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Cerca de cinco anos após a conclusão do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e cumprindo prisão domiciliar por condenações na Lava Jato, o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) tenta reescrever a história da queda da petista. Ele lança neste sábado (17) o livro "Tchau, querida – o Diário do Impeachment", escrito em conjunto com a filha Danielle, que promete trazer à tona novos detalhes e bastidores do ocaso de Dilma. "Não é que todos já deram as suas versões e falta a dele; não, faltava a principal versão da história", disse Danielle, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
A filha de Cunha, que é publicitária e auxiliou o emedebista em sua candidatura vitoriosa à presidência da Câmara em 2015, define o pai como "uma pessoa extremamente honesta" e "um grande injustiçado". "Eduardo Cunha é uma capa de processo muito complicada", afirmou. Segundo Danielle, as acusações contra o ex-deputado fazem parte de uma estratégia que foi lançada pelo governo Dilma à época das negociações do impeachment que tinham como objetivo "vilanizar" Cunha e tirar a credibilidade do processo de afastamento.
Eduardo Cunha foi preso em outubro de 2016, pouco mais de seis meses após ter presidido a sessão da Câmara em que os deputados aprovaram o impeachment de Dilma. Ele foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo o Ministério Público Federal, Cunha cobrou propinas de empresários que buscavam fechar contratos com a Petrobras. A prisão de Cunha foi determinada pelo então juiz Sergio Moro.
Danielle afirma que o livro não fala "apenas o que Eduardo Cunha fez, mas o que todo mundo fez". A obra traz, por exemplo, detalhes das articulações que levaram partidos como PP, PSD e PR a desembarcarem da base de Dilma e passarem a apoiar o afastamento da petista.
Um dos trechos da publicação menciona uma conversa que teria ocorrido entre Cunha e o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP. Nogueira teria falado a Cunha: “não se tira presidente, se coloca presidente”, em referência ao fato de que a mobilização pelo impeachment ganhou corpo quando deixou de se focar apenas na meta de afastar Dilma e passou a priorizar o futuro governo de Michel Temer.
O sucessor de Dilma é tratado no livro como um articulador convicto pelo impeachment, papel que ele nega desde a época em que se tornou presidente da República. Temer, segundo Cunha, era um dos pesos-pesados de uma disputa que tinha o ex-presidente da Câmara como uma espécie de árbitro, ou fiel da balança. O outro ponto da disputa era representado pelo PT e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Reações ao livro de Cunha
Embora o livro de Cunha e Danielle só tenha seu lançamento oficial neste sábado, trechos da obra já despertaram reações das personalidades citadas. Uma veio da ex-presidente Dilma. Um dos segmentos que menciona a petista diz que ela teria, em 2015, oferecido a Cunha o apoio de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em troca de facilidades na Câmara. Na ocasião, a então presidente da República já vivia dificuldades com o Legislativo. Cunha disse ter recusado a oferta.
A ex-presidente, em nota à Folha de São Paulo, chamou Cunha de "notório mentiroso" e, em relação ao livro, disse que "não deve integrar a lista de best-sellers, e sim a “lata de lixo da história”.
Danielle disse considerar "divertidíssimas" as reações ao livro. "As contestações mostram que as pessoas estão dando a devida importância que o livro de fato merece. Quando a Dilma fala que 'esse livro tem que sair da lista de best-sellers e ir para a lata de lixo da história' é fenomenal, porque ela mesma já colocou o livro como best-seller", ironizou.
A publicitária disse ainda que ela e Cunha não têm gravações ou documentos que sustentem os relatos presentes no livro, mas que quem confrontar as informações "será desmoralizado". "Meu pai, por caráter, nunca gravou ninguém. Mas, pela dinâmica do livro, dá para perceber que não é necessário que ele tivesse feito. Porque o livro tem toda uma construção de personagens participando", apontou.
Um empecilho que Danielle e Eduardo terão que enfrentar em relação ao livro é o bloqueio dos direitos autorais da obra, determinado nesta sexta-feira (16) pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo a juíza Virgínia Lúcia Lima da Silva, responsável pela decisão, Cunha precisa pagar honorários advocatícios referentes a um processo que perdeu.
Danielle é pré-candidata
Danielle foi candidata a deputada federal em 2018, tentando defender o legado do pai. Passou longe da vitória — teve 13.424 votos, número bem inferior aos 232.708 recebidos por Cunha em 2014. Ela diz que deve repetir a empreitada em 2022. Mas não pelo MDB, partido ao qual ainda é filiada.
A publicitária espera que o lançamento do livro a ajude a ter um desempenho melhor na próxima corrida eleitoral. E afirma que parte de sua derrota em 2018 pode ser explicada por um "cenário não favorável" que se manifestava na ocasião.
O ambiente, segundo ela, era definido por três pontos: a rejeição à política; a onda bolsonarista, "que elegeu parlamentares que talvez em outras circunstâncias jamais teriam sido eleitos"; e as denúncias impostas ao seu pai. "Não me arrependo nem um pouco; faria de novo, tanto que farei. Mas também de forma mais madura e com outras nuances que serão enfrentadas", apontou.
Em entrevista recente à Folha de São Paulo, Eduardo Cunha disse que apoiaria o presidente Jair Bolsonaro. Danielle tem uma avaliação sobre o governo que mistura críticas e elogios. Diz que o presidente "precisa governar", fala que ele "cometeu erros em relação à pandemia" e que "os piores erros [de Bolsonaro] são na forma em que ele se comunica".
Mas fala que endossa os posicionamentos do presidente para a economia e "a visão dele para o país como um todo". E diz considerar Bolsonaro "o presidente mais perseguido pela mídia desde a redemocratização".
Parte 2?
A narrativa do livro se encerra quando Temer toma posse do cargo de presidente da República, fato ocorrido em maio de 2016.
Isso, segundo Danielle, abre espaço para uma eventual continuidade. "Ele [Eduardo] não está falando sobre o governo do Michel Temer, até sobre a própria cassação dele, a prisão", disse. Cunha permaneceu em regime fechado entre outubro de 2016 e março de 2020. Atualmente, ele precisa usar tornozeleira eletrônica.