Um dos principais conselheiros de Trump, o empresário Elon Musk influenciou na decisão da Meta de abandonar a censura prévia nas suas redes.| Foto: EFE/EPA/WILL OLIVER
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A volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos desencadeou nos últimos dias uma sucessão de fatos políticos com impacto mundial, antecipando possíveis efeitos também no Brasil. Apesar de ele assumir o cargo apenas no próximo dia 20, efeitos preliminares de seu segundo governo já animam a direita que faz oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Parlamentares conservadores foram às redes sociais celebrar notícias que associam a influência da vitória de Trump a repentinas mudanças no cenário político e eleitoral de outros países, como Canadá e Alemanha. Eles também comemoraram a nova política de moderação de conteúdo em grandes plataformas digitais, como Facebook e Instagram, que se intensificou depois da eleição de Trump.

Políticos de direita no Brasil esperam que, com base em manifestações recentes do próprio Trump e de seus aliados, a maior potência econômica e militar do planeta exerça forte pressão externa contra o cerceamento da liberdade de expressão e a perseguição política proporcionados por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Expectativa de apoio de Trump contra ações do STF após duelo Musk-Moraes

O alvo principal do esperado apoio externo é o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que confrontou publicamente o bilionário Elon Musk, dono da plataforma X. Musk é o principal apoiador de campanha do presidente eleito dos Estados Unidos, um de seus principais conselheiros e futuro membro de seu governo. Trump citou, por exemplo, decisões judiciais do Brasil para reforçar sua defesa pela continuidade do TikTok nos Estados Unidos.

A empresa chinesa ByteDance tem que vender o braço do TikTok nos EUA até 19 de janeiro por decisão do Legislativo americano, que suspeita de que a companhia seja ligada ao governo chinês. Trump é contrário a essa lei. A Justiça dos EUA vai analisar seus argumentos nesta sexta-feira (10).

A expectativa da direita brasileira de receber apoio da Casa Branca foi impulsionada também pelo fim do uso de agências de checagem para autocensura de publicações nas redes da Meta – empresa que reúne Facebook, Instagram e WhatsApp –, anunciado pelo próprio presidente-executivo, Mark Zuckerberg, na terça-feira (7). Na mensagem sobre a mudança, ele menciona “tribunais secretos” na América Latina que ordenam retirada silenciosa de conteúdo, em alusão a decisões do STF.

No Instagram, Zuckerberg detalhou mudanças no sistema de verificação de fatos e na estrutura de pessoal das redes, criticou a crescente regulação na Europa e ainda avisou que a Meta trabalhará com o governo Trump para “pressionar governos de todo o mundo” a seguir esse mesmo rumo de desmonte dos monitoramentos agora considerados abusivos.

Para festejar a troca do modelo de moderação de conteúdo da Meta pelo de notas da comunidade, semelhante ao do X, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) fez publicações nas redes em inglês cumprimentando a empresa pela decisão. Ele também sublinhou o novo contexto político global, mais favorável aos conservadores desde a vitória de Trump e o papel de Musk.

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“Os brasileiros querem liberdade de expressão e que a tirania da esquerda não prevaleça”, destacou.

Na Câmara dos EUA há projetos de lei em debate na comissão de assuntos internacionais para punir estrangeiros que cerceiem a liberdade de expressão de cidadãos americanos, com cassação de vistos de entrada e confisco de bens.

Eduardo Bolsonaro alerta para a possibilidade de o Brasil e autoridades sofrerem sanções

Congressistas de direita do Brasil ainda nutrem esperança de que o Brasil possa sofrer sanções dos EUA, semelhantes às impostas a outros países, como a Bielorrússia, em razão de abusos de direitos humanos cometidos por autoridades locais.

A iniciativa mais concreta nessa direção veio em junho de 2024, quando o deputado americano Chris Smith, do Partido Republicano, enviou carta ao ministro Alexandre de Moraes, questionando relatos de perseguição política, censura e violações de prerrogativas parlamentares, com base em uma audiência realizada em maio no Congresso dos EUA.

Smith deu a Moraes prazo de 10 dias para esclarecer sete pontos, que incluem a existência de censura a jornalistas, restrições a meios de comunicação e repressão transnacional envolvendo agências ou empresas dos EUA, além de eventuais sanções contra parlamentares brasileiros sem o devido processo legal.

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O ministro não respondeu ao questionário, deixando no ar o risco de investigações avançarem no Congresso americano e aumentando a chance de imposição de sanções econômicas ao país ou contra indivíduos - que podem ser impedidos de entrar nos Estados Unidos e terem contas e propriedades no país congeladas.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) vem alertando para o fato de o tema da liberdade de expressão ser especialmente sensível nos EUA, até mesmo para a esquerda. Para ele, a vitória de Trump, associada ao fato de o presidente eleito ter agora maioria na Câmara e no Senado, além de respaldo da Suprema Corte, podem levar a sanções legislativas ao Brasil e até a autoridades brasileiras.

Para oposição, novos ventos dos EUA contra censura nas redes atingirão o Brasil

A deputada Bia Kicis (PL-DF) aplaudiu o comunicado da Meta. “Os ventos estão mudando, dá para sentir daqui. A decisão de Zuckerberg reflete nova política, a favor da liberdade, e o cansaço do povo com tiranos que impuseram perseguições e censura”, disse. "A suprema injustiça há de ter fim em terras brasileiras", completou.

O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), indiciado pela Polícia Federal (PF) por criticar a postura de um delegado na tribuna da Câmara, também comemorou os “novos tempos de liberdade de expressão no Instagram e no Facebook”, realidade que, acredita ele, começou a ser construída com a compra do antigo Twitter, atual X, por Elon Musk, em abril de 2022.

Para Van Hattem, a decisão de Zuckerberg indica o início do fim de aparato repressor montado por governos e empresas nas redes sociais no mundo, “um fato importantíssimo para o momento atual de autoritarismo, no qual brasileiros são perseguidos apenas por expressarem a sua opinião”.

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“Essa mentalidade governamental e corporativa, que ensejou inúmeros abusos, foi desafiada e as coisas vão mudar não só nos EUA, mas em todo o mundo”, aposta.

O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) também revelou sua torcida para que as mudanças nas políticas de conteúdo de grandes plataformas digitais, a começar pelos EUA, afetem o ambiente regulatório no Brasil. “Pelo jeito, a onda da censura está acabando no mundo. Quando ela chegará ao seu fim também no Brasil?”, perguntou.

Governo Lula vê recado duro de Zuckerberg endereçado ao STF

Pelo lado governista, as mudanças mereceram críticas e sinais de apreensão, a começar pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que apontou preocupação com a decisão da Meta de banir seu aparelho de censura interno. O Advogado-Geral da União, Jorge Messias, avaliou que a decisão vai “intensificar a desordem informacional”.

João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, reconheceu a expressão “tribunais secretos”, usada por Zuckerberg, como “fortíssima” alusão ao STF. “O anúncio antecipa o governo Trump e explicita aliança com o governo dos EUA para enfrentar União Europeia, Brasil e outros países”, disse.

Volta de Trump interfere no cenário eleitoral do Canadá e da Alemanha

Além do recuo na censura nas redes sociais, a nova presidência de Trump, antes mesmo da posse, mexeu com o tabuleiro político e eleitoral de outros países, o que também anima a direita brasileira. No Canadá, o primeiro-ministro progressista Justin Trudeau anunciou na segunda-feira (6) sua renúncia após 10 anos de governo - afetado por quedas de popularidade devido às crises políticas alimentadas por inflação e imigração.

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A gota d’água para a queda de Trudeau veio após o presidente eleito dos EUA ameaçar taxar os produtos canadenses em 25%, caso o governo local não contenha o tráfico de drogas e o fluxo de imigrantes.

Parlamentares brasileiros, como Gustavo Gayer (PL-GO), celebram o novo cenário, apontando ainda para a ameaça a governos de centro-esquerda na Europa, como Alemanha, Reino Unido e França. “Os primeiros dias do ano de 2025 começaram muito bem, o que alimenta a nossa esperança de mais mudanças no Brasil e no mundo”, disse.

Na Europa, o principal foco recai sobre a Alemanha, onde o governo de coalizão colapsou em novembro do ano passado. O primeiro-ministro social-democrata Olaf Scholz demitiu seu ministro das finanças, Christian Lindner, do partido Democratas Livres, de visão liberal e pró-livre mercado, que queria implantar no país uma política de austeridade fiscal. Scholz e o terceiro partido que formava sua coalizão, o Partido Verde, queriam aumentar o teto de gastos para reorganizar as Forças Armadas e estimular a economia, que está estagnada.

A eleição de Trump nos Estados Unidos pode ter tido influência nesse cenário, já que Scholz contava com o apoio do Partido Democrata - que garantia a proteção da Europa contra a Rússia por meio da Otan (aliança militar ocidental). Trump quer que os países europeus aumentem seus gastos com a Otan para não retirar Washington da aliança e ameaça ainda taxar exportações europeias para os Estados Unidos. Scholz convocou um voto de confiança e foi derrotado - processo que antecipou as eleições alemãs de setembro para 23 de fevereiro.

Elon Musk declarou apoiou o partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que cresceu nas pesquisas e ultrapassou o social-democrata SPD, de Scholz, indicando alcançar o posto de segunda maior força no Parlamento. Contudo, o AfD dificilmente conseguirá participar de qualquer coalizão no novo governo, pois é recusado como aliado por todos os demais partidos alemães.

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O chanceler Scholz minimizou o impacto das ações de Musk, enfatizando por meio de seu porta-voz que as pessoas “sensatas e decentes” compõem a maioria. O Partido Democrata Cristão, legenda da direita conservadora liderada por Friedrich Merz, segue como favorito com cerca de 30% das intenções de voto.

Mas como nem mesmo os conservadores aceitam o apoio do direitista AfD, a Alemanha terá muita dificuldade de formar um governo de coalizão.

A França havia passado por um processo similar (não diretamente relacionado a Trump) de dificuldade para formar um governo de coalizão. O presidente Emmanuel Macron dissolveu o Parlamento no meio do ano passado e a direita nacionalista e a esquerda ganharam espaço. Mas nenhum partido teve força para formar uma coalizão consistente e o governo voltou a cair. Atualmente, o país passa por um cenário de grande instabilidade política.

Investida de Musk no Reino Unido visa queda do primeiro-ministro de esquerda

As últimas semanas testemunharam uma escalada nas críticas de Elon Musk ao primeiro ministro trabalhista do Reino Unido, Keir Starmer, sobretudo no que diz respeito à forma como o premiê lidou com escândalos de abuso sexual em várias cidades quando chefiava a Procuradoria britânica, entre 2008 e 2013.

Musk chegou a acusar o hoje primeiro-ministro de ter sido “cúmplice” em falhas sistêmicas ligadas à exploração sexual infantil. Keir Starmer criticou as “mentiras e desinformação” propagadas por Musk.

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A ministra da Segurança, Jess Phillips, também foi alvo de críticas, com Musk rotulando-a de “apologista do genocídio da violação”. Além de publicações inflamadas na rede X, o bilionário da tecnologia tem conversado em particular com aliados sobre possíveis estratégias para destituir Starmer, sugerindo a convocação de eleições gerais, de acordo com a imprensa britânica. A fim de favorecer a queda do governo, Musk estaria dando apoio a partidos que disputam o espectro de direita com o Partido Conservador (Tory).

A investida de Musk na política britânica suscita debates na Europa acerca do papel de bilionários globais na dinâmica política de cada país. Com o Reform UK ganhando força e os ataques ao Partido Trabalhista aumentando, o cenário para as próximas eleições gerais pode ser influenciado por uma inusitada influência externa.

Fora da Europa, a expectativa de virada política também ronda o Chile, onde o presidente Gabriel Boric, impedido de se reeleger por uma norma aprovada pela convenção constituinte, se encontra impopular e vê a conservadora Evelyn Matthei liderar as pesquisas para a votação de novembro. Já na Argentina, as eleições parlamentares de outubro deverão fortalecer o partido do presidente Javier Milei, hoje minoria no Congresso.