Milei e Bolsonaro se encontraram em Buenos Aires, dois dias antes da posse do argentino| Foto: Reprodução/Twitter
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Participando da posse de Javier Milei como novo presidente da Argentina, neste domingo (10), políticos da direita brasileira buscam uma oportunidade para mostrar influência no cenário político latino-americano. Com a derrota do peronismo no país vizinho, a expectativa da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é que o mesmo possa ser feito com o petismo no Brasil, mobilizando as bases da direita.

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Quem comanda a delegação da direita brasileira é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que embarcou para Buenos Aires na noite que quinta-feira (7). Ele foi convidado por Milei para a posse um dia após a proclamação da vitória do argentino. A aproximação de ambos começou há ao menos dois anos e se intensificou durante a campanha eleitoral de Milei, com declarações de apoio de Bolsonaro ao argentino libertário. Os dois se encontraram na manhã desta sexta-feira de manhã, em um hotel de Buenos Aires.

Também estavam presentes na reunião o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, o senador Ciro Nogueira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o ex-ministro do Turismo Gilson Machado e o advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten, além de Patrícia Bullrich, candidata derrotada nas eleições argentinas que apoiou Milei no segundo turno. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também está na comitiva da direita brasileira.

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Ao todo uma comitiva de 50 parlamentares estava prevista para acompanhar Bolsonaro. No entanto, alguns deputados resolveram não comparecer à posse para participar das manifestações contra a indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ao Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para o mesmo domingo.

É o caso do deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS), que embarcou para Argentina com a comitiva, mas voltará ao Brasil participar dos atos na Avenida Paulista, em São Paulo. Na avaliação dele, o encontro entre Bolsonaro e Milei pode impulsionar as eleições de 2026 caso a economia argentina melhore.

“Penso que é uma tendência. Quando for implementado o modelo que funciona (na Argentina), caso a recuperação da Argentina se mostre consistente – depois de privatizações, diminuindo o tamanho do Estado – isso pode servir, sim, como argumento para a gente voltar a ter um rumo de desenvolvimento no nosso país que nós perdemos com a eleição do Lula”, disse o parlamentar.

Ele argumenta ainda que “o sucesso do Milei e o possível sucesso de Donald Trump em 2024, nos Estados Unidos, corrobora para que a direita brasileira também tenha sucesso”.

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Dos parlamentares que irão comparecer à posse, a deputada Bia Kicis (PL-DF) destacou que a participação dos congressistas brasileiros poderá fortalecer os laços com a direita argentina. “É muito importante essa conexão, certamente alguns contatos serão feitos com parlamentares conservadores e com o próprio Milei, essa é a expectativa”, afirmou a deputada.

Até o momento, não está prevista uma cooperação formal entre os dois lados, mas a aproximação no evento é avaliada como positiva para o ex-presidente brasileiro.

Eleição de Milei pode ser novo fôlego para direita

Na avaliação do cientista político Antônio Henrique Lucena, docente na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), a eleição de Milei deu novo fôlego ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno, e pode contribuir para os próximos pleitos.

“Pode ser um teste de tentar renovar a direita, uma direita sem Bolsonaro, lembrando que ele está inelegível. Então, existe esse movimento que efetivamente pode acontecer. Não só no Brasil, mas também em outras localidades”, disse o professor.

Questionado se essa interação poderia ser semelhante ao que ocorre no Foro de São Paulo, grupo que reúne os partidos de esquerda da América Latina, Lucena argumenta que uma articulação desse tipo dependeria de uma “institucionalidade” entre os partidos de Bolsonaro e Milei.

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“Isso vai depender se os atores vão querer dar uma institucionalidade maior a isso. Se isso ocorrer, pode ser algo semelhante, mas creio que não. Acredito que a vitória de Melei pode ser uma forma de articular outros governos de direita”, afirmou Lucena.

Por outro lado, o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), avalia que a influência da vitória de Milei na direita brasileira existe, mas deverá ser limitada. Aspectos internos da política brasileira são mais preponderantes para uma retomada do poder, como a definição de quem assumirá o posto de “líder carismático” no lugar de Bolsonaro, que atualmente está impedido de concorrer a eleições devido a uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“Eu acho que você pode dizer que há uma possibilidade de articulação das forças de direita na região. Do ponto de vista simbólico isso tem algum valor e traz algumas possibilidades. Mas não existe nenhuma forma de vínculo direto entre a eleição do presidente argentino e a possibilidade de ter um reavivamento, um reforço da direita no Brasil, até porque a própria direita brasileira, ela não estabeleceu ainda um nome de consenso, nenhuma figura viável para além do próprio Bolsonaro”, disse Elton.

E acrescentou: "Esse reavivamento também depende do que as demais lideranças podem conseguir em termos de apoio no setor intelectual, empresarial, que hoje são dominados pela esquerda. São coisas que precisam ser levadas em consideração".

Ausência de Lula na posse é resultado de acúmulo de atritos 

Ao anunciar que não iria à posse do novo presidente argentino, na terça-feira (5), Lula aprofundou o distanciamento do governo brasileiro com o país vizinho e cedeu espaço para que a comitiva liderada pela oposição seja o destaque na posse de Milei. O Brasil deve ser representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e por assessores.

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Durante a campanha, Milei chamou Lula de “comunista” e “corrupto” e disse que não pretendia se encontrar com ele, caso fosse eleito. Também o acusou de ajudar na campanha do seu adversário, o atual ministro da Economia, Sergio Massa.

Nos bastidores, a leitura é que a aproximação entre Milei e Bolsonaro poderia ofuscar a presença do presidente brasileiro. Além disso, o recuo da Argentina nas negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia também é avaliado como um dos motivos para o não comparecimento. A negociação estava planejada para ser fechada neste final do ano, mas com a troca de governo no país vizinho, as negociações foram paralisadas pelo governo de Alberto Fernández a pedido do governo de transição.