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Debate sobre ruptura institucional

Depoimentos de Cid e de ex-comandantes mostram racha entre militares da ativa e grupo de Bolsonaro

Mauro Cid
Deputados e senadores da oposição saíram em defesa de Cid após o vazamento de áudios em que supostamente critica a PF e o STF. (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

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Os depoimentos do ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes e do ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior, tornados públicos na semana passada, além do acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, acentuaram uma fissura entre militares da reserva que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e militares da ativa da cúpula das Forças Armadas.

Generais, coronéis e majores que foram para a reserva e se uniram a Bolsonaro estão sendo alvo da Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado. Os nomes mais relacionados aos chamados "militares bolsonaristas" são os dos ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Walter Souza Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno Pereira (Gabinete de Segurança Institucional) e Mário Fernandes (Secretaria-Geral da Presidência).

Fontes ligadas a esse grupo disseram à reportagem, sob anonimato, que ao menos uma parte dos "militares bolsonaristas" entende que eles estão sendo perseguidos injustamente. Enquanto isso, militares do serviço ativo e da reserva não ligados a Bolsonaro estariam sendo poupados da investigação.

Os "militares bolsonaristas" olham para duas situações específicas. Se o Supremo entende que houve uma tentativa de ruptura institucional, por que Freire Gomes e Baptista Júnior não estão sendo investigados por não denunciar o que sabiam?

Além disso, segundo a mesma fonte, não só militares teriam debatido intervenção política com Bolsonaro, mas também representantes do próprio meio político e econômico. Em tese, eles sabiam do que estava sendo debatido e estão passando ao largo da investigação.

O outro ponto elencado pelos "militares bolsonaristas" é que não foram apenas os militares aliados a Bolsonaro que debateram se havia possibilidade de interferência no resultado das eleições em 2022 sem ferir a lei. O Alto Comando do Exército chegou a discutir a possibilidade do uso do artigo 142 da Constituição para reestabelecer a ordem institucional no país. Não está claro se isso ocorreu antes ou depois da possibilidade ser levantada por Bolsonaro e seus aliados. Ao menos quatro dos 17 membros do colegiado de generais teriam entendido que existia essa possibilidade em uma reunião, segundo disse à reportagem uma fonte militar com conhecimento do evento.

Mas o Alto Comando do Exército é um órgão consultivo e não deliberativo. Só o comandante pode tomar a decisão final e Freire Gomes entendeu que não era possível fazer uma intervenção política sem desrespeitar a Constituição. Por isso, após a exposição de diferentes ideias dos generais, Freire Gomes tomou uma decisão e todo o Alto Comando passou a apoiar o comandante. O posicionamento de não intervenção na política perdura até hoje sem dissidências, segundo afirmaram à reportagem ao menos dois membros da ativa da cúpula do Exército.

Não há racha nem fissuras dentro do Exército, segundo eles. Em outras palavras, o Alto Comando é um órgão de Estado e rechaça interferências externas, sejam elas de esquerda ou de direita. Analistas não fazem a mesma analogia à Aeronáutica porque apenas o Exército teria tropas suficientes para fazer uma intervenção militar na política.

Por sua vez, militares da ativa se sentiram pressionados por uma carta supostamente escrita por coronéis, tententes-coronéis e majores endereçada ao comandante do Exército em 2022. Ela pedia que a instituição atuasse na manutenção da Garantia da Lei e da Ordem e da preservação dos poderes constitucionais - uma linguagem velada para incentivar a intervenção. A carta é objeto de investigação da Polícia Federal.

Além disso, militares da cúpula do Exército se sentiram atacados por tentativas de expor publicamente membros que foram contrários à ruptura institucional, por meio de comentários na imprensa e nas redes sociais.

Na oitiva à Polícia Federal, o ex-comandante Freire Gomes foi indagado sobre mensagens de Braga Netto a seu respeito, que foram encontradas no telefone do coronel reformado Ailton Barros. Na ocasião, Braga Netto acusou Freire Gomes de suposta omissão e indecisão.

“Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do General Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, diz a mensagem. Em outro trecho, Braga Netto teria orientado Barros a criticar Freire Gomes. "Oferece a cabeça dele. Cagão".

Respondendo à PF, Freire Gomes disse que as críticas de Braga Netto foram provocadas por ele não ter apoiado o plano de ruptura institucional. O ex-comandante também disse que supostos ataques orientados por Braga Netto ao ex-chefe da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior se deram pelo mesmo motivo.

Bolsonaristas entendem que versão de ex-comandantes prevaleceu na mídia

Uma fonte ligada aos militares apoiadores de Bolsonaro, que também pediu anonimato, disse que o grupo entende que as versões que prevaleceram na mídia e na sociedade sobre as reuniões entre Bolsonaro e os chefes militares foram as que constam nos depoimentos de Freire Gomes e Batista Júnior. Elas favoreceriam o que o grupo entende ser um "enredo" preparado pelos investigadores e alinhado com os depoimentos feitos na colaboração premiada de Mauro Cid.

Comentando a situação das Forças Armadas após os depoimentos de Freire Gomes e Batista Junior, o analista e militar da reserva, Márcio Roberto Amaro, opinou que os ex-comandantes Freire Gomes e Batista Júnior não falam, atualmente, pelas instituições.

"Existe a impressão de que há uma hegemonia no Exército, o que não há. Muitos falam que o Exército pensa isso ou aqui. Mas eu pergunto: Quem? O que existe são grupos. No caso do Freire Gomes e do Baptista Júnior, eles não falam mais pela instituição, já estão na reserva. O que me parece haver, com esses depoimentos, é uma série de interesses pessoais envolvidos”, disse o militar da reserva.

Ele acrescentou: "Foi bastante oportuno para esses militares darem depoimentos para a Polícia Federal. Eles disseram exatamente aquilo que as autoridades queriam ouvir. Ao meu ver, há uma troca acordada entre eles e o establishment. Ou seja, eles dão aquilo que interessa às investigações e recebem algum benefício de volta”, disse Amaro.

Governo Bolsonaro teve episódios de falta de alinhamento com cúpula militar

Na leitura do cientista político Antônio Henrique Lucena, o afastamento do alto comando de Bolsonaro começou após o ex-mandatário realizar trocas no Ministério da Defesa e no comando do Exército.

O então ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva foi trocado por Braga Netto e os três comandantes das Forças Armadas, o general Edson Pujol (Exército), o brigadeiro Antônio Bermudez (Aeronáutica) e o almirante Ilques Barbosa (Marinha) foram substituídos.

“Uma das minhas percepções é que o Exército, principalmente os generais da ativa, ‘abandonaram’ Bolsonaro desde que ele demitiu o então ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva. Aquilo pegou muito mal e depois o general Edson Pujol também saiu. Acho que esse movimento de afastamento foi se estendendo até as eleições”, disse o cientista político.

Ele também disse que o distanciamento dos militares da ativa dos militares da reserva seria uma extensão do afastamento de Bolsonaro. "Acho que essa cisão entre reserva e ativa deve se aprofundar depois desse depoimento de Freire e Gomes. Eles [militares da ativa] possuem muito receio de algum tipo de punição. Não promover Mauro Cid a coronel, por exemplo, mostra que eles não querem mais problemas”, acrescentou o cientista político.

Áudio enfraquece colaboração de Cid, segundo apoiadores de Bolsonaro

Tanto o relato dos ex-comandantes Freire Gomes e Batista Júnior como a colaboração premiada de Mauro Cid são vistos por muitos militares, apoiadores de Bolsonaro ou não, como uma alegada estratégia do Supremo Tribunal Federal (STF) para dividir a classe militar, jogando uns contra os outros, segundo fontes ouvidas pela reportagem.

A colaboração de Cid e o áudio divulgado nesta quinta-feira (21) - em que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro diz que sofreu pressão de autoridades para assinar a delação premiada - também são vistas por esses militares como suposta tentativa do Supremo de afastar Cid de Bolsonaro.

Reservadamente, aliados de Bolsonaro vêm afirmando que Cid está "sem liberdade de ação" e "abalado psicologicamente" por influência de familiares. Eles devem apostar agora em tentar mostrar que a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro fica enfraquecida, pois o áudio que veio a público dá a entender que seus depoimentos foram dados sob coação ou pressão.

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