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Já se passaram três semanas desde que Augusto Aras deixou o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), e a demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para indicar um sucessor poderá complicar ainda mais a situação do governo no Senado. Desde setembro, a Casa virou motivo de preocupação para o Palácio do Planalto por travar três indicações já feitas por Lula para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), não marcou as sabatinas.
Nesta quarta (18), mais de um mês após a indicação dos desembargadores José Afrânio Vilela e Teodoro Santos e da advogada Daniela Teixeira, Alcolumbre disse que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fará um “esforço concentrado” na semana que vem para votar as indicações. Mas disse que, se o relator da reforma tributária, Eduardo Braga (MDB-AM), liberar seu parecer, a matéria terá prioridade na CCJ, o que manteria as indicações paradas.
O problema para Lula é ficar com as nomeações pendentes, o que desagrada a cúpula do Judiciário, considerada uma aliada, e ainda ver sua margem de escolha encolhida pelo interesse que o próprio Alcolumbre tem em influenciar não apenas a escolha do próximo PGR, mas também a do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nos bastidores, o senador quer o subprocurador Paulo Gonet na PGR, e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, no STF. Gonet também é preferido dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, hoje os homens mais poderosos do Judiciário em Brasília. Parlamentares do PT, por sua vez, querem o subprocurador Antonio Carlos Bigonha.
Em 2021, insatisfeito com a indicação de André Mendonça para o STF, Alcolumbre demorou a marcar a sabatina, pois preferia Augusto Aras para a vaga. O risco se coloca novamente se Lula indicar o ministro da Justiça, Flávio Dino, para a vaga aberta na Corte, preterindo Bruno Dantas. Alcolumbre quer se cacifar para a presidência do Senado em 2025 e tem apoio de Pacheco.
Pressionado por todos os lados, Lula se vê com seu poder de escolha reduzido. Em diversas manifestações públicas, ele deixou implícito o desejo de indicar alguém que se comprometa a não deixar o Ministério Público Federal (MPF) iniciar uma nova Lava Jato, que acusa de “criminalizar a política”, que possa atingir a si ou seus aliados. “O presidente está se sentindo sem liberdade de escolha”, disse à reportagem, sob reserva, uma fonte da PGR.
O lado bom e o ruim de ter uma interina na PGR
Enquanto a indicação não acontece, a PGR vem sendo conduzida pela subprocuradora Elizeta Paiva Ramos. Ela conta com apoio interno na cúpula do órgão e resistiu à pressão, nos últimos anos, para criminalizar a Lava Jato – no cargo de corregedora-geral do MPF, fez fiscalizações sobre o trabalho da operação de Curitiba e isentou a força-tarefa de suspeitas de irregularidades levantadas por seus adversários, da classe política e da advocacia.
Para dois de seus colegas consultados pela reportagem, sua permanência como interina, ainda que provisória, é fator que, em tese, traz independência em sua atuação. Como não tem nem fez compromissos com o mundo político fora da PGR para ocupar a cadeira, não deve nada a ninguém. Bom para o órgão e o MPF, mas ruim para o Planalto, que deseja um PGR próximo.
“Elizeta tem amplo apoio interno e está indo muito bem interna e externamente. E fazendo o que se coloca à frente dela até porque não se sabe quem será o sucessor ou sucessora”, disse, sob reserva, um integrante da PGR.
Para o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, que é procurador de Justiça de São Paulo (do MP Paulista, não do MPF), a demora de Lula para escolher o procurador-geral tem um lado ruim para o MPF. A lei não fixa prazo para a indicação, mas para Livianu, o bom senso e a razoabilidade recomendam que isso aconteça o quanto antes.
“Não se pode esquecer que o procurador-geral tem a função de ser o fiscal do presidente da República. Está acontecendo a demora do presidente em fazer a indicação de seu próprio fiscal. É muito importante que o presidente seja coerente à história política do PT, que em mandatos anteriores, para blindar o presidente de especulações, respeitou a lista tríplice de indicados, para não abrir campo para especulações desnecessárias”, afirmou.
A lista tríplice de indicados é formada por membros do MPF e foi seguida por Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff em mandatos passados. Neste ano, ficou em primeiro lugar nas votações a subprocuradora Luiza Frischeisen, com 526 votos; seguida por Mario Bonsaglia, com 465 votos; e José Adonis, com 407 votos.
Desde o ano passado, porém, Lula vem sinalizando que não quer se basear na lista tríplice, que não é impositiva, mas apenas uma recomendação interna da classe. O trauma é com ex-procurador-geral Rodrigo Janot, duas vezes o mais votado e duas vezes indicado por Dilma, e que deu impulso à Lava Jato durante os quatro anos que ocupou o cargo, entre 2012 e 2016.