O novo decreto para regulamentar a posse de armas no Brasil terá regras mais duras e deverá ser divulgado nas próximas semanas. O ministro da Justiça, Flávio Dino, deu pistas de alguns pontos que deverão estar no texto, o qual está em fase final de análise pela Presidência da República.
“Faremos um controle responsável das armas, mas o texto mantém a possibilidade do cidadão que desejar comprar uma arma”, disse Dino, durante coletiva para anunciar o aumento no número de armas apreendidas no primeiro semestre de 2023: 3.259, ante 2.031 apreensões registradas no ano passado.
O ministro da Justiça antecipou que o decreto deverá retornar à legislação vigente antes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que permitia, por exemplo, a emissão de novas licenças de CAC (Caçador, Atirador e Colecionador), mas com restrições maiores sobre a compra de armamentos com calibres pesados. O documento do CAC é essencial para a prática da caça e do tiro esportivo.
O texto deve ainda estabelecer novos pontos, como a impossibilidade de funcionamento de clubes de tiro em áreas próximas a escolas e a proibição de funcionamento 24 horas desses locais. Outro ponto será a restrição quanto à publicidade desses espaços na internet.
Além disso, os Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs) terão que levar a arma sem munição até o local de prática de tiro.
O cadastro das armas civis terá que ser feito pela Polícia Federal, por meio do Sistema Nacional de Armas (SINARM). Dino afirmou que a migração do cadastro de armas está sendo feita desde janeiro, levando os registros dos CACs do Exército para a Polícia Federal.
“Desde 2003 era para ser um único sistema, achamos que o novo decreto deve ratificar esse caminho, fortalecendo o SINARM. O SIGMA será restrito a Forças armadas e forças auxiliares, Polícia militar e Corpo de Bombeiros”, afirmou o ministro.
Bancada questiona possíveis mudanças
Integrante da bancada da segurança na Câmara dos Deputados, o deputado Marcos Pollon (PL-MS) criticou a possível mudança do cadastro. “Isso vai expor o setor aos criminosos. Podia até unificar o cadastro, mas o controle do CAC é do Exército, isso está previsto no Estatuto do Desarmamento”, afirmou.
Pollon disse ainda que “as restrições são puramente ideológicas" e destacou que "os índices de homicídio caíram e que as armas dos CACs não abastecem o crime organizado”. Para ele, o governo atual, além de não ter diálogo com o Parlamento, não "desce do palanque".
Uma das maiores preocupações do deputado e de outros colegas da área de segurança, segundo ele, diz respeito à inclusão das armas de calibre 9 milímetros no rol das de uso restrito. De acordo com o deputado, as armas desse calibre representam 90% das comercializadas no Brasil, sendo que 83% das vendas de munições também são desse calibre.
O deputado Alberto Fraga (PL-DF), presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, compartilha a preocupação. “O referendo não proibiu comércio [de armas desse calibre]. Se não proibiu, o governo não pode acabar com o setor. O calibre 9 milímetros não pode ser considerado restrito, hoje ele representa 90% de todo o comércio”.
Eu ainda acredito que ele [Flávio Dino] vai nos atender. Quem faz a qualificação de calibres é o Exército, decreto não poderia”, argumentou.
Importância da indústria bélica para a economia
Fraga lembra que esteve com o ministro da Justiça logo após a publicação do decreto antiarmas de Lula, no início do ano, para argumentar sobre a importância do setor armamentista para a economia do país.
De acordo com Fraga, a indústria bélica no Brasil tem faturamento anual de R$ 13 bilhões, sendo responsável pela geração de 70 mil empregos diretos e R$ 2,8 bilhões em impostos recolhidos.
O deputado destacou ainda que as armas vendidas e que estavam nas lojas até 31 de dezembro de 2022 serão liberadas aos compradores, e que não adianta mais “chorar”. “Daqui para a frente é outra história. Não adianta ficar esperneando, fazendo comentários na internet. A política hoje é outra”, opinou.
Contra-ataque com PDL
Caso o calibre 9 milímetros passe a ser considerado de uso restrito pelas novas normas, tanto Fraga quanto Pollon consideram a possibilidade de apresentar um Projeto de Decreto Legislativo para tentar derrubar a norma.
A alternativa já foi adotada após o primeiro decreto de Lula, mas os deputados acabaram voltando atrás na intenção de levar a matéria ao Plenário da Câmara enquanto aguardavam o novo texto.
O Ministério da Justiça alega que os números de registro de armas caíram nos primeiros meses do ano, em função do decreto que impôs regras mais duras, e baixaram para pouco mais de 46 mil até este mês. O total de armas registradas em 2022 foi de aproximadamente 247 mil.
Mas, para Pollon, mesmo no governo anterior, com maior flexibilidade em relação às armas, o Brasil era considerado um dos países mais rígidos do mundo no controle de armamento. Isto pode ser comprovado, segundo o deputado, pelo total de presos pela Polícia Federal em operação logo após o fim do prazo de recadastramento de armas, em maio. “Se o [setor do] tiro é o pior do mundo, e em um milhão de integrantes você tem 52 errados, quisera que todos os setores fossem assim”, afirmou.
Mudança no Estatuto do Desarmamento
Além de estar em alerta para as novas regras, a bancada da segurança trabalha em outras frentes para garantir a sobrevivência do setor armamentista. Recentemente, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou substitutivo do deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA) à proposta que altera o Estatuto do Desarmamento para evitar a discricionariedade da autoridade quanto à aquisição e ao porte de armas.
O advogado especialista em Direito Militar Diego Henrique disse que “a aprovação do texto reacende as expectativas de parte dos entusiastas de armas de fogo, mas o projeto ainda é conservador”. Ao mesmo tempo, ressalta, “o texto avança no que diz respeito a mudanças para autorização de licença, e busca retirar a discricionariedade do delegado de polícia, o que é essencial para garantir maior imparcialidade das autoridades concedentes, superando uma das principais barreiras na concessão da posse da arma de fogo pela Polícia Federal”.
O substitutivo do relator ao projeto de lei do Senado Federal que previa mudanças no Estatuto foi aprovado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado depois de cinco anos tramitando na Câmara, e inúmeros pedidos de retirada de pauta.
O substitutivo aprovado pela comissão da Câmara muda o termo “autorização”, estabelecido no Estatuto, por “licença”. Mendes explica o motivo: “a autorização não é ato vinculado, mas discricionário”. Ele explica que, além disso, “atendidos os pressupostos objetivos, a licença será obrigatoriamente concedida”, destacou.
O texto prevê que as armas apreendidas em operações policiais sejam destinadas às forças de segurança da União, dos estados ou do Distrito Federal, além da Polícia Legislativa Federal.
A proposta aprovada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado ainda precisa passar pela avaliação da Comissão de Constituição e Justiça e pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
STF retoma julgamento de ações sobre armas
E ainda na expectativa do novo texto do governo Lula para disciplinar a posse de armas no Brasil, o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta sexta-feira (23), a análise de diversas ações que questionam decretos editados pelo então presidente Jair Bolsonaro para ampliar o acesso a armas e munições.
A discussão foi suspensa em 2021 por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, e depois, com o decreto de Lula, muitas das regras questionados foram revogadas, mas a Suprema Corte ainda precisa dar a palavra final sobre o caso.
Na retomado do julgamento, Nunes Marques apresentou voto alinhado ao discurso do ex-presidente Bolsonaro, e disse que não compra a narrativa que “armas matam”. Estão em análise quatro ações sob relatoria dos ministros Rosa Weber e Edson Fachin. O julgamento vai até o próximo dia 30.
No plenário virtual, os ministros apresentam o voto por escrito no sistema eletrônico do STF.
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