A cansativa sessão da Câmara dos Deputados da última quarta-feira (22), em que o governo conseguiu a aprovação da reestruturação administrativa, mas viu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) deixar o Ministério da Justiça, foi marcada não apenas pelo resultado das votações, mas também pela bronca pública do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em alguns deputados governistas.
O sermão ocorreu porque um grupo de parlamentares do PSL subiu ao mesmo tempo à tribuna da Câmara para transmitir ao vivo (live) pelas redes sociais o discurso do deputado Filipe Barros (PSL-PR). "Peço que, o parlamentar que for à tribuna, utilize da tribuna sozinho. A imagem com cinco, seis, sete, oito parlamentares no entorno não é a imagem que [a Câmara] deve passar para sociedade”, disse Maia.
Com os celulares em punho, os deputados se apressaram em abrir lives para conversar com seus eleitores tão logo a votação foi concluída. O episódio reavivou o debate sobre o uso das redes sociais durante os trabalhos legislativos.
Tanto pelos avanços tecnológicos, que democratizaram as tecnologias, quanto pelo entendimento de que as redes fazem parte do que se convencionou chamar de “nova política”, a utilização de plataformas como Facebook, Twitter e Instagram, que já era frequente no Parlamento, passou a ser praticamente uma regra dentro do Congresso Nacional.
Contribuiu para a ampliação do uso das redes sociais o fato de que parte dos novos parlamentares ganhou visibilidade no jogo político justamente por conta da internet. O grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL), por exemplo, tem muitos representantes que se encaixam nesta categoria. Não pertencentes a focos tradicionais de mobilização política, como sindicatos, entidades estudantis ou partidos políticos, eles viram nas redes um caminho para dialogar diretamente com a população.
O quadro, como esperado, desperta elogios e críticas. Os defensores do movimento celebram o contato mais ágil e sem intermediação com o eleitorado, e também a possibilidade de que o parlamento preste contas de suas atividades de forma mais efetiva. Já os críticos dizem que o processo pode levar a um “deslumbre” por parte dos deputados e por uma preocupação superior com as redes do que com os compromissos reais.
Caçadores de pokémons?
Uma das contestações mais pesadas ao suposto uso excessivo das redes sociais veio por parte do deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), em seu segundo mandato na Câmara. No dia 5 de abril, Coelho escreveu a seguinte mensagem em seu perfil no Twitter: “Sem desconsiderar honrosas e boas excessões [sic], parte da renovação política trouxe caçadores de pokemons para o Congresso. Não atuam em plenário ou comissões, não participam de nada. Passam o dia todo fazendo selfs [sic] e comentando os fatos como se nada tivessem para fazer ali”. A mensagem foi ‘retuitada’ 300 vezes e recebeu mais de 1,7 mil curtidas.
À Gazeta do Povo, o deputado disse que sua crítica foi direcionada aos colegas que utilizam as redes sociais para se portarem como comentaristas, atuando como se não tivessem nada a ver com o trabalho parlamentar.
“A pessoa abre a rede social e age como se fosse um comentarista, como se estivesse de fora. Tira foto, faz selfie, constrói um verdadeiro mundo paralelo”, afirmou. O pernambucano conta que não foi contestado pelos colegas por conta da mensagem: “ninguém ia vestir a carapuça e dizer que foi atingido com o que eu falei ali”.
Coelho cita dois deputados de primeiro mandato que, em sua opinião, fazem bom uso das redes sociais e, portanto, estão fora de sua crítica: Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PDT-SP). “São dois, um mais à direita e outra mais à esquerda, que estão sempre nas redes, mas para contato com o eleitor, para passar informações, não apenas para aparecer”, declarou.
Para Coelho, no entanto, o cenário está menos pior do que o registrado no início da legislatura, por causa da influência dos eleitores. "As pessoas começaram a se enjoar de ver os parlamentares apenas colocando ali a foto ou vídeo. E perguntaram: ‘sim, e o que você, que está aí, vai fazer para mudar isso?’. Então, aos poucos, os deputados estão sentindo esse cansaço do eleitor”.
Com mais de 29 mil seguidores no Instagram, 23 mil no Twitter e 191 mil “curtidores” no Twitter, Coelho é também um usuário convicto das redes sociais. “Sem dúvida, as redes têm uma grande influência no meu trabalho. Às vezes, sou abordado por pessoas que dizem me seguir no Twitter e eu não teria como reconhecer porque lá elas não usam foto nem nome real. É uma situação positiva”, destacou.
Conservadores são os maiores influenciadores
Levantamento elaborado em abril pela assessoria FSB comprovou que os novatos têm exercido expressiva influência no debate político das redes sociais. Entre os 20 parlamentares mais influentes segundo a assessoria, em relação que inclui deputados federais e senadores, estão oito que exercem atualmente seus primeiros mandatos em Brasília.
A direita é quem dá as cartas: as sete primeiras posições do levantamento são de políticos de ideologia conservadora – Joice Hasselmann (PSL-SP), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Sargento Fahur (PSD-PR), Kim Kataguiri (DEM-SP), Marco Feliciano (Podemos-SP), Carla Zambelli (PSL-SP) e Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
“As redes sociais são, hoje, um grande termômetro para sabermos se a população está gostando do nosso trabalho”, diz Zambelli. A chegada da parlamentar a Brasília passa muito pelo uso da internet – a hoje deputada tornou-se conhecida à época das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, quando liderou o movimento Nas Ruas, que convocava protestos via redes sociais.
A deputada relata que tem utilizado a internet também como um indicador de como se portar em questões polêmicas. “A internet não vai mudar meu posicionamento em questões essenciais – por exemplo, não vou deixar de apoiar o Bolsonaro se eventualmente me pedirem. Mas levo em conta a opinião em outros casos”, disse.
Como exemplo, Zambelli relata seu voto na controversa votação que derrubou a validade de um decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão que ampliava o sigilo sobre documentos oficiais. “Foi a única ocasião em que votei contra o governo, porque percebi que era o desejo do eleitorado”, disse.
A decisão de Zambelli foi semelhante a adotada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO) na época da eleição para presidente do Senado. Na ocasião, o parlamentar abriu enquetes em seu perfil no Facebook para pedir aos eleitores a indicação de como escolher o comandante da casa. Acabou ficando com Davi Alcolumbre (DEM-AP), que venceu a disputa.
Tumultos e bate-bocas virtuais
A relação das redes sociais com os deputados é marcada também por disputas entre parlamentares que integram os mesmos grupos. O PSL de Jair Bolsonaro já teve brigas públicas que tiveram como palco as redes. A contenda mais recente é entre Zambelli e a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann.
Zambelli cobrou publicamente de Joice empenho para a aprovação da Medida Provisória 870, que define o tamanho da estrutura ministerial. Ela também disse que a líder não estava se mobilizando para que o Coaf permanecesse sob o comando do Ministério da Justiça. As duas começaram então uma troca de ofensas, que contou até com uma acusação feita por Joice de que Zambelli praticaria nepotismo cruzado.
Outra disputa interna no PSL via internet foi entre Eduardo Bolsonaro e Alexandre Frota, ambos de São Paulo. O ex-ator ironizou a filiação do apresentador José Luiz Datena ao partido; em resposta, o filho do presidente disse que Frota “foi eleito na carona de Bolsonaro” e que “só fala mal da direita”. Em briga anterior, os goianos Major Vitor Hugo e Delegado Waldir trocaram farpas por conta da liderança do governo na Câmara, exercida por Hugo e questionada dentro e fora do PSL.
Mas uma das mais notórias brigas que envolveu o uso das redes sociais – e a transmissão de imagens em tempo real – não foi entre integrantes da direita, e sim entre uma das principais defensoras de Bolsonaro no Congresso e uma figura de destaque da oposição.
Durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça para discussão da reforma da Previdência, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) questionou a presença da deputada Joice Hasselmann na mesa diretora, do colegiado, pelo fato de a parlamentar governista não ser integrante da CCJ. Uma discussão se instalou e Joice sacou o celular para filmar Rosário, o que gerou ainda mais questionamentos por parte da petista. Aliada de Joice, Bia Kicis (PSL-DF) ironizou a reclamação: “Ai, meu Deus, a @joicehasselmann pegou um celular e gravou as deputadas. Socorro! Kkkkkk”.
Houve ainda tumulto quando sessões a portas fechadas foram transmitidas por deputados em suas redes sociais. Uma delas foi registrada pelo deputado Capitão Augusto (PR-SP), em um encontro reservado de parlamentares com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O incidente fortaleceu a discussão sobre os limites do uso das redes por parte dos parlamentares – e este debate prossegue inconcluso.
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