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Mais uma suspeita de corrupção envolvendo a negociação de vacinas contra a Covid-19 pelo Ministério da Saúde, desta vez da AstraZeneca, entrou no radar da CPI da Covid. E, nesse caso, foi seguida pela demissão nesta quarta-feira (30), do servidor citado na denúncia – o diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo publicada na noite de terça-feira (29), o empresário Luiz Paulo Dominguetti Pereira afirmou que o diretor Roberto Dias teria pedido o valor de US$ 1,00 em propina por dose da vacina da AstraZeneca/Oxford cuja compra estaria em negociação.
Dominguetti Pereira seria representante no Brasil da empresa indiana Davati Medical Supply, que teria como obter doses adicionais da AstraZeneca ao Brasil – o caso não envolve a Fiocruz, que produz no Brasil o mesmo imunizante. Ele disse ter procurado o Ministério da Saúde para negociar a importação de 400 milhões de doses prontas da vacina da AstraZeneca.
Segundo a reportagem da Folha, a proposta feita ao governo inicialmente era de US$ 3,50 por dose, e depois disso passou a US$ 15,50. O jornal informou que valor da propina chegaria a cerca de R$ 1 bilhão – embora, se a propina fosse de US$ 1,00 por dose, o valor poderia chegar a US$ 400 milhões, o que dá cerca de R$ 2 bilhões em valores atualizados.
Segundo a reportagem, a cobrança de propina para fechar o negócio teria acontecido durante um jantar em um restaurante em Brasília, no dia 25 de fevereiro. “Não estavam só eu, estavam Dias e mais dois, um militar do Exército e um empresário lá de Brasília”, afirmou o empresário Dominguetti Pereira. "O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa, muito asquerosa."
O empresário relatou ainda que Dias disse que, “para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo”, sem explicar a quem se referia. Dominguetti Pereira afirmou ter como provar que o jantar efetivamente ocorreu: “Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele”.
No dia seguinte ao jantar, os dois tiveram uma reunião oficial com o coronel Elcio Franco, que na época o secretário-executivo do Ministério da Saúde, que ainda era comandado pelo general Eduardo Pazuello. Segundo Dominguetti Pereira, Dias saiu da sala e, de fora, lhe telefonou, perguntando se “teria acerto”. Mas o negócio não foi fechado.
Diretor foi demitido do ministério
Após as denúncias se tornarem públicas, o Ministério da Saúde informou que iria demitir Roberto Dias do cargo – o que foi oficializado nesta quarta-feira (30) em edição do Diário Oficial da União. A pasta informou, contudo, que a decisão de exonerar Dias foi tomada na quarta pela manhã – antes, portanto, de a denúncia ter sido publicada.
O nome do ex-diretor Roberto Dias já tinha sido apontado pelo servidor do ministério Luís Ricardo Fernandes Miranda, irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF), como um dos integrantes do governo que lhe pressionaram para agilizar a aprovação do contrato de compra da vacina indiana Covaxin, também alvo de suspeita de corrupção.
Nomeado para o cargo de diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde em 2019, Roberto Dias é apontado como indicação política do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Na época, o ministro da Saúde era Luiz Henrique Mandetta.
Barros nega indicação, e AstraZeneca diz que não opera com intermediário
Barros negou por diversas vezes que tenha indicado Roberto Dias. "Reitero que a nomeação de Roberto Ferreira Dias no Ministério da Saúde ocorreu no início da atual gestão presidencial, em 2019, quando eu não estava alinhado ao governo. Repito a informação que já disse à imprensa: não é minha indicação. Desconheço totalmente a denúncia da Davati", disse Barros após a nova denúncia.
Em entrevista à GloboNews, Roberto Dias negou que tenha cobrado propina na negociação de vacinas.
Em nota, a AstraZeneca informou que não opera com intermediários. A farmacêutica afirmou que todas as doses de vacina do laboratório estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais, como o consórcio internacional Covax Facility.
Já a Davati, sediada nos EUA, confirmou que um de seus representantes no Brasil pediu ajuda na compra de vacinas, mas que a proposta enviada ao governo não foi respondida.
Pressão sobre o governo aumenta
A nova suspeita de corrupção sobre as negociações de vacinas já entrou no radar da CPI da Covid. Em sessão desta quarta-feira, a CPI aprovou requerimentos para ouvir Ricardo Barros, Roberto Dias e Luiz Paulo Dominguetti Pereira, dentre outras pessoas.
Desde a semana passada, quando o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Fernandes Miranda e o seu irmão, o deputado Luís Miranda (DEM-DF), afirmaram publicamente ter alertado o presidente Jair Bolsonaro sobre as suspeitas de irregularidades no contrato da Covaxin, o foco do colegiado passou a ser os possíveis casos de corrupção na compra de imunizantes.
Momentos antes da nova denúncia de corrupção envolvendo a AstraZeneca vir à tona, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, confirmou que o contrato de R$ 1,6 bilhão da Covaxin seria suspenso. Segundo Queiroga, a suspensão aconteceria por orientação da Controladoria-Geral da União (CGU) “para que análises mais aprofundadas sejam feitas”.
O caso Covaxin já rendeu um pedido de abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido de senadores. A relatora do caso é a ministra Rosa Weber, que remeteu o caso para investigação da Procuradoria Geral da República (PGR) – a quem cabe investigar o presidente.
Contudo, a PGR pediu que Rosa Weber paralise o caso e só volte a deliberar após a conclusão dos trabalhos pela CPI da Covid. A manifestação, assinada pelo vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros, argumenta que não devem haver investigações concorrentes e que a apuração feita pelos senadores tramita "com excelência".
A PGR também diz que não seria possível apresentar imediatamente uma denúncia contra Bolsonaro antes mesmo da abertura de inquérito, como solicitaram os senadores.