A rejeição temporária, pela Câmara, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que aumenta a influência dos políticos sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não fez diminuir, entre procuradores e promotores, o temor de perseguições por causa da atuação deles no combate à corrupção. A recente decisão do CNMP de demitir o procurador Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da Lava Jato do Paraná, na última segunda-feira (18), foi interpretada internamente como um recado para quem ousar investigar políticos.
Nesta semana, outras duas decisões chamaram a atenção dos procuradores: a abertura de um processo disciplinar que pode demitir 11 procuradores que atuaram na Lava Jato do Rio de Janeiro; e a suspensão, por 45 dias, do promotor do Mato Grosso Daniel Balan Zappia, que investigou fazendas da família do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
O clima de alerta tomou conta dos procuradores porque eles consideram que, em todos esses casos, há uma desproporcionalidade nas punições, inclusive à luz de decisões do próprio conselho. "De fato, há um ambiente de preocupação. Isso varia muito de colega a colega. Mas quando vêem situações como essa do Rio de Janeiro, ou do Diogo, a sensação é de alerta", diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta. "O clima não é bom. Mas quando falo isso não quero dizer que as pessoas estão ameaçadas com terror", pondera, por outro lado.
Alguns procuradores ouvidos pela reportagem — de forma anônima, por medo de retaliações — consideram que as sanções servem para mostrar que o CNMP não é corporativista nem favorece a impunidade dos membros do MP, numa tentativa de quebrar o discurso que motivou a PEC que muda a composição do órgão. A demissão de Diogo Castor, nesse sentido, seria simbólica, "um exemplo para pendurar em praça pública", disse um um deles à Gazeta do Povo.
Para outros procuradores, a decisão só confirma a existência, atualmente, de uma maioria de conselheiros dentro do CNMP que, sob influência de políticos, já atua de maneira hostil à Lava Jato e outros procuradores mais combativos na investigação da corrupção. "O clima está muito ruim e hostil. Isso faz com que os procuradores queiram ficar com a cabeça dentro da água. Se tirar, vão tomar pancada", diz outro procurador.
A avaliação é que nos últimos anos, a notoriedade alcançada pela Lava Jato, na mídia, nas redes sociais e nas ruas, motivou uma "vingança" por parte do mundo político. Não à toa, as principais punições aplicadas pelo CNMP nos últimos anos voltam-se não contra a atuação em si dos procuradores da operação nos casos, mas por manifestações públicas que fizeram sobre o combate à corrupção.
O ex-coordenador da extinta força-tarefa no Paraná Deltan Dallagnol foi punido duas vezes, com censura e advertência, porque criticou, em tuítes, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e, numa entrevista, alguns ministros do STF. Ele teve de deixar a operação por questões familiares enquanto tramitavam outros processos para demiti-lo, por causa de palestras sobre a operação e de uma apresentação de PowerPoint sobre denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diogo Castor foi punido porque pagou um outdoor em Curitiba que elogiava o trabalho dos colegas.
O caso de Diogo Castor
O procedimento que levou à aprovação da pena de demissão do procurador Diogo Castor é ilustrativo. O outdoor ficou exposto durante poucos dias em meados do mês de março de 2019. Uma semana depois, um pedido de apuração sobre o caso chegou ao CNMP, mas foi arquivado em abril daquele ano. A corregedoria interna do próprio MPF também apurou o caso, mas arquivou o processo disciplinar por prescrição, em razão da pena branda que seria aplicada, de censura.
O processo no CNMP só foi reaberto em agosto, depois que o hacker Walter Delgatti Neto, acusado de interceptar ilegalmente conversas dos procuradores de Curitiba, foi preso e afirmou, em depoimento, que Diogo Castor havia bancado o outdoor — o procurador já havia admitido isso para os colegas em março e se afastou da operação por um quadro de depressão, à época. Quem desarquivou a fiscalização foi o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, que ingressou em 2018 no CNMP com o apoio de Renan Calheiros.
Além do depoimento de Delgatti, também alimentou a apuração o interrogatório de João Carlos Queiroz Barbosa, um simpatizante da Lava Jato em nome do qual o contrato do outdoor foi assinado. Ele disse aos policiais que desconhecia a contratação. Segundo a defesa, o depoimento ocorreu no inquérito das fake news, o que, na visão dos advogados, não poderia ser feito, uma vez que seu objetivo era investigar ataques aos ministros do STF, sem relação com o outdoor.
No julgamento do processo, iniciado em setembro deste ano, a relatora do caso, Fernanda Marinela (advogada de Alagoas, indicada ao CNMP pela OAB) rejeitou essas objeções, lembrando que o próprio Diogo Castor havia confessado ter pagado pelo outdoor. Optou, no entanto, pela pena de demissão, a mais dura, por considerar que o procurador também pode ter cometido ato de improbidade administrativa, porque teria violado princípios da impessoalidade e moralidade.
"Irrefutável que a conduta perpetrada pelo requerido implicou ato de improbidade administrativa, na modalidade violação dos princípios da Administração Pública, consistente na propaganda pessoal realizada pelo imputado, em razão de seu cargo público e tendo agido de forma escondida, desprestigiando os valores soberanos da Administração", afirmou em seu voto.
A decisão pela demissão foi apertada: 6 votos a 5, com um desempate, no final, pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros. A ala vencida aderiu ao voto do conselheiro Silvio Amorim, oriundo do próprio MP, que argumentou que deveria ser aplicada uma pena mais brada, de suspensão do cargo por 16 dias. Ele citou decisões recentes do conselho, de casos mais graves, também de improbidade — de assédio moral e desvio de verbas, por exemplo — em que a demissão foi descartada. Argumentou que o fato de Diogo Castor ter bancado um outdoor não representa uma atuação irregular em sua atividade-fim, como procurador da República.
Apesar da sentença, a efetivação só pode ocorrer após uma decisão na Justiça. A defesa de Diogo Castor de Mattos ainda pode recorrer ao próprio CNMP. Se o órgão negar o recurso, será aberto um processo judicial de demissão, dentro do qual o procurador poderá novamente se defender para impedir a dispensa.
Renovação no CNMP é "esperança" de dias melhores
Apesar do "clima ruim", Ubiratan Cazetta, da ANPR, vislumbra uma possível mudança na atual postura do CNMP por causa de uma grande recomposição de seu quadro. Nesta semana, vários dos atuais conselheiros encerraram seus mandatos e agora, das 14 cadeiras do órgão, nove estão vagas e deverão ser novamente preenchidas.
Serão cinco novos indicados pelo MP, dois pela Ordem dos Advogados do Brasil, um pelo STF e um pelo STJ, que deverão ser aprovados pelo Senado. "A expectativa é positiva. A gente tem esperança que, com a renovação, a gente saia desse momento de críticas e pressão", diz Cazetta.
Para ele, a discussão da PEC no Congresso que mudaria a forma de compor o órgão — integrantes de fora dos quadros do MP, indicados por Congresso, STF e STJ, passariam a formar maioria — ajudou a classe a compreender algumas queixas dos políticos, relacionadas à forma com que o MP se comunica e conversa com a sociedade. "A crítica em si não nos preocupa. A gente tem que ser criticado, é papel da imprensa e do parlamentar. O problema é enxergar críticas que apontam situações verdadeiras, ou aquelas com premissas falsas", afirmou.
Apesar da rejeição, na última quarta (20), do texto final da proposta que mudaria o CNMP, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda quer votar a versão inicial da proposta.
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