Homem forte do primeiro governo Lula, o ex-ministro José Dirceu tem feito à cúpula do PT críticas e alertas sobre os riscos para a esquerda nas próximas eleições| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A volta à cena pública do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, um dos mais influentes personagens do PT, junto com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República, no ano passado, estão convergindo a um propósito em particular: tentar liderar o início da reação nas urnas da esquerda ante o avanço da direita no Legislativo. Em entrevista à Gazeta do Povo, Dirceu confirma o desejo de disputar uma vaga na Câmara dos Deputados em 2026, para ajudar partidos progressistas a conterem o avanço dos conservadores no Congresso desde a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018.

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Diante da percepção de analistas e políticos de que Dirceu se manteve influente no PT, mesmo após o longo período de afastamento devido a questões judiciais, ele tenta disfarçar seu poder para lidar com a resistência de grupos internos da legenda mais à esquerda, que divergem dele. “Sigo colaborando com o partido, assim como todos os demais filiados. O PT tem uma tradição de reunir opiniões e visões múltiplas, nem sempre convergentes. Este espaço de debate é importante e faz parte da história da legenda”, disse em tom diplomático. Mas o líder petista tem alvos claros.

Para controlar especulações de embate entre o seu grupo, formado pela velha guarda petista, e os atuais comandantes do PT, liderados pela presidente, deputada Gleisi Hoffmann (PR), ele faz discurso conciliatório, mesmo sabendo que a única unanimidade no partido está na figura de Lula. “A liderança da companheira Gleisi também sempre respeitou essa diversidade e abriu espaço para contribuições”, salientou.

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Em paralelo, Dirceu busca expressar-se em espaços públicos, como artigos de jornais, entrevistas, palestras, reuniões partidárias, debates e postagens de redes sociais, para pontuar suas ideias, orientar militantes e fazer alertas para o futuro do PT. Nessa movimentação, que incluiu discurso no Congresso, em abril, durante homenagem ao ex-presidente Joao Goulart, emerge a hipótese de se candidatar a deputado federal na próxima eleição, juntamente com a campanha de reeleição de Lula, quando ele e o chefe do Executivo terão 80 anos à época.

“Meu desejo atualmente é poder ajudar nossos candidatos nas eleições municipais e atuar na renovação do PT. Deixo para 2025 a decisão sobre concorrer ou não, depois de conversar com a direção do partido e com o presidente Lula. Como venho dizendo, creio que mereço voltar para Câmara até por uma questão de justiça, mas é claro que são os eleitores de São Paulo que devem decidir isso”, desconversou.

Esquerda precisa retomar às ruas e fazer militância digital, conclama Dirceu

Para o ex-ministro, é crucial que a esquerda recupere sua presença nas ruas, combinando a militância virtual com a ação direta. Nesse sentido, ele considera os apoiadores de Bolsonaro a principal força que deve ser combatida continuamente. Ele defende que, logo após as eleições municipais, o PT e os partidos de esquerda deflagrem uma campanha para, além de eleger Lula ou seu sucessor em 2026, garantir uma bancada de deputados e senadores que sustente o governo. “Estamos vendo a dificuldade que o presidente Lula enfrenta para governar com um Congresso conservador”, afirmou em recente artigo na Carta Capital.

Dirceu ressalta que os partidos de direita se organizaram e assumiram publicamente seus programas conservadores e liberais, tornando urgente que a esquerda, além de lutar por uma reforma política, promover uma renovação interna de seus partidos. Nesse contexto, ele sugere a adoção no país do voto em lista, em que o eleitor vota na legenda a partir de nomes pré-ordenados, sem a escolha de um candidato em específico.

Com relação à carreira política de seu filho, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), apontado como continuador natural do seu legado político, o ex-ministro faz questão de ressaltar a autonomia dele. “É fundamental lembrarmos que somos dois CPFs diferentes, e que, embora nós dois sejamos filiados ao mesmo partido, cada um tem a sua visão própria de Brasil e de mundo, cada um tem a sua trajetória pessoal na política”, frisou.

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Análise de Dirceu sobre avanço da direita mira novos líderes e reforma política

Após quase duas décadas afastado devido a condenações judiciais a partir do escândalo do mensalão (2005), Dirceu ressurgiu no cenário político, trazendo consigo uma análise realista dos desafios que a esquerda enfrenta no Brasil, sobretudo diante do avanço conservador no Parlamento e nas ruas. Mas também busca enaltecer pautas caras ao progressismo, mesmo defendendo a negociação com o centro político, grupos evangélicos e outros segmentos menos ligados a Bolsonaro.

“Nosso papel (esquerda) é fazer uma revolução social no Brasil. Isso significa desconcentrar a renda, a riqueza e a propriedade”, discursou da tribuna do Senado em abril.

Dirceu, que presidiu o PT por quatro mandatos, é reconhecido por sua capacidade de orientação estratégica nos bastidores, influenciando decisões cruciais para o partido. Desde o ano passado, tem sido uma voz ativa em debates públicos, emitindo opiniões sobre temas como a reforma tributária e a legalização dos jogos de azar, buscando fortalecer a base do governo Lula e defender o seu legado.

Recentemente, Dirceu provocou polêmica ao defender a reeleição do ditador Nicolás Maduro na Venezuela, elogiando o sistema eleitoral do país e criticando a mídia e a oposição venezuelana. Essa postura alinha-se ao discurso oficial do PT, apesar das tentativas do governo Lula de se distanciar retoricamente da figura de Maduro.

Ex-ministro visa retomar protagonismo em estratégias para conquista do poder

No primeiro mandato de Lula, Dirceu foi peça-chave na ascensão do PT ao poder, mas sua carreira foi interrompida pelo escândalo do mensalão, onde foi apontado pelo Ministério Público como “chefe da quadrilha”. Agora, reabilitado, ele retoma seu papel de liderança em um momento que considera decisivo para o futuro do PT.

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Dirceu tem alertado sobre os riscos para o PT e a esquerda, devido ao fortalecimento da direita. Ele critica a dificuldade do partido em mobilizar a base e a falta de jovens líderes, pedindo coesão e ajustes estratégicos. Sobre as eleições municipais deste ano, ele vê o PT em risco de sofrer um “tranco da direita”. Sobre o pós-Lula, já disse que “não quer nem pensar’ o que pode acontecer com o PT e a esquerda em eleições nacionais majoritárias.

Segundo o cientista político Paulo Kramer, o PT precisou ajustar seu projeto de poder em razão do tamanho e da complexidade do país e da resistência das Forças Armadas a investidas autoritárias de esquerda. Por isso, a legenda nunca conseguiu transformar o Brasil em uma “República Popular”. Na prática, trocou o modelo cubano pela “mexicanização”, buscando se tornar uma versão brasileira do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México por 70 anos. Ele vê Dirceu como um dos mentores deste novo alvo.