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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), pode ter que explicar a visita à favela Nova Holanda, no Rio de Janeiro, nesta semana, à Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, que é dominada pela oposição. O ministro entrou em uma área dominada pelo crime organizado, o que levantou suspeitas de que a facção Comando Vermelho supostamente teria autorizado a presença dele no local.
Agentes públicos da área de segurança, como é o caso de Dino, só conseguem entrar em áreas como a favela da Maré em operações que envolvem dezenas de policiais. Muitas vezes, as incursões resultam em confronto. Isso porque as facções criminosas exercem o domínio territorial de fato em muitas áreas do Rio de Janeiro.
A chegada dele foi registrada em um vídeo que viralizou na internet e gerou críticas de parlamentares, como o Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que reproduziu as imagens em suas redes sociais. A gravação mostra o momento da chegada de Dino acompanhado de seus auxiliares em apenas dois carros oficiais.
Com a polêmica, Dino afirmou que foi participar de um evento promovido pela ONG Redes da Maré. Ele disse que as críticas da oposição seriam uma tentativa da extrema-direita de criminalizar todos os moradores de comunidades no Brasil.
Em geral, as facções do Rio de Janeiro são informadas por líderes comunitários e ativistas quando há a realização de eventos em ONGs dentro da área dominada pela facção. É normal que os líderes locais dos grupos criminosos deem uma espécie de salvo conduto para que políticos, jornalistas e ativistas entrem sem serem incomodados. O objetivo é evitar choques posteriores com a polícia.
Mas, não se sabe ainda se algo dessa natureza aconteceu na visita de Dino ao Complexo da Maré, na última segunda-feira (13). Um grupo de deputados da chamada "Bancada da Bala", entre eles Eduardo Bolsonaro e Carlos Jordy (PL-RJ), querem que as explicações do ministro sejam prestadas não pelo Twitter, mas em uma sessão da Comissão de Segurança Pública da Câmara.
Trata-se de uma comissão permanente instituída com uma série de outras na Câmara neste mês. Essa em específico, presidida pelo deputado Sanderson (PL-RS), é dominada por deputados de oposição. Eles dizem que não perderão oportunidades para confrontar o governo.
Ministro diz que foi implantar cultura de paz
Porém, apesar da repercussão negativa dentro do Congresso Nacional, integrantes do Palácio do Planalto minimizaram os efeitos da visita de Dino ao reduto do Comando Vermelho.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que Flávio Dino e sua equipe estiveram no local acompanhados de agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Militar e a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Em nota, a Polícia Federal confirmou que fez a segurança de Dino na ocasião.
De acordo com o ministro, a ida ao complexo mostra o comprometimento do governo federal em aproximar-se das comunidades e sua população. “Só é possível planejar e executar ações boas e corretas ouvindo as pessoas certas. Nós acreditamos que esse é um elemento importante, uma espécie de mapa do caminho que vai nos ajudar a combater a violência no Brasil e implantar uma cultura plena da paz”, afirmou.
Dino e Eduardo Bolsonaro bateram boca pelas redes sociais
"Flávio Dino, o ministro que entra na Maré, complexo de favelas mais armado do Rio, com apenas dois carros e sem trocar tiros. Vamos convocá-lo na Comissão de Segurança Pública para explicar o nível de envolvimento dele e seu chefe, Lula, com o crime organizado carioca. Isto é um absurdo!", disparou o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais.
Após a repercussão, Dino rebateu as críticas e afirmou que os questionamentos da oposição era um discurso de "ódio contra os mais pobres". "Soube que representantes da extrema-direita reiteraram seu ódio a lugares onde moram os mais pobres. Essa gente sem decoro não vai me impedir de ouvir a voz de quem mais precisa do Estado. Não tenho medo de gritos de milicianos nem de milicianinhos", rebateu Dino nas redes sociais.
Requerimento pode ser apresentado na próxima semana
A expectativa da oposição é de que o requerimento para que Dino preste esclarecimentos seja apresentado na próxima semana na Comissão de Segurança Pública da Câmara. Mas, integrantes da base governista dizem que o pedido não deve ser aprovado pelo colegiado.
"O ministro entrou sem segurança em uma das comunidades mais armadas e violentas do Brasil e as pautas abordadas não foram questões como desarmamento ou recadastramento de armas. Foram discutidas, sim, as mortes ocasionadas pelas ações policiais. Por qual motivo não foi discutida a morte de policiais?", questionou o deputado Hélio Lopes (PL-RJ).
Na mesma linha, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) afirmou que Flávio Dino vai precisa "explicar o nível de envolvimento que ele, o chefe dele e o PT têm com o Comando Vermelho no Rio de Janeiro”. A comissão de Segurança Pública é formada, majoritariamente, por integrantes da oposição.
Para o deputado Glauber Braga (PSol-RJ), o movimento da oposição é uma tentativa de desgastar o governo e uma forma preconceituosa de tratar os moradores das comunidades.
"É engraçado que o deputado Eduardo Bolsonaro, sempre que tem a oportunidade, tenta criminalizar alguma comunidade do Rio de Janeiro. Só que a maior apreensão de armas e de fuzis foi feita a partir da pista do condomínio do pai dele! A grande apreensão de cocaína estava onde? No avião do pai dele!", disparou o deputado do PSol.
Ainda de acordo com lideranças da base governista, o discurso da oposição é o mesmo adotado pelos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a campanha presidencial do ano passado. À época, os aliados do candidato à reeleição afirmam que a sigla "CPX" (complexo), estampada em um boné usado pelo então candidato Lula em visita ao Complexo do Alemão, tinha ligação com o crime organizado.
Após o episódio, em outubro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o Twitter retirasse do ar os posts que relacionam o então candidato a facções criminosas e o tráfico de drogas do Rio de Janeiro. De acordo com a decisão, tratava-se de conteúdo manifestamente inverídico, pois "CPX" é uma sigla usada por moradores e até por órgãos oficiais para se referir a um grupo de favelas do Rio de Janeiro.
Deputado diz que agentes públicos só entram na área com muito apoio policial
Uma pesquisa realizada pela ONG Redes Maré, entre 2018 e 2020, mostrou, por exemplo, que 63% dos moradores da região temem ser alvejado por balas. De acordo com o deputado Carlos Jordy, a entrada de autoridades em comunidades dominadas por facções deve ser seguida por um processo preventivo de segurança.
"Em local dominado pelo crime, quando autoridades precisam ir ao local, a polícia faz todo o trabalho preventivo e, posteriormente, a autoridade chega com a segurança necessária. No entanto, o que se vê nos vídeos é algo estarrecedor para quem conhece o nível de violência dessas facções criminosas e o modus operandi", destacou.
Qual a origem histórica da suspeita da ligação da esquerda com as facções?
Uma boa parte dos críticos da atuação da esquerda na segurança pública no Rio de Janeiro atribui o surgimento da primeira facção criminosa, a Falange Vermelha, na década de 1970, ao contato de criminosos comuns com guerrilheiros comunistas.
Eles teriam convivido uns com os outros cumprindo detenções na colônia penal Cândido Mendes, na Ilha Grande. Na ocasião, os criminosos comuns aprenderam técnicas de organização e guerrilha com presos políticos que combatiam o regime militar.
A Falange Vermelha então deu origem ao atual Comando Vermelho. O grupo teria se fortalecido na década de 1990 com as decisões de governos de esquerda de tentar proibir ou dificultar ações de força da polícia fluminense em morros e favelas.
As ações do CV vão desde o tráfico de drogas e armas até assaltos a banco, carros-fortes e sequestros. O dinheiro arrecadado é usado para a compra de grandes quantidades de drogas e domina aproximadamente 70% do tráfico na cidade do Rio de Janeiro.
Ainda hoje, o Comando Vermelho está organizado nos presídios do Rio de Janeiro, como Bangu 1, onde estão as principais lideranças, e controla também algumas associações de moradores de favelas.