm grandes partes não agricultáveis, e sofrem ou sofreram diversos tipos de impactos.
Além disso, na prática não é possível viver em qualquer parte da floresta. É preciso por exemplo estar perto de uma fonte de água e ter disponíveis grandes áreas para caçar. Viver na floresta não é fácil como viver na cidade se o indígena decidir sobreviver da forma tradicional de seus antepassados. Daí a necessidade de grandes reservas.
Em entrevista para o site do WWF, organização não-governamental (ONG) internacional com atuação no Brasil, o atual secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, destacou o motivo pelo qual os indígenas têm lutado pela ampliação de seus territórios.
“Nós temos destacado com frequência, no cenário interno e na comunidade internacional, que os povos indígenas e seus territórios são agentes indispensáveis para a solução da crise climática. Nossa existência é parte da solução para a manutenção da vida. Exemplo disso é que tivemos o melhor índice de redução de desmatamento entre 2004 a 2012, chegando a 83%, e esse foi o período em que houve demarcação de 100 terras indígenas”, pontuou Eloy Terena na entrevista concedida em 2022.
A mobilização indígena na busca pela demarcação de terras tem seu ápice na realização do Acampamento Terra Livre (ATL), um evento promovido desde 2004 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em 2023, o ATL reuniu cerca de seis mil indígenas de todo o Brasil.
Ao final do evento, os indígenas entregaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma carta. No documento nomeado como “Sem demarcação não há democracia!”, tema do ATL 2023, a Apib aponta como fundamental a retomada da política de demarcação e proteção das terras indígenas.
O coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna, falou, em matéria publicada no site da WWF sobre a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), que o evento tem como foco principal o destaque para a importância das demarcações. “A ideia é chamar a atenção de toda a sociedade brasileira e da comunidade internacional para a importância da retomada da demarcação dos territórios indígenas e também da sua proteção. Não adianta apenas demarcar novas Terras Indígenas, é preciso garantir a proteção desses territórios para assegurar a sobrevivência física, cultural e espiritual dos povos nos seus territórios”, disse o coordenador da Apib.
No mesmo sentido, a coordenadora-secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marciely Ayap Tupari, destaca a relação entre demarcação e preservação ambiental. “Território demarcado é sinônimo de floresta viva, de floresta em pé, de sobrevivência da humanidade, porque sabemos que a crise climática está aí e está piorando cada vez mais”, afirmou Marciely, em entrevista ao WWF.
Bancada do agronegócio aponta que há muita terra para pouco indígena
Diante dos dados que apontam que 0,8% da população brasileira detém mais de 117 milhões de hectares de terra, ou seja, quase 14% do território, parlamentares defensores do agronegócio afirmam que os indígenas são latifundiários.
“Sem dúvida, a média torna o indígena um verdadeiro latifundiário. Entretanto, a terra não gera riqueza para o seu povo, pois temos um sistema em que o indígena é “tutelado pelo Estado”. Isso precisa mudar”, disse o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS).
No mesmo sentido, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR) destaca a questão da produção como um dos principais problemas. “Com certeza há muita terra para eles. Se essas terras fossem usadas pelo menos para contribuir com a sociedade, no cultivo e na possibilidade da produção de alimentos, mas nem isso não fazem”, disse o deputado paranaense.
A questão da produção em terras indígenas é debatida há anos no Congresso Nacional. Diversos projetos de lei já tentaram regulamentar a produção em terras indígenas. Em 2022, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) recebeu um projeto que buscava o licenciamento ambiental da atividade agrícola mecanizada em aldeias no Mato Grosso. Ao todo, são cinco territórios indígenas na região dos Paresi que já realizam este tipo de cultivo há quase duas décadas. O cultivo de grãos como soja, milho e feijão, pelas etnias haliti-paresi, nhambikwara e manoki movimenta anualmente cerca de R$ 120 milhões e traz benefícios a quase 3 mil indígenas.
Para o senador Heinze, é preciso que haja apoio a iniciativas como a dos indígenas parecis do Mato Grosso. “A terra atualmente demarcada já atende com folga [a população indígena brasileira]. O que precisamos é estabelecer regras de uso que proporcione desenvolvimento. Recebi grupos indígenas no meu gabinete que clamam por liberdade e por apoio produtivo. Entendo que a política pública, como um todo, precisa ser revista e atualizada”.
Quantidade de terras indígenas pode aumentar
Atualmente, constam 761 terras indígenas nos registros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Essas 761 terras estão em diferentes estágios do processo demarcatório. As regularizadas são a maioria, somando 475. A região Norte do país é onde está a maior porção das terras indígenas já regularizadas no Brasil, contabilizando cerca de 54%. Enquanto isso, a região Sudeste é a menor parcela, somando 6% da região. Além dessas mais de 700 terras indígenas em alguma fase do processo demarcatório, há outras 478 reivindicações de povos indígenas em análise no âmbito da Fundação.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Funai e deputados indígenas ou apoiadores da questão indígena foram contatados pela Gazeta do Povo, mas não retornaram até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.