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O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) solicitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação que apure uma possível prática de prevaricação por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de ministros do Executivo no caso que envolve Silvio Almeida. O agora ex-ministro dos Direitos Humanos foi demitido do posto após a imprensa publicar denúncias de importunação e assédio sexual supostamente praticados por Almeida.
À Gazeta do Povo, Sanderson opinou que o governo "agiu de forma tardia diante das graves denúncias" contra Almeida. "É extremamente preocupante que um governo que se diz comprometido com a proteção das mulheres tenha permanecido inerte até ser pressionado pela mídia", avalia o parlamentar. Nesse sentido, o deputado pede que a PGR investigue o suposto crime de prevaricação de Lula e membros do seu governo.
No pedido enviado à PGR, o deputado federal justifica que: "Conforme veiculado na imprensa, diante da atual conjuntura política, teria o presidente Lula da Silva e seus ministros, em tese, retardado às apurações das práticas de assédio com objetivo de satisfazes interesses pessoais, notadamente políticos, todos em detrimento da apuração, de fato, das denúncias de assédio".
A prática descrita pelo parlamentar se enquadra no crime de prevaricação, prevista no Código Penal brasileiro. "É nesse contexto que, diante da gravidade dos fatos, solicito a Vossa Excelência que seja instaurada investigação criminal para apurar a possível prática de prevaricação por parte do presidente Lula da Silva e seus ministros, no caso de assédio sexual envolvendo o ministro dos Direitos Humanos, Sr. Silvio Almeida", complementa o deputado na solicitação endereçada a Paulo Gonet.
Na última semana, a coluna do jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, revelou denúncias de assédio e importunação sexual por parte do então ministro Silvio Almeida, inclusive contra a também ministra Anielle Franco, que comanda a pasta da Igualdade Racial. As alegações recebidas pela ONG Me Too Brasil, que acompanha casos de assédio sexual. De acordo com a organização, mulheres haviam buscado a ONG para relatar e denunciar situações de assédio por parte de Almeida.
Após a repercussão do caso, o presidente Lula e sua equipe decidiram pela demissão de Silvio Almeida. Membros da oposição, contudo, acusam o mandatário de prevaricar ao só decidir pela exoneração de Almeida após veiculação das denúncias de assédio na imprensa.
De acordo com o Metrópoles, outros ministros e funcionários do governo já tinham conhecimento das denúncias antes do caso vir à tona. Além disso, revelações feitas pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo dão conta que Lula e a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, tinham conhecimento do caso dias antes da publicação pelo veículo jornalístico.
Suposta prevaricação do caso Silvio Almeida
As denúncias contra Silvio Almeida vieram à tona no último dia 5 e a exoneração do cargo de ministro ocorreu no dia seguinte, 6 de setembro. Parlamentares da oposição e juristas levantam uma possível omissão do Planalto em tomar medidas contra Almeida diante o caso, já que Lula e membros do seu governo tinham conhecimento das denúncias antes do caso ganhar repercussão pública.
"Se algum outro ministro sabia e não denunciou, também é conivente com assédio sexual. Inadmissível esse homem se manter na pasta", criticou a ex-ministra e senadora Damares Alves, em vídeo publicado nas redes sociais na última quinta-feira (5). A solicitação feita pelo deputado Sanderson à PGR busca investigar se Lula realmente já tinha conhecimento sobre o caso.
O deputado Evair de Melo (PP-ES) também protocolou um requerimento na Câmara dos Deputados solicitando à PGR a abertura de uma investigação para apurar a omissão de Lula nas denúncias contra Silvio Almeida.
Apesar dos apontamentos, a advogada criminalista Emanuela de Araújo Pereira avalia que possivelmente as solicitações não resultem em uma investigação, tendo em vista que as denúncias já culminaram na demissão do ministro.
"O presidente procedeu a demissão de Silvio de Almeida após robustos indícios de assédio sexual. Por outro lado, há que se considerar o princípio da presunção de inocência, princípio este cardeal do nosso sistema penal", explica a advogada. O crime de prevaricação, cometido por funcionário público, pode render detenção de três meses a um ano, e multa.
A Gazeta do Povo buscou a Secretária de Comunicação da Presidência para comentar sobre os requerimentos enviados à PGR mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
Pautas identitárias têm gerado problemas para Lula
O presidente Lula retornou ao Planalto em 2023 com discursos marcadas por pautas alinhadas à esquerda, entre eles aqueles voltados para o empoderamento feminino e a igualdade de gênero. O tema, contudo, foi motivo de críticas ainda nos primeiros meses deste terceiro mandato, quando o petista anunciou um time de ministros formado majoritariamente por homens.
Dos 37 ministérios adotados por Lula naquele momento, apenas 11 eram chefiados por mulheres. Apesar do número ainda significante em relação a seus antecessores, ficou aquém da igualdade defendida por Lula durante sua campanha.
Para Ubiratan Sanderson, as denúncias de assédio contra Silvio Almeida voltam a reforçar a dificuldade do governo em lidar com esta pauta.
"O discurso de Lula sobre direitos humanos e igualdade de gênero perde toda a credibilidade quando confrontado com atitudes como essa. O governo precisa ser honesto sobre suas intenções e políticas", pontua o parlamentar.
Para ocupar o lugar de Silvio Almeida à frente do Ministério dos Direitos Humanos, Lula indicou a deputada estadual Macaé Evaristo (PT-MG).
A parlamentar mineira foi escolhida pelo mandatário após uma reunião na tarde desta segunda-feira (9) e conversas de Lula com membros do PT, que queriam mais espaço na Esplanada.
A escolha de uma mulher para assumir a pasta foi celebrada por apoiadores de Lula, mas o nome de Macaé tem levantado uma série de dúvidas, já que a parlamentar é ré em um processo que corre na Justiça de Minas Gerais sob acusação de superfaturamento na compra de uniformes escolares. A futura ministra nega as acusações.
Macaé Evaristo negou qualquer irregularidade durante sua gestão na secretaria de Educação de Belo Horizonte e disse ao jornal O Estado de S. Paulo que segue “tranquila e consciente do compromisso com a transparência e correta gestão dos recursos públicos”.
De acordo com Macaé, a licitação dos uniformes escolares não foi realizada diretamente pela sua pasta, e foi validado pela Procuradoria do município. Ela também lembrou que ainda não houve decisão judicial no processo e afirmou que sempre colaborou com a Justiça.
O que Silvio Almeida disse sobre as denúncias de assédio sexual
Na semana passada, o então ministro dos Direitos Humanos afirmou, por meio de nota, que "toda e qualquer denúncia deve ter materialidade" e "ser investigada com todo o rigor da Lei". No entanto, ele disse que vê as acusações como "ilações absurdas" feitas com o "único intuito" de prejudicá-lo. "Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma. Mais uma vez, há um grupo querendo apagar e diminuir as nossas existências, imputando a mim condutas que eles praticam", disse.
Almeida ainda chegou a afirmar que "há uma campanha para afetar" sua imagem enquanto "homem negro em posição de destaque no Poder Público, mas estas não terão sucesso". "Isso comprova o caráter baixo e vil de setores sociais comprometidos com o atraso, a mentira e a tentativa de silenciar a voz do povo brasileiro, independentemente de visões partidárias", acrescentou.
Na época, ele disse que encaminhou ofícios para a Controladoria-Geral da União, ao Ministério da Justiça e à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que façam uma "apuração cuidadosa" do caso. "Quaisquer distorções da realidade serão descobertas e receberão a devida responsabilização. Sempre lutarei pela verdadeira emancipação da mulher, e vou continuar lutando pelo futuro delas. Falsos defensores do povo querem tirar aquele que o representa. Estão tentando apagar a minha história com o meu sacrifício", disse.
Além disso, o Ministério dos Direitos Humanos havia publicado também informações sobre uma divergência antiga entre a pasta e a organização Me Too Brasil, que recebeu os relatos de assédio. De acordo com o ex-ministro, as denúncias de assédio sexual seriam uma tentativa de interferência da ong Me Too Brasil no processo de licitação para a gestão do Disque 100. As notas foram apagadas do site do MDH após a demissão de Almeida.
Com posicionamento semelhante, o Instituto Luiz Gama, que tem o ex-ministro como um dos fundadores, afirmou que havia um “movimento organizado de mentiras para derrubá-lo". No Instagram, a entidade divulgou uma nota sobre as acusações contra Almeida. "Se alguém tinha dúvida, agora não há mais. Há um movimento organizado por meio de mentiras para derrubar Silvio Almeida e tirá-lo à força do jogo político". O ministro foi primeiro presidente do Instituto Luiz Gama.
A entidade afirmou ainda que, "infelizmente, há pessoas negras" que também "tramam" contra o ministro. "Muitas pessoas mesquinhas e racistas não querem um ministro negro. Infelizmente, há pessoas negras que também não querem, gente que há muito tempo trama contra ele e reclama que está sendo ofuscada por ele”, dizia o comunicado.
Uma nova nota foi publicada por Almeida e compartilhada também na página do insituto na sexta-feira (6), data em que Lula decidiu pelo desligamento dele do cargo no MDH.
"Em conversa com o Presidente Lula, pedi para que ele me demitisse a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência. Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua [...] Em razão da minha luta e dos compromissos que permeiam minha trajetória, declaro que
incentivarei indistintamente a realização de criteriosas investigações. Os esforços empreendidos para que tenhamos um país mais justo e igualitário são frutos de lutas coletivas e não podem sucumbir a desejos individuais. Sou o maior interessado em provar a minha inocência. Que os fatos sejam postos para que eu possa me defender dentro do processo legal", diz um trecho da nova nota de Almeida.