O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta quinta-feira (10) manter suspensa a liberação, pelo Executivo, de parte das emendas parlamentares, verbas que deputados e senadores indicam no Orçamento para atender às suas regiões e bases eleitorais. Relator de ações que levaram a Corte a proibir o chamado “orçamento secreto” – manobras que permitiam ao Congresso ocultar quem indicava e recebia os recursos –, Dino considerou que o Legislativo deixou de apresentar “informações específicas, completas e precisas” para cumprir as decisões do tribunal que impuseram maior transparência e rastreabilidade para o dinheiro repassado a estados, municípios e órgãos públicos por meio das emendas.
A decisão ocorre um dia após a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), dominada por deputados da direita e do Centrão, aprovar um pacote que diminui os poderes do STF. Ele praticamente acaba com as decisões monocráticas, permite ao Congresso sustar decisões do STF e ainda amplia as hipóteses e chances de impeachment de ministros.
Ainda que não relacionada diretamente à ação dos deputados, a decisão de Dino tende a elevar a tensão na relação entre STF e Congresso.
“À vista das carências quanto ao cumprimento das determinações judiciais, permanece inviável o restabelecimento da plena execução das emendas parlamentares no corrente exercício de 2024, até que os Poderes Legislativo e Executivo consigam cumprir às inteiras a ordem constitucional e as decisões do Plenário do STF”, escreveu o ministro na decisão.
Segundo o STF, a paralisação se refere somente às emendas que compunham o “orçamento secreto” – no caso, as emendas de relator e as de comissão –, não incluindo, portanto, as emendas parlamentares individuais (na qual o deputado ou senador que indica é identificado) e as emendas pix (de uso livre pelos municípios e estados).
Dino lembrou que a transparência havia sido determinada pelo STF ainda em 2022 e criticou, na decisão, a demora do Congresso para apresentar e publicar as informações completas. Destacou o fato de que várias medidas ainda estão em fase de proposição, dentro de um Projeto de Lei Complementar “cuja tramitação sequer iniciou”.
“Em face do evidente descumprimento parcial da decisão de mérito referida, estabeleço que permanecem plenamente vigentes as medidas de impedimento ou restrição à execução das emendas utilizadas para o que se convencionou chamar de ‘orçamento secreto’, ou seja, as emendas RP 9 e RP 8”, escreveu na decisão.
A retomada dos pagamentos, acrescentou em seguida, somente será possível “com medidas efetivas conducentes à concretização das regras constitucionais de transparência, rastreabilidade e efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.
Audiência de conciliação sobre as medidas determinadas pelo STF
Mais cedo, técnicos do Congresso, do Executivo e do gabinete de Dino se reuniram numa audiência de conciliação para relatar o andamento das medidas determinadas pelo ministro para registrar e divulgar publicamente informações sobre os parlamentares “patrocinadores” de emendas turbinadas nos últimos anos, sem clareza sobre seus valores e destinações.
Isso ocorreu entre 2020 e 2022 com as emendas de relator, modalidade na qual aparecia como autor apenas o deputado ou senador que fechava o texto da lei orçamentária; e de 2023 até este ano, nas emendas de comissão, que são assinadas por presidentes dos colegiados temáticos da Câmara e do Senado, mas oriundas de parlamentares nem sempre identificáveis. Nesses dois tipos de emenda, políticos influentes e poderosos dentro do Parlamento acabam conseguindo mais verbas, mediante acordos internos.
Na decisão desta quinta (10), além de suspender a execução das emendas, Dino ainda afirmou que as audiências no STF – na qual ficaram registradas as dificuldades para sistematizar as informações sobre quem indica e se beneficia das emendas – poderão servir para “responsabilizar os agentes públicos que estão na cadeia causal de possíveis ilegalidades atualmente em investigação em dezenas de procedimentos, envolvendo expressivas parcelas do orçamento pertencente a todo o tecido social”.
Foi uma referência a dezenas de inquéritos que já tramitam de forma sigilosa no STF para investigar possíveis desvios de verbas de emendas, facilitados pela falta de transparência. Nesse trecho da decisão, ele mencionou que as atas das audiências na Corte poderão ser usadas por Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria Geral da União (CGU) e Ministério Público para alimentar esses procedimentos.
Atualmente, esses órgãos têm grande influência do governo, interessado em controlar mais a liberação das emendas. Por muitos anos, a dosagem e a distribuição dos recursos de emendas parlamentares foi uma das principais armas do Executivo para angariar apoio político no Congresso. Nos últimos anos, sobretudo com o “orçamento secreto”, lideranças do Congresso ganharam o poder de reservar recursos crescentes no Orçamento por meio das emendas e forçar sua liberação, o que enfraquece politicamente o Executivo, que administra o caixa e toca as obras e serviços.
Crise na relação da Corte com o Congresso
Recém-chegado ao STF, e oriundo do governo, Dino começou a paralisar o pagamento das emendas parlamentares, de forma monocrática, em agosto, apontando falta de transparência. Os demais ministros ratificaram suas decisões, o que escalou uma crise na relação da Corte com o Congresso.
Ainda em agosto, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, organizou uma reunião em seu gabinete com os chefes de Câmara e Senado, além de ministros do governo, para chegar a um acordo por mais transparência e alocação dos recursos conforme interesses do Executivo, como priorização de obras inacabadas e projetos estruturantes, de abrangência regional. Desde então, Dino cobra as medidas dos demais poderes.
Porém, em reação à paralisação das emendas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), destravou a tramitação de propostas para limitar o poder do tribunal, também no mês de agosto. Nesta quarta (9), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), dominada por deputados da direita e do Centrão, aprovou um pacote que praticamente acaba com as decisões monocráticas, permite ao Congresso sustar decisões do STF e ainda amplia as hipóteses e chances de impeachment de ministros.
Nesse contexto, a nova decisão de Dino tende a tensionar novamente a relação entre STF e Congresso, com reflexos negativos para o Executivo, visto cada vez mais, entre os congressistas, como dependente da ajuda da Corte para conseguir governar.
Em sua decisão, Dino carregou nas reprimendas à falta de transparência nas emendas, imputando os problemas ao Congresso, inocentando o governo. “Observo que o Poder Executivo atendeu à determinação de apresentar respostas objetivas aos questionamentos realizados”, registrou o ministro, em referência a diversos questionamentos que ele mesmo enviou aos órgãos do governo e também ao Legislativo, no início do mês.
Ele destacou a informação prestada pela CGU, na audiência desta quinta, segundo a qual “56% das emendas não foram identificadas, não sendo possível verificar o total de empenhos”. O órgão ainda afirmou que “não pode garantir a precisão, a não ser que o Legislativo disponibilize os dados.” Dino expressou crítica ao Congresso pela não disponibilização dos dados completos.
“Não se cuida de elidir prerrogativas parlamentares, no que se refere à elaboração orçamentária. Contudo, não existe, no sistema constitucional, poderes dissociados de deveres, conforme consignado expressamente no Estatuto Supremo da nossa República”, escreveu.
Dino ainda defendeu o papel do STF na fiscalização e cobrança por mais transparência nas emendas. “O controle judicial deve incidir de modo imperativo e inafastável, ainda mais à vista da multiplicação de notícias e eventos anômalos envolvendo práticas orçamentárias inéditas na vida nacional. Tal controle judicial, absolutamente consentâneo com a Constituição, não exclui - ao contrário, impulsiona - o imprescindível diálogo harmônico entre os 3 Poderes”, escreveu.
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