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Balanço de gestão

Dino defende desencarceramento e diz que punição não é sinônimo de prisão

Lula com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e Ricardo Lewandowski que assumirá a pasta a partir de amanhã (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, defendeu as políticas de desencarceramento do atual governo, dizendo que delitos graves, que atentam contra a vida da pessoa humana, por exemplo, precisam gerar punições mais severas, como a prisão, mas que delitos mais "brandos" demandariam penas alternativas.

"Nós temos uma visão em que precisamos estimular as alternativas penais. Punição não é sinônimo de prender", afirmou. Ele ainda disse que essa visão do governo não é leniente ou negligente com a criminalidade, e que é falsa a ideia de que o governo tem "uma visão fraca" do combate ao crime.

Segundo Dino, em 2023 o número total de prisões feitas pelas polícias estaduais e federais chegou a 58 mil, superior ao registrado em 2022 - cujo número total não foi divulgado. O ministro justificou que esse aumento não agrada ao governo, pois, em um país ideal, o número de prisões deveria cair, mas que enquanto políticas penitenciárias mais eficientes estão em desenvolvimento, o aumento nesses números são um indicador de que as polícias estão "funcionando melhor".

As declarações foram dadas durante coletiva para a imprensa com um balanço sobre a gestão de Dino à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Também estavam presentes no evento o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ricardo Lewandowski, que se aposentou do Supremo Tribunal Federal (STF) em março do ano passado e assume a liderança do MJSP amanhã, e o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro Filho.

Durante a coletiva, Dino apresentou diversos números das realizações do MJSP durante os 13 meses de sua gestão, sempre em comparação com dados do último ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Uma das comparações feitas foi em relação ao total investido em Segurança Pública, R$ 1,5 bilhão, em 2023, contra R$ 1,2 bilhão no ano imediatamente anterior, um aumento de 13%. Outro dado apresentado foi em relação às apreensões de dinheiro e bens do tráfico de drogas, R$ 7 bilhões.

O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS), que foi presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados em 2023, rebateu as falas de Dino e disse que o ministro teve uma gestão marcada pela arrogância e inabilidade para enfrentar críticas.

"Desprezou as 3 convocações aprovadas pela Comissão de Segurança Pública da Câmara; fez vistas grossas para o flagrante crescimento do narcotráfico; fez discursos ameaçando policiais; escondeu as imagens do 8 de janeiro; ao invés de por em prática uma grande operação de combate firme e implacável às organizações criminosas, preferiu visitar o Complexo da Maré ou dar guarida às narrativas mentirosas de que os CACs [caçadores, atiradores e colecionadores] forneciam armas para as facções".

Dino deixa o ministério para assumir, em 22 de fevereiro, a vaga deixada por Rosa Weber no STF. Até lá, ele cumprirá seu mandato de senador pelo PSB do Maranhão.

Defesa do desarmamento

Além de defender a visão de desencarceramento adotada pelo atual governo, que é amplamente defendida por Lewandowski, Dino ainda rebateu críticas de que a gestão de Lula não dá importância à segurança pública, ao contrário do que se diz sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ele declarou que é falsa a ideia de que algum grupo político detém o monopólio da verdade sobre a questão. "Esse tema é cada vez mais providencial para a sociedade. Não há diferença de ênfase, o que há são visões teóricas e doutrinárias diferentes". Ele ainda complementou dizendo que os números apresentados pelo MJSP demonstram que a abordagem do governo atual conduz a resultados melhores.

O ministro ainda defendeu outro ponto que contrapõe frontalmente a gestão petista à de Bolsonaro: o acesso a armas de fogo. Ao relacionar diretamente a redução no número de crimes violentos letais (de 4,9% em 2023 na comparação com 2022) à diminuição na concessão de novos registros de armas (de 79%, no mesmo período) e ao aumento na apreensão de armas ilegais (de 25%), Dino argumentou que a redução de armas levaria à redução da violência.

Ele afirmou que os números rompem com o entendimento equivocado de que "mais armas levam a menos crimes". O ministro, porém, não mencionou que o número de homicídios no Brasil já vem diminuindo desde 2018 (com exceção de 2020), mesmo com o aumento da concessão de registros de armas no país.

O que Dino não fez questão de lembrar em seu balanço

Durante sua gestão, Dino se viu à frente de inúmeras crises na segurança pública que, na avaliação de especialistas no tema, não foram devidamente enfrentadas. As pesquisas de opinião refletiram o clima de insegurança nacional. Em novembro do ano passado, sondagem realizada pela Atlas Intel feita por meio da participação digital de 5.211 pessoas entre os dias 17 e 20 do mesmo mês, mostrou que para 60,8% dos brasileiros, a criminalidade e o tráfico de drogas eram a principal preocupação, seguidos pela corrupção, com 50,2%.

Na ocasião, o CEO do instituto, Andrei Roman, afirmou ser a primeira vez que esse tema apareceu como o “maior desafio a ser enfrentado”. Durante a gestão de Dino, houve ondas de violência no Rio Grande do Norte, na Bahia, que segue sem solução até o momento, e no Rio de Janeiro. O ministro não comentou especificamente sobre esses temas durante a coletiva.

Além da insegurança, a gestão de Dino também foi marcada por controvérsias, como sua visita sem escolta a uma favela no Rio de Janeiro controlada pelo tráfico de drogas. À época, especialistas afirmaram que não seria possível para uma autoridade federal adentrar tal localidade livre de escolta policial sem que houvesse acordo com o tráfico local. Dino alegou que estava acompanhado por agentes à paisana. Mais uma vez, Dino não falou sobre o tema durante sua apresentação.

O ministro ainda foi acusado de inação diante dos atos de vandalismos do dia 8 de janeiro de 2023, que resultaram na depredação dos edifícios na Praça dos Três Poderes. Há indícios de que ele havia recebido informes da Agência Brasileira de Inteligência sobre possíveis atos violentos no dia. O ministro disse que a segurança na Esplanada dos Ministérios era responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e que, portanto, as tropas federais só poderiam ser acionadas mediante solicitação do órgão distrital.

Ainda sobre o 8/1, Dino não apresentou as gravações das 40 câmeras internas e externas de segurança à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para investigar os atos. Após idas e vindas – o ministro chegou a afirmar em ofício ao Parlamento que as imagens estavam sob investigação criminal e que, por essa razão, não podiam ser liberadas –, foi afirmado que, por questões contratuais, as imagens haviam sido apagadas 15 dias depois dos atos.

Ainda que não tenha abordado o 8/1 durante a coletiva, Dino publicou em suas redes sociais um vídeo no qual mostra seu gabinete e deseja sorte e sucesso a Lewandowski ao assumir o cargo. Diante da janela que dá vista para o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, ele afirma que aquele é um cenário especial, pois foi dali que ele pode agir quando foi chamado para coordenar o enfrentamento ao 8 de janeiro de 2023. No vídeo, ele ainda mostra seus futuros locais de trabalho, o Senado e o prédio do STF.

GLO tática e exibicionismo contra a corrupção

O ministro ainda falou sobre a operação de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) realizada em portos e aeroportos de Rio de Janeiro, São Paulo e em pontos da fronteira oeste do país, com o intuito de asfixiar financeiramente o crime organizado. Segundo dados do Ministério, foram apreendidos R$ 1,4 bilhão do narcotráfico durante a GLO até o momento, que Dino classificou como um grande êxito diante dos R$ 200 milhões investidos para realizar a operação.

Ele ainda afirmou que a GLO foi feita de forma limitada e tática, não ampla, o que levou a 1.017 prisões, e à apreensão de 77 toneladas de drogas. No entanto, quando da divulgação da GLO, especialistas em segurança pública a classificaram como ineficiente, não só por sua estruturação, mas também por ter data, localização e hora marcadas.

Sobre o combate à corrupção, Dino afirmou que relatório recente, publicado pela Transparência Internacional, é "exótico" – o documento mostra que houve piora na percepção sobre a corrupção durante o primeiro ano do terceiro mandato de Lula. Ele ainda argumentou que o governo deixou de ser exibicionista em relação ao tema e que os governantes que se utilizam do combate à corrupção como plataforma "são tão corruptos quanto aqueles que são indiciados e acusados de tais práticas".

Silêncio sobre restrições à liberdade de expressão

Um dos principais defensores de medidas que acabariam por limitar a liberdade de expressão no país, como a aprovação do PL 2630/2020, apelidado de PL das Fake News, Dino não tocou no tema durante o balanço de sua gestão. Ele é um fervoroso apoiador da regulação das redes sociais e da criminalização do que chama de “discurso de ódio” e “fake news”, costumeiramente relacionados a seus opositores políticos.

Esse é um ponto que tende a ganhar destaque na atuação do ministro no STF. Em maio do ano passado, diante do posicionamento contrário ao PL da maioria na Câmara dos Deputados, o projeto foi tirado de pauta e fatiado, com proposições inseridas em outras normativas. À época, Dino chegou a afirmar que o Supremo podia implementar alguns dos pontos da legislação, caso o Congresso não aprovasse o PL.

Durante a coletiva, Dino mencionou novamente essa tática. Ao elogiar e classificar como técnica a atuação da Polícia Federal nas operações que tiveram aliados e familiares de Bolsonaro como alvo, o ministro foi interrompido pelo presidente, que pediu que ele suspendesse os elogios, caso contrário os agentes encaminhariam pedido de aumento salarial. O futuro ministro do STF respondeu que isso não iria acontecer, pois Lula já tinha se encarregado do reajuste da categoria e que, caso houvesse alguma ação nesse sentido, que fosse encaminhada para o Supremo, dando a entender que colaboraria com o presidente.

Correção

O partido de Flávio Dino é PSB, não o PSD, como informado inicialmente na matéria. Ao assumir uma cadeira no STF ele terá que deixar a legenda. Pelo erro, pedimos desculpas.

Corrigido em 31/01/2024 às 14:09

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