Como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino deverá reforçar a ala da Corte que, desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), intensificou – dentro e fora dos autos, de maneira mais ou menos explícita –, a reprovação política do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu governo.
Do grupo fazem parte os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, principalmente, mas não apenas; Edson Fachin e Cármen Lúcia, embora mais discretos, têm uma visão negativa do período Bolsonaro.
Em inquéritos já em andamento e nas eventuais denúncias que venham a surgir contra ele, a expectativa no mundo político e jurídico é que Dino vote unido com esse grupo para emparedar ainda mais o ex-presidente. Na sabatina desta quarta-feira (13), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ele foi evasivo quando questionado sobre o assunto, sempre mencionando o dever de não antecipar qualquer julgamento. Só insistiu que, como magistrado, se afastará de suas posições políticas recentes, de criminalização da nova direita.
“É claro que o político tem que ter nitidez e exposição nas suas posições. É claro que sim, mas o juiz, não! É diferente! E, portanto, não se pode imaginar o que um juiz foi ou o que um juiz será a partir da leitura da sua atitude como político. Seria como examinar um goleiro à luz do comportamento como centroavante. É claro que são papéis diferentes!”, disse, em sua exposição inicial.
Adicionou ainda outra simbologia. “Todos nós que aqui temos cores diferentes. Estamos com ternos e gravatas diferentes; quando temos campanhas eleitorais, vestimos camisas de diferentes cores. No Supremo, isso não acontece. Todas as togas são da mesma cor [...] A Constituição é igual, as leis são iguais, o comportamento ético é igual”, disse.
Dino e a criminalização do "bolsonarismo"
Muitos senadores que o questionaram depois não ficaram convencidos. Magno Malta (PL-ES), Márcio Bittar (União-AC) e Marcos Rogério (PL-RO) disseram a ele que é “impossível afastar um homem de suas convicções”.
Rogério Marinho (PL-RN) e Jorge Seif (PL-SC) perguntaram se ele se declararia impedido de julgar Bolsonaro, investigado em vários inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes. Dino não respondeu. O ex-ministro da Justiça também foi indagado sobre uma entrevista no ano passado, em que afirmou que o “bolsonarismo” é pior que crimes graves. Ele também não esclareceu isso na sabatina. Na entrevista, ao canal MyNews, Dino declarou o seguinte:
“Fui juiz e julguei traficante de droga, julguei ladrão de banco. Fui deputado federal, governador chefiando as polícias, enfrentando situações difíceis no sistema penitenciário, no enfrentamento à criminalidade de modo geral, sou ministro da Justiça. Nada é mais perigoso, por conta da violência dessa gente, que você vê desde o olhar. Estou no avião comercial, no restaurante, no cinema, a violência começa no olhar e já sei para onde vai evoluir, [para] agressão verbal, ameaça e não sei o quê... isso já aconteceu dezenas de vezes.”
Na sabatina, Dino recebeu duas vezes, de Sergio Moro, a sugestão de desistir de ações que ajuizou contra parlamentares de direita que o ofenderam, num gesto de pacificação. Ele se esquivou e disse apenas que iria refletir sobre o assunto futuramente.
Gonet na PGR também pode ser mau sinal para Bolsonaro
No STF, Bolsonaro é acossado por alguns inquéritos pendentes, que têm mais chances de se transformarem em acusações formais, uma vez que passará a chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR) Paulo Gonet, cuja indicação, assim como a de Dino, foi patrocinada por Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Até o momento, a PGR se recusava a denunciar Bolsonaro, muito por causa de atuação de Augusto Aras, colocado pelo ex-presidente no posto.
Numa entrevista recente à Folha de S.Paulo, Gilmar Mendes criticou o órgão por, segundo ele, ter “falhado muito” nos últimos anos. Com Gonet, conjecturou, a PGR deverá ter, nos inquéritos do 8 de Janeiro, “uma atividade mais articulada e coordenada com as investigações em curso, inclusive com o papel que hoje desempenha o ministro Alexandre”. Bolsonaro é investigado por supostamente incitar a multidão que invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes.
Na CCJ, Gonet também foi sabatinado e se limitou a defender o parecer no qual defendeu a condenação de Bolsonaro à inelegibilidade, por criticar as urnas eletrônicas.
Os processos que Dino vai julgar no STF
Aprovados pelo Senado, Dino e Gonet agora poderão atuar nas ações penais dos réus do 8 de Janeiro. Nos inquéritos contra Bolsonaro, militantes e apoiadores na direita, Dino terá direito a voto em recursos contra decisões monocráticas de Alexandre de Moraes. Isso também ocorrerá na Primeira Turma do STF, focada em casos menores. Dino vai integrar esse colegiado ao lado de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Fora os casos conduzidos por Moraes, Dino será relator de um pedido feito pela CPI da Covid para investigar Bolsonaro por supostamente incitar a população a adotar comportamentos arriscados na pandemia. Essa petição estava com a ministra Rosa Weber, que se aposentou, e cujos processos passarão a ser relatados pelo novato. No total, há 344 ações nesse acervo.
A mais importante delas é a ação do Psol que pede a liberação do aborto até as 12 semanas de gestação – nesse processo, porém, Dino não votará, uma vez que a ministra aposentada já votou, favoravelmente. Na sabatina, Dino disse que não votaria da mesma forma que ela. “Esse processo já foi votado pela ministra Rosa, e, evidentemente, eu não posso, eventualmente, rever o voto que ela proferiu, respeitável, não há dúvida, mas desconforme com aquilo que, particularmente, eu penso.”
Ele, no entanto, será relator de outra ação desse tema, do PL, de direção oposta. Nesse processo, o partido de Bolsonaro pede que médicos e outras pessoas que provoquem um aborto ilegal numa mulher grávida sejam condenados à pena de homicídio qualificado, que pode alcançar 30 anos de prisão.
No campo criminal, Dino também será relator de uma ação que pede a derrubada do último indulto natalino assinado por Bolsonaro. No decreto, o ex-presidente perdoou pessoas condenadas a penas de prisão menores que 5 anos. Para o Ministério Público do Distrito Federal, que apresentou a ação, o decreto deveria ter exigido um tempo mínimo de cumprimento da pena para livrar os beneficiados.
Dino também será relator de uma ação que interessa diretamente a veículos de imprensa. No processo, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contesta o chamado “assédio judicial”, no qual pessoas ou empresas processam jornalistas ou jornais em várias partes do país para dificultar a defesa. O objetivo da entidade é que essas ações sejam reunidas no local de domicílio do jornalista ou do veículo.
Dino deve se unir a Moraes e Gilmar para regulamentar as redes sociais
No que toca à liberdade de expressão, é esperado que, no STF, Dino passe a integrar a tropa de choque dos ministros que defendem com unhas e dentes uma regulamentação mais rigorosa das redes sociais. Desde o início do ano passado, Dino, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes mantêm um discurso uníssono em favor de uma vigilância estatal sobre o que circula nas plataformas digitais.
Todos apoiam a aprovação do projeto de lei das “fake news”, em tramitação na Câmara, que prevê multas pesadas para as big techs que não comprovarem a retirada massiva e rápida de conteúdo que represente “discurso de ódio”.
O conceito vago abre margem para uma censura generalizada sobre postagens que desagradem o governo e a esquerda. Em julho, Dino justificou a necessidade de regulamentação porque, em sua visão “a internet funciona como uma plataforma das ideias da direita”. “A segunda tarefa democrática fundamental é enfrentar o poder de quatro, cinco empresas que mandam na internet e veiculam extremismo”, disse, no congresso da União Nacional dos Estudantes.
Antes, em maio, Dino atuou afinado com Alexandre Moraes ao abrir um processo no Ministério da Justiça ameaçando multar o Google em R$ 1 milhão caso o buscador mantivesse, em sua página inicial, link que remetia a um artigo da empresa contrário à aprovação do PL das Fake News. O órgão acusou a empresa de “privilegiar” sua visão sobre a proposta, de praticar “censura” contra artigos favoráveis e ainda de fazer “publicidade enganosa e abusiva”. Na mesma época, Moraes abriu uma investigação criminal contra os executivos da companhia.
Como até hoje o Congresso não aprovou a proposta, Dino defendeu a possibilidade de que a regulação seja feita pelo STF – existem na Corte duas ações que permitiriam punir as plataformas, caso elas não atuem para retirar do ar, sem prévia decisão judicial, conteúdos considerados “antidemocráticos” – o temor é de censura a críticas ao governo e ao STF.
“É importante dizer à sociedade brasileira: nós temos três caminhos possíveis para essa regulação. Uma, que nós desejamos que chegue ao final, é a regulação pela lei, ou seja, por deliberação do Congresso Nacional. Se estes adeptos do faroeste digital conseguissem impor a sua vontade ao ponto de impedir o processo legislativo, lembro que nós temos a regulação derivada de decisões administrativas, inclusive do Ministério da Justiça, e há a regulação feita pelo Poder Judiciário, no julgamento de ações que lá tramitam”, afirmou Dino em maio.
Na sabatina na CCJ, Dino foi mais objetivo. Afirmou que a liberdade de expressão não protege manifestações criminosas, como calúnias. “Ora, se existe um crime de calúnia, difamação, injúria, incitação à prática criminosa, apologia de fato criminoso, racismo, tudo isso está votado pelo Congresso Nacional; então, é claro que há uma fronteira da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não alberga, não protege calúnia; não protege ameaça à vida de crianças; não protege racismo”, afirmou aos senadores.
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