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O Congresso Nacional tem até junho de 2025 para atualizar o número de deputados federais por estado. O prazo foi estabelecido em agosto de 2023 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação movida pelo estado do Pará em março de 2017.
O tema, no entanto, está causando uma queda de braço entre as bancadas estaduais e há chances de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acabar alterando a composição da Câmara por meio de uma resolução. Uma das propostas debatidas prevê, por exemplo, que Santa Catarina ganharia quatro assentos, em detrimento do Rio de Janeiro, que perderia quatro deputados (veja a lista no final da reportagem).
Caso uma atualização não seja aprovada pelo Congresso até a data-limite, o STF já autorizou o TSE a alterar o número de deputados de acordo com os dados demográficos coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo 2022.
A atual distribuição dos 513 deputados não é alterada desde 1993, mesmo com as mudanças na demografia brasileira. Desde então, mais de uma dezena de propostas de alteração na distribuição e até mesmo no número de deputados já foram apresentadas. A maioria delas, porém, enfrenta resistência, especialmente nos casos em que estados perderiam representantes.
De acordo com a Constituição Federal, a representação popular na Câmara dos Deputados deve ser proporcional à população de cada estado, obedecendo os limites de oito deputados para os estados menos populosos e de 70 para os mais populosos. Há ainda a previsão de que os ajustes sejam realizados ao menos um ano antes das eleições para entrarem em vigor, seguindo o princípio da anualidade eleitoral.
Para o autor de um dos projetos sobre o assunto, o deputado Rafael Pezenti (MDB-SC), a alteração é uma questão de justiça. “Já faz 31 anos que as bancadas não são atualizadas como deveriam. Precisamos fazer justiça. Há uma discrepância muito grande que precisa ser corrigida”, disse o deputado.
O texto apresentado por Pezenti prevê a redistribuição dos 513 deputados, fazendo com que sete estados ganhem representantes e outros sete tenham a representação reduzida. Ele representa Santa Catarina, um dos estados que pode ganhar quatro vagas.
O Projeto de Lei Complementar 148/2023, de autoria deke, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. A votação, inicialmente prevista para o dia 27, foi adiada devido a um pedido de vista conjunta, especialmente articulado por deputados do Rio de Janeiro, estado que pode perder quatro vagas caso a proposta seja aprovada.
Propostas preveem diversas formas de alterar composição da Câmara
Na ação no STF que norteia os debates sobre a composição da Câmara, o Pará alega que o Congresso tem sido omisso ao não regulamentar a representação de cada estado, nem definir critérios que devem ser utilizados para ajustar essa representação.
“Essa situação de omissão e mora legislativa vem prejudicando sobremaneira o estado do Pará, que desde o ano de 2010, pelo menos, faz jus a representação de mais quatro deputados federais, em razão do aumento de sua população. [...] Fator que implica também na violação do pacto federativo, na medida em que desequilibra a representação dos estados na Câmara”, aponta o estado na petição inicial da ação.
Diante da necessidade de legislar sobre o assunto, diversas propostas já tramitam no Congresso, prevendo a atualização das bancadas. Uma das mais antigas, que ainda tramita na Câmara, é a do ex-deputado Reguffe (PDT-DF). O Projeto de Lei Complementar 156/2012 pretende reduzir o número de deputados para 300. Em sua justificativa, Reguffe apontou que o atual número de deputados é excessivo. “Não existe democracia nem Estado Democrático de Direito sem um poder legislativo forte e atuante. Mas para ser forte e atuante, o poder legislativo não precisa ser ‘gordo’ ou ‘inchado’”, escreveu Reguffe em 2012.
Outras propostas, preveem, por exemplo, que o número de representantes por estado não poderá ser reduzido, possibilitando apenas o aumento das bancadas. Essa proposta é defendida, em especial, pela bancada do Rio de Janeiro.
A proposta que está para ser votada na CCJ prevê que sete estados ganhem representantes e outros sete tenham a representação reduzida. Na lista dos que perdem estão Bahia, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Sul, que cederiam duas vagas, Alagoas e Pernambuco, que teriam menos uma cadeira, e Rio de Janeiro, que teria a bancada com menos quatro vagas e seria o mais prejudicado.
Doze estados e o Distrito Federal não serão afetados caso a atualização seja aprovada. Pará e Santa Catarina ganhariam quatro vagas; o Amazonas teria mais duas; Ceará, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais contariam com mais uma cadeira.
Além da mudança na Câmara dos Deputados, nos estados, as assembleias legislativas também teriam as bancadas aumentadas ou reduzidas de acordo com as alterações feitas na Câmara. Isso ocorre pois a Constituição determina que assembleias tenham o triplo da representação que os seus respectivos estados têm na Câmara, se o número de deputados federais for igual ou menor que 12.
O advogado Lucas Rodrigues, especialista em direito administrativo, explica que, quando a bancada de um estado tem mais de 12 deputados federais, triplica-se os 12, chegando portanto a 36, e soma-se a isso a quantidade de deputados federais que o estado tem além dos 12 inicialmente contabilizados. São Paulo, por exemplo, tem 70 deputados federais e 94 estaduais.
Representatividade é afetada pela atual distribuição das vagas na Câmara
Diferentemente do Senado, em que os senadores representam as unidades da federação em número igual (três), a Câmara dos Deputados é o reflexo da representação populacional. No entanto, de acordo com a ação movida pelo estado do Pará junto ao STF, a falta de atualização das bancadas estaduais de acordo com o número de habitantes tem prejudicado a sua população.
Ao debater a matéria na CCJ, deputados tem exposto uma série de argumentos sobre o tema. Para o deputado Éder Mauro (PL-PA), representante de um dos estados que ganharia quatro vagas, a proposta que muda a composição da Câmara precisa avançar. “Injustiça, especialmente com os estados do Norte, nós não podemos aceitar. Há 10 anos o Pará tem quatro vagas roubadas dele”, defendeu o deputado.
Já para a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), que representa o único estado que perderia quatro vagas com o texto em discussão na CCJ, não está se levando em conta a representatividade.
“Eu vou lembrar como surgiu o número de 513 deputados. Lá atrás, quando a população brasileira era, segundo o IBGE, de 147 milhões de brasileiros, esse foi o número decidido na Constituição Federal, só que hoje a população brasileira aumentou 38%. Isso significa dizer que nós somos 203 milhões de brasileiros. [...] A representatividade, por exemplo, dos nossos estados fica absolutamente comprometida”, pontuou a deputada.
Deputados contrários a mudanças na composição questionam dados do Censo
Um dos argumentos contrários à proposta de redistribuição das vagas é o de que haveria problemas na contagem da população feita pelo IBGE no Censo. Deputados afirmam que os recenseadores não chegam em todas as comunidades do Rio de Janeiro ou até ribeirinhos que vivem em regiões isoladas da Amazônia, por exemplo.
Durante os debates, o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) afirmou que o Censo “não tem efetividade” e que é “questionável”.
“Esse Censo já é questionado por diversos prefeitos no Brasil. Há cidades que têm mais eleitores do que moradores. Esse Censo não tem efetividade nas prefeituras, porque ele está sendo questionado por diversos prefeitos dos 5.500 municípios. Como é que nós pegamos esse Censo que é questionável e aplicamos esse Censo na redistribuição da nossa bancada dos estados representados? Um Censo que altera e pode prejudicar alguns estados e beneficiar outros estados?”, questionou o deputado do Rio de Janeiro.
A deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) também usou o argumento de que o Censo estaria errado e, portanto, que o STF estaria equivocado em sua decisão. “Nós estamos falando de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que foi tomada com base no Censo de 2022, Censo esse que foi reformado em 2024. Desde 2022, esse Censo já estava errado. Portanto, a decisão do Supremo é equivocada. E o relatório é feito em função desses números”, disse a deputada.
A deputada Chris Tonietto (PL-RJ) também questionou a forma como o Censo é realizado. “No Rio de Janeiro, eu quero saber quem vai fazer o Censo de forma adequada dentro do Complexo da Maré, do Complexo do Alemão, da Rocinha. Então, não podemos partir de algo que já vai ser injusto”, disse.
O deputado relator da proposta que tramita na CCJ, Capitão Alberto Neto (PL-AM), no entanto, argumentou que mesmo quando levados em conta os Censos anteriores, o Rio de Janeiro perderia representantes, o que reforçaria a necessidade de mudança da composição da Câmara.
“Os deputados do Rio de Janeiro estão questionando o Censo. Se eu pegar o Censo de 2010, o Rio de Janeiro já perderia três deputados federais. Então, já existe uma discrepância há muito tempo, e a democracia está sendo prejudicada”, disse o deputado.
A Gazeta do Povo tentou contato com o IBGE para saber se houve contestação dos dados do último Censo e quais estados ou municípios o fizeram, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
Deputados estão preocupados com ativismo judicial
A atuação de presidente da CCJ, Caroline De Toni (PL-SC), ao pautar e colocar a proposta em votação foi criticada. Parlamentares argumentaram que a tentativa de fazer a proposta avançar decorreria do interesse dela em fazer com que o seu estado seja beneficiado. A presidente, no entanto, contesta as críticas afirmando que a matéria precisa ser apreciada sob pena de o Legislativo deixar de exercer sua competência, se omitindo sobre a matéria.
O deputado Pezenti também enfatizou a competência do legislativo para tratar do tema. “Existe uma reclamação, justa, por parte do Congresso, do ativismo judicial. Será que vamos deixar para a Justiça mais uma vez a decisão sobre um tema que nós temos a incumbência de discutir?”, questionou o catarinense.
Para o mestre e doutor em Direito Constitucional, Rubens Beçak, a alteração por meio do legislativo é pertinente. “A atualização feita por outros modos, como se tentou já, por meio de resolução do Tribunal Superior Eleitoral há alguns anos, foi entendida como inconstitucional. Eu acho que é algo oportuno e que atenderia ao que é realmente o sentido da representação na Câmara dos Deputados”, disse Beçak.
O tema do ativismo judicial tem sido uma das pautas mais enfrentadas por deputados da direita brasileira. No entanto, a proposta que muda a composição da Câmara tem unido parlamentares da esquerda ao discurso.
"Não adianta nós dizermos que o Judiciário está legislando. Aqui se trata de omissão. Nós precisamos avançar numa proposição e cumprir o nosso papel, o papel de quem determina as regras do jogo, inclusive para que os tribunais se comportem a partir da decisão do Congresso. Se não fizermos isso, não poderemos reclamar, porque o Tribunal Superior Eleitoral terá que decidir" disse o deputado Airton Faleiro (PT-PA) ao defender o debate sobre a proposta no plenário da Câmara em agosto.
Ao mesmo tempo, deputados da direita tem defendido que o debate seja ampliado, o que pode fazer com que o prazo dado pelo STF não seja cumprido. A proposta precisa ser aprovada na CCJ, no plenário da Câmara e ainda seguir para tramitação no Senado. Além disso, o texto precisa ser sancionado pelo presidente da República.
Para o cientista político Tiago Valenciano, os deputados têm se pautado por uma "questão de sobrevivência" ao tratar do tema. "A 'incoerência' observada pela questão política pode ser compreendida em virtude do espaço de atuação destes deputados, podendo ter correlação direta entre os estados que representam. Portanto, não vejo uma ligação ativismo/questão política neste caso, mas somente uma sobrevivência política clara: menos cadeiras, menor é a chance de eleição", avaliou Valenciano.
Deputados querem comissão especial para tratar da composição da Câmara
Diante das divergências, deputados propuseram que uma comissão especial seja criada para debater a melhor forma de alterar a composição das bancadas dos estados na Câmara, respeitando a representação da população. A deputada Dani Cunha apresentou um requerimento com esse intuito.
“Nós acreditamos que a matéria precisa, sim, ser enfrentada, porém, numa Comissão Especial, onde haja um amplo debate de todos os lados, ‘quem ganha ou quem perde’. O assunto não é sobre ganhar ou perder, é sobre um recenseamento justo e sobre um debate amplo no seu devido espaço de tempo”, disse a deputada Dani Cunha.
A criação da comissão, no entanto, depende de despacho do presidente da Casa. Neste sentido, a deputada enfatizou ainda que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já teria sinalizado que concorda com a criação da comissão. Alagoas é um dos estados que perderá uma vaga, caso o texto apresentado pelo deputado Pezenti seja aprovado.
O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), cotado como o sucessor de Lira na presidência da Câmara, também é representante de um estado que perderá vagas com a redistribuição proposta – pelo texto, a Paraíba perderá dois assentos.
Deputados da Bahia têm se somado aos apelos pela criação de uma comissão especial. O deputado Bacelar (PV-BA), que é vice-líder do governo, falou sobre a distorção na representação e reforçou o pedido pela criação de uma comissão especial. “O governo acha que se deveria, como o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, já falou, criar uma comissão especial”, disse Bacelar.
Apesar dos pedidos para que os debates continuem, o autor da proposta avalia que há votos para aprovar o seu texto. “Quando formos ao plenário, teremos 96 deputados de estados que ganharão cadeiras. Se juntarmos a esses mais os 245 deputados de estados que não terão alteração, dos quais as bancadas já estão no piso ou no teto estabelecido pela Constituição, temos um total de 341 parlamentares dispostos, em tese, a votar favorável à nossa proposta. Precisamos de apenas 257 votos”, apontou Pezenti.
Confira como ficam as bancadas, caso a alteração na composição da Câmara seja aprovada:
Alagoas: 8 deputados (variação -1)
Piauí: 8 deputados (-2)
Mato Grosso: 9 deputados (+1)
Amazonas: 10 deputados (+2)
Paraíba: 10 deputados (-2)
Goiás: 18 deputados (+1)
Santa Catarina: 20 deputados (+4)
Pará: 21 deputados (+4)
Ceará: 23 deputados (+1)
Pernambuco: 24 deputados (-1)
Rio Grande do Sul: 29 deputados (-2)
Bahia: 37 deputados (-2)
Rio de Janeiro: 42 deputados (-4)
Minas Gerais: 54 deputados (+1)