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O resultado ruim de algumas candidaturas ligadas à direita no primeiro turno das eleições municipais ligou o sinal amarelo na base bolsonarista e de parlamentares que foram eleitos sob o manto de pautas conservadoras pelo país. Agora, políticos alinhados à essa pauta buscam a reorganização do grupo na tentativa de manter a chama conservadora de 2018 viva para as eleições de 2022.
A segunda-feira pós-eleições foi de reflexão. Tanto nas redes sociais quanto nos grupos de discussão dos parlamentares. Publicamente, um grupo defendeu uma autocrítica da direita, visando uma reformulação para as próximas eleições. Outro grupo, encabeçado pelo presidente Jair Bolsonaro, creditou as derrotas em cidades importantes e de políticos de direita a supostas fraudes no processo eleitoral brasileiro.
“Com uma abstenção elevada, a constância da mobilização esquerdista falou mais alto e a esquerda ressuscitou. Ou enfrentamos isso, ou seguiremos perdendo”, disse o assessor de assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, por meio das redes sociais.
Internamente, integrantes do PSL, eleitos na onda bolsonarista de 2018, admitem que o desempenho nas eleições deste ano pode ser creditado a quatro fatores: a queda da popularidade de Jair Bolsonaro junto a setores conservadores que ajudaram a elegê-lo; a falta de um partido que pudesse concentrar políticos de direita e uma agenda política própria; a aposta em atores políticos com pouca expressão e, por fim, indícios de fraudes eleitorais em cidades menores, que normalmente favorecem partidos do Centrão.
Entre esses fatores, o que mais preocupa deputados bolsonaristas é a redução da popularidade do presidente em setores que formaram a base da direita em 2018, como os defensores da operação Lava Jato, os liberais ligados ao eixo econômico da Faria Lima em São Paulo e os defensores da pauta de costumes.
Pesquisas internas do PSL apontam que o nível de rejeição de Bolsonaro na cidade de São Paulo, por exemplo, chega a aproximadamente 60%. Isso explicaria, em parte, o motivo pelo qual o então candidato a prefeito Celso Russomano (Republicanos) teve quedas expressivas nas projeções de intenção de voto ao associar a sua imagem diretamente à do presidente da República.
Por essa razão, parlamentares que foram eleitos na onda bolsonarista, mas não são do PSL ou se afastaram do presidente, como alguns integrantes de DEM, PSDB, Podemos e Patriota, e aqueles ligados à bancada da bala, dizem que pretendem dissociar suas imagens de Bolsonaro. E, assim, ratificar o carimbo de ser um político de direita, mas não necessariamente bolsonarista. As eleições em São Paulo deram um indicativo de que há espaço para essa “nova direita”, justificam.
Apesar da derrota do prefeiturável Arthur do Val (Patriota) na capital paulista, os 520 mil votos obtidos por ele demonstra, na visão dos parlamentares da direita não bolsonarista, que é possível avançar nesse campo político sem necessariamente ter vinculação direta com o presidente. “A mensagem que veio das urnas no final de semana é que o eleitor não quer aventureiros. E eu acho que o brasileiro não vai tendenciar nem para a extrema-direita, nem para extrema-esquerda a partir de agora. O recado agora é: ‘não aceitamos o radicalismo’. Nem de um lado, nem de outro”, analisou o senador Marcos do Val (Podemos-ES), que foi eleito sob a égide da nova política em 2018.
"O resultado das eleições consagrou a direita real. Aquela que respeita o princípio da prudência, que é leal aos valores e princípios independente de ‘likes’ ou de um projeto de poder. As urnas mostraram que as pessoas procuram representantes que sejam pautados pela coerência e não pela subserviência", disse um dos coordenadores do MBL, Rubens Nunes.
Bolsonaristas falam em realinhamento da direita para 2022
A partir dos resultados das eleições do final de semana, deputados bolsonaristas apontam a necessidade da organização de uma unidade partidária a partir de princípios ideológicos e não necessariamente de uma figura política específica.
“A direita precisa abranger uma doutrina única e ser fiel a essa doutrina e não ser fiel a pessoas que defendem essas diretrizes em caráter temporário”, analisa o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP). “A direita precisa ser mais coesa em suas convicções. Até o momento, vivemos um movimento absolutamente difuso e desorganizado”, complementou.
O deputado Bibo Nunes (PSL-RS) ressaltou que as eleições ratificaram que não existe transferência automática de votos. E que a direita depende dessa unidade partidária. Na visão do parlamentar, uma alternativa seria a implementação do Aliança pelo Brasil. Mas até mesmo os entusiastas da sigla temem que o projeto não consiga sair do papel. “O que aconteceu em Porto Alegre, com a Manuela D'Ávila no segundo turno, mostrou que a esquerda conseguiu reagir bem a 2018. E as eleições acenderam uma luz amarela. O presidente sem um partido deixa um vazio para a militância. Precisamos fazer com que a nossa base partidária volte a ser mais coesa o quanto antes”, opinou o parlamentar.
E na falta de uma organização coesa da base bolsonarista, quem já se articula para tentar atrair o eleitor mais conservador é o Movimento Brasil Livre (MBL), do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), e que foi o maior apoiador da candidatura de Artur do Val, e partidos que têm algum alinhamento com pautas encabeçadas por Bolsonaro em 2018.
O Podemos pretende atrair o eleitor lavajatista; o Republicanos quer se consolidar como referência entre os evangélicos; e o Patriota planeja avançar também sobre o conservador ligado à pauta de costumes.
Aproximação de Bolsonaro com Centrão comprometeu base ideológica
A leitura de parlamentares é que, ao se aproximar dos partidos do Centrão em nome da governabilidade e para fugir de eventuais pedidos de impeachment, o presidente Jair Bolsonaro se afastou de vários setores da direita e, por isso, ele tem perdido espaço. Isso pode ter sido interpretado como uma “traição” por seus eleitores originários, analisaram oito parlamentares bolsonaristas em caráter reservado para a Gazeta do Povo.
Pesa ainda outras decisões consideradas equivocadas, como a indicação de um ministro não conservador para o Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques; a elevação de gastos públicos para manter o auxílio emergencial; e a não manutenção do ex-ministro da Justiça Sergio Moro no governo.
O receio de alguns parlamentares eleitos sob o manto do bolsonarismo é que essa percepção do eleitor possa contaminar a disputa eleitoral em 2022 e dificultar o seu próprio processo de reeleição.
A Gazeta do Povo apurou que a preocupação é maior entre os bolsonaristas que se destacam pela defesa intransigente do presidente da República nas redes sociais, como Bia Kicis (PSL-DF), por exemplo. Ela tem dito a colegas deputados que, apesar de não concordar com várias decisões do presidente, não pode simplesmente fazer críticas públicas a Bolsonaro sob o risco de perder seu próprio eleitorado.