O ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, disse em depoimento à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tinha interesse em nomear um Superintendente da PF no Rio de Janeiro escolhido por ele. Segundo o ex-ministro, o presidente pediu a troca no comando no Rio mais de uma vez e chegou ameaçar demitir Moro caso seu pedido não fosse atendido. A íntegra do documento pode ser lida na Gazeta do Povo.
Além desse ponto, sobre ingerência administrativa na corporação, Moro ainda afirmou que informava o presidente sobre operações sensíveis da PF, após as deflagrações e resguardando o sigilo das investigações. O ex-ministro citou como exemplo a operação de buscas e prisões envolvendo o atual ministro do Turismo, Alvaro Antônio, e o senador Fernando Bezerra, líder do governo no Congresso.
Moro foi ouvido no último sábado (2) em Curitiba, por cerca de oito horas, no inquérito que investiga as acusações do ex-ministro de que o presidente Jair Bolsonaro teria tentado interferir politicamente na Polícia Federal.
Superintendências da PF na mira de Bolsonaro
Em seu depoimento à PF, Moro afirmou que entende que a troca no comando da corporação, feita por Bolsonaro, "seja uma interferência sem uma causa apontada e portanto arbitrária".
Segundo Moro, durante sua gestão à frente do ministério "houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente".
Em março de 2020, segundo Moro, ele teria recebido uma mensagem de Bolsonaro com o seguinte teor: “Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.
Segundo o depoimento de Moro, Bolsonaro também tinha interesse na troca do comando da PF em Pernambuco. Moro disse aos investigadores ter conversas com o presidente no celular que mostram essa intenção.
O ex-ministro explica no depoimento o vai e volta de decisões sobre a mudança do superintende da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Apesar de Bolsonaro inicialmente ter falado que trocaria Ricardo Saad por motivo de produtividade, Moro deixou claro que não era o caso. E só concordou com a substituição por considerar o nome de Carlos Henrique como “uma escolha da PF”, que garantiria a continuidade regular dos serviços da Superintendência do Rio de Janeiro.
Segundo o ex-juiz, Bolsonaro teria ficado contrariado e deu uma nova declaração pública afirmando que era ele [Bolsonaro] quem mandava e que o novo superintendente seria Alexandre Saraiva. Maurício Valeixo, então ameaçou se demitir, mas Moro conseguiu demover o presidente.
Moro afirmou durante o depoimento que considera Saraiva “um bom profissional, no entanto não era o nome escolhido pela PF”. Foi a partir dessa época, principalmente, que o presidente passou a insistir na substituição de Valeixo. Moro diz que conseguiu impedir a troca por algum tempo, mas o “assunto retornou com força em janeiro de 2020”, quando o presidente deixou clara a intenção de nomear Alexandre Ramagem no lugar de Valeixo, que seria transferido para uma Adidância.
Bolsonaro indicou a intenção à Moro durante conversa no Planalto, em que “eventualmente o General Heleno se fazia presente” e a escolha já era conhecida por várias pessoas no governo.
Para Moro, caso Ramagem assumisse “afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente”.
No entanto, o ex-ministro não apontou um possível motivo para a insistência do presidente na troca e afirmou em depoimento que Bolsonaro deveria ser perguntado sobre o tema.
Moro explicou que uma troca na diretoria geral traria desgaste a ele, mas mesmo assim chegou a sugerir os nomes de Fabiano Bordignon e Disney Rossetti para não abalar a credibilidade da PF ou do governo. Ressaltou que a substituição sem causa e a indicação de uma pessoa ligada ao presidente e a sua família seriam uma interferência política na instituição. Outros dois possíveis substitutos seriam Anderson Torres e Carrijo, mas “ambos não tinham história profissional na PF que os habilitassem ao cargo, além de também serem próximos à família do presidente”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu para investigar o caso depois das acusações de Moro ao pedir demissão no dia 24 de abril. Ele afirmou que Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal ao exonerar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, aliado do ex-ministro.
Moro diz que não atribuiu crimes ao presidente
São investigados oito crimes no inquérito aberto no STF: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Os crimes podem ter sido cometidos por Bolsonaro ou por Moro, caso a denúncia do ex-ministro não fique comprovada.
Moro afirmou no depoimento à PF que o presidente não teria cometido crime algum e quem teria falado em crime foi a Procuradoria Geral da República, na requisição de abertura de inquérito.
Moro disse que Bolsonaro nunca pediu relatórios de investigações da PF a ele ou a Valeixo porque, segundo o ex-ministro, “sabia que não seria atendido”.
Moro reiterou à equipe da PF e da PGR que “em seu pronunciamento [na coletiva de imprensa em que anunciou sua demissão] narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes”.
Ele destacou que fez o pronunciamento antes de sua decisão “para esclarecer as circunstâncias de sua saída, para expor o desvio de finalidade já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e com o objetivo de proteger a autonomia da Polícia Federal”.
O ex-ministro, porém, ressalta que viu na demissão de Valeixo um desvio de finalidade, já que ele foi substituído inicialmente por Alexandre Ramagem, “pessoa próxima à família do presidente”.
Depoimento de Moro rebate acusações feitas por Bolsonaro
Em seu depoimento à PF, Moro se defendeu das acusações feitas pelo presidente em um pronunciamento no dia da demissão.
Segundo o ex-ministro, a reclamação de Bolsonaro de que a PF não vinha se empenhando para “esclarecer as declarações do porteiro de seu condomínio acerca do suposto envolvimento do Presidente no assassinato” da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes não encontra respaldo na realidade.
“Tal reclamação não procede”, disse Moro, já que ele mesmo “solicitou a atuação do MPF e da Polícia Federal na apuração do caso e a Polícia Federal colheu depoimento do porteiro no qual ele se retratou, além de realizar outras diligências”.
Moro também se defendeu da acusação do presidente de que ele teria condicionado a troca de Valeixo a sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Moro, a acusação de Bolsonaro “sequer faz sentido, pois se tivesse interessado na indicação ao STF, teria simplesmente aceito a substituição”.
Moro também defendeu a investigação da PF no caso envolvendo o atentado a faca sofrido por Bolsonaro em 2018, na campanha presidencial. “A Polícia Federal de Minas Gerais fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto” disse.
A apresentação da investigação ao presidente, segundo Moro, decorreu “da sua condição de vítima e ainda por questão de Segurança Nacional, entendendo o Declarante que não havia sigilo legal oponível ao Presidente pelas circunstâncias especiais”.
Moro destacou ainda que a investigação sobre possível mandante para o crime ainda não foi finalizada.
Provas apontadas no depoimento de Moro
O depoimento de Moro também apontou elementos de prova que podem ser usados pela PF na investigação.
Entre as provas citadas pelo ex-ministro está o pronunciamento do presidente no dia 24 de abril, data da demissão do ex-ministro. O presidente afirmou que Valeixo dizia estar cansado e por isso foi substituído. Segundo o ex-juiz, porém, “o cansaço do Diretor era provocado pelas próprias pressões do Presidente”.
O ex-ministro também afirmou que o presidente recebia, sim relatórios de inteligência da PF. Segundo Moro, “podem ser requisitados à ABIN os protocolos de encaminhamento dos relatórios de inteligência produzidos com base em informações a ela repassadas pela PF e que demonstrariam que o Presidente da República já tinha, portanto, acesso às informações de inteligência da PF as quais legalmente tinha direito”.
Moro afirmou que não tem a íntegra de todas as conversas com Bolsonaro porque costumava apagar o conteúdo “não por ilicitude, mas para resguardar privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive, questões de interesse nacional”. O ex-ministro afirmou que apagava as mensagens periodicamente depois de ter o celular hackeado em 2019.
A cronologia da demissão de Valeixo
Segundo Moro, ele teria ficado apreensivo com a mensagem de Bolsonaro alegando que a investigação no STF contra deputados bolsonaristas era mais um motivo para a demissão de Valeixo. Ele contou que no dia 23 de abril, às 9 horas, se reuniu com o presidente. Bolsonaro teria dito nesta reunião que Valeixo seria exonerado e Alexandre Ramagem seria nomeado no lugar dele para a diretoria-geral da PF.
Moro, então, diz que “informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia”. Moro ressaltou que aceitaria a troca de Valeixo, desde que houvesse uma causa para a substituição.
O ex-ministro pediu que o presidente reconsiderasse sua decisão e disse que, caso Bolsonaro não mudasse de ideia, ele pediria demissão.
Em seguida, Moro narra ter se reunido com os ministros da Casa Civil, Braga Netto, do GSI, Augusto Heleno, e da Secretaria da Presidência, Luiz Eduardo Ramos. Os ministros, segundo Moro, teriam se comprometido a convencer o presidente a mudar de ideia.
Ainda consta no depoimento de Moro que na tarde de 23 de abril, o ministro Luiz Eduardo Ramos ligou para ele para perguntar se seria possível uma saída intermediária para o impasse da demissão de Valeixo, com a indicação de Fabiano Bordignon ou Disney Rosseti para o cargo.
Moro disse a Ramos que “haveria um impacto ao governo e à sua credibilidade, mas que, garantida a nomeação técnica e de pessoa não proximamente ligada à família do presidente, a solução seria aceitável”.
Moro teria concordado com a nomeação de Rosseti, mas não recebeu nenhum retorno do Planalto.
Moro também contou à PF e à PGR que recebeu uma informação não oficial no dia 23 de abril de que Valeixo seria exonerado. O ex-ministro, então, buscou uma confirmação do caso com o ministro da Casa Civil, Braga Netto, e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, mas não obteve um retorno.
Moro negou ter assinado a exoneração de Valeixo no Diário Oficial da União e afirmou que não delegava a função de assinar exonerações e nomeações a subordinados no Ministério da Justiça. Valeixo também teria dito a Moro, segundo o depoimento do ex-juiz, que não teria assinado ou feito qualquer pedido de exoneração
E exoneração no DOU foi publicada como se fosse “a pedido” de Valeixo, com a assinatura de Moro, o que pode caracterizar falsidade ideológica.
Próximos passos da investigação
Durante a fase de investigação é feita a coleta de provas, como depoimentos de testemunhas, pedidos de quebra de sigilo, entre outras. Além do depoimento de Moro, a PF pode pedir para ouvir Bolsonaro durante a investigação e os ministros indicados como testemunha pelo ex-juiz.
Segundo a revista Veja, Aras já pediu para ouvir testemunhas indicadas por Moro no depoimento à PF. O PGR teria pedido para ouvir os ministros Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno, Braga Netto, além da deputada Carla Zambelli e os delegados da PF Maurício Valeixo, Ricardo Saadi, Carlos Henrique de Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva, Rodrigo Teixeira e Alexandre Ramagem.
Caso a PGR resolva oferecer uma denúncia contra o presidente ao final da investigação, há um ritual a ser cumprido que envolve a autorização da Câmara dos Deputados e o afastamento de Bolsonaro.
Entenda como funciona:
- Se a PGR oferecer denúncia contra o presidente, o STF envia a denúncia para a Câmara;
- O presidente da Câmara envia uma notificação ao Palácio do Planalto e envia a denúncia para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ);
- Na CCJ, o presidente tem dez sessões do Plenário para apresentar uma defesa prévia;
- A CCJ tem o prazo de cinco dias para votar um relatório;
- O parecer é encaminhado ao Plenário e o presidente da Câmara tem de marcar a votação para a próxima sessão;
- São necessários os votos de dois terços dos deputados (342) para autorizar a abertura de uma ação penal contra o presidente;
- Se os deputados não autorizarem, a denúncia fica em stand by até o fim do mandato do presidente;
- Se a Câmara autorizar a ação penal, o STF vota em plenário se aceita ou não a denúncia da PGR;
- Se o STF aceitar a denúncia, Bolsonaro é afastado do cargo até o processo ser concluído, pelo prazo máximo de 6 meses. O vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB) assume a presidência do país;
- Se Bolsonaro for absolvido, volta a ocupar o cargo de presidente. Se for condenado, perde o cargo definitivamente e os direitos políticos.
Caso não sejam encontradas provas suficientes para indiciar ou denúnciar Bolsonaro, Moro pode entrar na mira da PGR. O ex-ministro pode ser denunciado por denunciação caluniosa ou crime contra a honra, por exemplo. Nesse caso, Moro responde a um processo na Justiça comum, em primeira instância, já que não tem foro privilegiado.
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