Homem, jovem, negro, com ensino fundamental incompleto e solteiro. Esse é o perfil básico dos assassinados no Brasil na última década, segundo o Atlas da Violência divulgado nesta quarta-feira (05). O documento mostra que essas pessoas morrem principalmente por armas de fogo, nas ruas, nos meses mais quentes do ano e geralmente aos sábados, entre 18 horas e 2 horas da madrugada.
Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados oficiais do Sistema de Informações Sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. O perfil traçado no documento leva em consideração 618 mil homicídios ocorridos no Brasil entre 2007 e 2017.
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Segundo o documento, em 91,8% dos assassinatos cometidos no Brasil nos 10 anos analisados, a vítima era um homem. Os pesquisadores destacam ainda que há uma maior probabilidade de ocorrência de homicídios entre os homens mais jovens, em que o pico de assassinatos se dá aos 21 anos de idade – 55% dos homens vítimas de homicídio têm entre 15 e 29 anos. No caso das mulheres, o pico de idade das vítimas de homicídio no Brasil vai dos 18 aos 30 anos.
Mulheres e homens negros também são mais assassinados no Brasil do que os que têm outra cor de pele, segundo o Atlas da Violência. Nos últimos 10 anos, negros foram 73,1% dos homens assassinados no país. Entre as mulheres, a população negra está entre 63,4% das vítimas de homicídios no período.
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Em relação à escolaridade, o pico de assassinatos, tanto para homens quanto para mulheres, é de vítimas com quatro a sete anos de estudo. A maior parte das vítimas de homicídio também é solteira, chegando a um percentual de 80,4% para os homens solteiros e de 70,9% para as mulheres solteiras.
Mortes por arma de fogo, na rua, aos sábados, em meses quentes
Sem levar em conta os casos em que o meio utilizado para matar não foi identificado, 76,9% dos homicídios masculinos foram cometidos com a utilização de arma de fogo nos últimos 10 anos. No caso das mulheres, esse índice é de 53,8%.
Considerando apenas os incidentes cujos locais eram conhecidos, a maior proporção de homicídios ocorreu em via pública (rua ou estrada), onde 68,2% dos homens são assassinados; e 44,7% das mulheres.
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O Atlas da Violência também mostra maior incidência de casos de homicídios nos meses mais quentes do ano. Segundo os pesquisadores, isso tem a ver com períodos de maior interação social. O dia da semana com mais casos de assassinatos registrados no Brasil é o sábado – tanto para homens quanto para mulheres.
O estudo também sugere que há uma maior probabilidade de ocorrência de homicídios entre os homens no intervalo compreendido no período das 18h às 2h, enquanto o comportamento para as mulheres é mais uniforme ao longo do dia.
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Juventude perdida
Apenas em 2017, 35,7 mil jovens foram assassinados no país – uma taxa de 69,9 homicídios a cada 100 mil jovens. Isso torna o assassinato a principal causa da morte de jovens no Brasil. Em relação a 2016, houve um aumento de 6,7%, segundo o Atlas da Violência.
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A situação é mais dramática para essa parcela da população em 15 estados brasileiros, onde a taxa de homicídios a cada 100 mil jovens é ainda maior que a média nacional. Em 2017, os estados com as maiores taxas de homicídios entre jovens foram Rio Grande do Norte (152,3 assassinatos a cada grupo de 100 mil pessoas), Ceará (140,2) e Pernambuco (133,0). Já as três taxas mais baixas foram as dos estados de São Paulo (18,5), Santa Catarina (30,2) e Piauí (38,9).
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Observando especificamente o grupo dos homens jovens, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes chega a 130,4 em 2017. Dos 35,7 mil jovens assassinados em 2017, 94,4% eram do sexo masculino. Considerando-se apenas os jovens do sexo masculino, os três estados com maiores taxas foram Rio Grande do Norte (281,9), Ceará (262,6) e Pernambuco (255,4). Já as menores taxas são observadas em São Paulo (33,3), Santa Catarina (53,6) e Mato Grosso do Sul (72,3).
A etnia também é um fator de risco no Brasil
Os pesquisadores afirmam que, no Atlas da Violência de 2019, foi possível verificar a “continuidade do processo de aprofundamento da desigualdade racial nos indicadores de violência letal no Brasil”. Só em 2017, segundo o documento, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros, sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1. Já a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16. Ou seja, proporcionalmente às respectivas populações, para cada indivíduo não negro que foi assassinado em 2017, aproximadamente, 2,7 negros foram mortos.
Os cinco estados com maiores taxas de homicídios de negros são do Nordeste. Em 2017, o Rio Grande do Norte apresentou a taxa mais alta, com 87 mortos a cada 100 mil habitantes negros, mais do que o dobro da taxa nacional, seguido por Ceará (75,6), Pernambuco (73,2), Sergipe (68,8) e Alagoas (67,9).
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No período de 10 anos, o assassinato de negros cresceu 333,3% no Rio Grande do Norte. Seguindo a lista, outros estados com crescimento acentuado desse índice no mesmo período foram o Acre (276,8%), o Ceará (207,6%) e Sergipe (155,9%).
Apesar do cenário trágico, oito estados conseguiram reduzir a taxa de homicídios de negros nos últimos 10 anos: São Paulo (-40,7%), Distrito Federal (-40,4%), Espírito Santo (-18,1%), Rio de Janeiro (-12,9%), Paraná (-11,9%), Mato Grosso do Sul (-11,4%), Minas Gerais (-4,9%) e Pernambuco (-0,9%). O Paraná continua sendo o único estado a observar taxa de homicídio de não negros superior à de negros: 26,5 contra 19.
Caso de Alagoas é emblemático, mostra o estudo
A desigualdade racial dos homicídios fica evidenciada no caso de Alagoas. Na última edição do Atlas, o estado apresentava a maior diferença na letalidade entre negros e não negros. Esse fosso foi ampliado ainda mais em 2017, quando a taxa de homicídios de negros superou em 18,3 vezes a de não negros.
Já a taxa de homicídios de não negros no estado é de 3,7 mortos a cada 100 mil habitantes deste grupo. “Em termos de vulnerabilidade à violência, é como se negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, ressaltam os pesquisadores.
A disparidade nas chances de assassinatos entre negros e não negros também foi observada na Paraíba (6,6 vezes maior no caso dos negros), no Ceará (5,9 vezes), no Rio Grande do Norte (5,8 vezes) e Sergipe (4,3 vezes).
Violência contra a população LGBT
Pela primeira vez, o Atlas da Violência traz dados sobre o assassinato da população LGBT no país. Os dados foram colhidos a partir de registros no Disque 100 – canal que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos relacionados a vários grupos, como crianças, idosos, LGBT, entre outros – e no Sistema de Vigilância de Violências (Sinan) – órgão do Ministério da Saúde que capta dados de violência nos serviços de saúde do Brasil.
Segundo os pesquisadores, há evidências que apontam para o aumento de casos de violência contra a população LGBT no país. Os dados do Disque 100 mostram que, no que se refere às denúncias de homicídio contra a população LGBT, verificou-se um forte crescimento nos últimos seis anos, saindo de um total de 5 casos, em 2011, para 193 casos, em 2017. Apenas no último ano houve um crescimento de 127%, segundo o documento.
Para além dos números de registros, o Sinan permite ainda uma análise sobre o perfil socioeconômico da vítima e sobre o sexo do autor da violência. Segundo os dados disponíveis, em mais de 70% dos casos de violência contra a população LGBT ocorridos em 2015 os autores eram do sexo masculino; mais de 90% dos casos ocorreram em áreas urbanas; cerca de 60% dos casos acometem solteiros; e a maioria dos casos vitimam homo ou bissexuais do sexo feminino.
O que precisa ser feito
Além de apontar o cenário da violência no Brasil, o Atlas da Violência também traz sugestões para lidar com os altos índices de homicídios observados no país. Os pesquisadores apontam para a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios entre jovens, principal grupo vitimado pelas mortes violentas intencionais.
“Nesse ponto, é fundamental que se façam investimentos na juventude, por meio de políticas focalizadas nos territórios mais vulneráveis socioeconomicamente, de modo a garantir condições de desenvolvimento infanto-juvenil, acesso à educação, cultura e esportes, além de mecanismos para facilitar o ingresso do jovem no mercado de trabalho”, afirmam os pesquisadores.
“Inúmeros trabalhos científicos internacionais, como os do Prêmio Nobel James Heckman mostram que é muito mais barato investir na primeira infância e juventude para evitar que a criança de hoje se torne o criminoso de amanhã, do que aportar recursos nas infrutíferas e dispendiosas ações de repressão bélica ao crime na ponta e encarceramento”, completam.
O estudo também aponta para a necessidade de mudança na ênfase do trabalho policial para um modelo baseado em investigação e inteligência, em detrimento do trabalho ostensivo e repressão ao varejo de drogas. O Atlas da Violência ressalta que o índice de elucidação de crimes nos estados – onde se computa essa taxa – é baixo, assim como as taxas de investigação de homicídios.
“O homicida contumaz ou o criminoso que causa mais danos e medo à sociedade só como exceção à regra será preso pelo policiamento ostensivo nas ruas, mas apenas por um prévio trabalho de investigação e inteligência. Enquanto isso, alocamos nossos recursos para prender e superlotar os presídios com presos de baixa qualidade, geralmente nos flagrantes das ruas, que ajudam a dinamizar as facções penais”, analisam os pesquisadores.
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