Fiscais do Procon: condutas discriminatórias referentes a cor, etnia, idade, sexo, opção sexual, religião, entre outras, podem sair da lista de agravantes à pena imposta a empresas que violam o direito do consumidor.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O Ministério da Justiça e Segurança Pública abriu consulta pública para discutir uma nova redação para a portaria que disciplina a aplicação de sanções administrativas a quem violar algum direito do consumidor. O documento orienta a ação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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A nova minuta, disponível para receber contribuições por meio de um formulário até o dia 14 de março, substituiria a portaria 7 de 2016, que disciplina o assunto desde o governo de Michel Temer.

Apesar de substituir todo o texto, a nova portaria proposta pelo Ministério da Justiça tem apenas uma alteração principal: retira condutas discriminatórias (referentes a cor, etnia, idade, sexo, opção sexual, religião, entre outras) da lista de agravantes à pena imposta a empresas que violam o direito do consumidor.

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A alteração está no artigo 7º do novo texto, que dispõe que atenuantes e agravantes de pena devem ser os previstos nos artigos 24 e 27 do Decreto 2.181, de 1997. No decreto, constam todos os agravantes listados na portaria vigente hoje (como ser o infrator reincidente ou a infração ter consequências danosas à saúde ou à segurança do consumidor, por exemplo), menos o item que se refere à discriminação.

Ao contrário do que diz ministério, proposta é mais genérica que regulamentação atual

Na chamada em que divulga a consulta pública, o Ministério da Justiça afirma que o objetivo da nova portaria é "trazer mais previsibilidade ao método de cálculo" das penas, "com critérios mais objetivos para a dosimetria da pena de multa no âmbito de procedimentos administrativos da Senacon".

Especialistas em Direito do Consumidor, entretanto, apontam que o novo texto é, na realidade, mais genérico do que o que está em vigor atualmente.

"Da forma genérica como o texto está escrito, fica a impressão de que a portaria 7 de 2016 será revogada por inteiro. A nova minuta está restrita à dosimetria da pena, enquanto a portaria atual disciplina as sanções como um todo", opina Roberto Pfeiffer, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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Para ele, o ideal seria que o novo texto especificasse quais artigos da portaria atual seriam substituídos, sem invalidar o texto como um todo.

Mudança em portaria que mexe com direito do consumidor é meramente política, diz advogado

Como a portaria que disciplina a aplicação de sanções pela Senacon é recente e tem detalhes sobre como devem ser definidas as sanções, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que a alteração seria meramente política.

"Uma portaria é sempre uma decisão política, já que é uma implementação de política pública. Me parece uma mudança ideológica", diz Érico Klein, advogado que foi membro do Núcleo de Investigações Constitucionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ele aponta, ainda, que a retirada do dispositivo tem aspecto simbólico importante, já que deixa de reconhecer possíveis violações aos direitos de minorias. "Do ponto de vista jurídico, o efeito é de que não se pode mais usar uma possível discriminação para agravar a pena do infrator. Eventualmente a própria natureza da infração pode ter um caráter discriminatório, que pode ser difícil de se caracterizar", analisa Klein.

Se a portaria entrar em vigor, assim, a tendência é de que as punições sejam definidas caso a caso, já que a regulamentação se tornaria mais ampla.

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Modelo da consulta pública também é considerado inadequado

Outro ponto criticado por especialistas é o formato da consulta pública aberta pelo ministério. As contribuições precisam ser enviadas por um formulário que é mantido apenas para consulta da pasta – ou seja, os participantes não podem ler as opiniões de outras pessoas.

Além disso, os cidadãos são convidados a opinar sobre cada ponto específico da lei, e não sobre o texto como um todo.

Em modelos adotados por órgãos como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por exemplo, todas as contribuições ficam públicas, de modo que o debate ocorra entre os participantes da consulta, e não somente disponível para o governo.

Quem foi multado em 2019

Entre as multas aplicadas pela Senacon em 2019, nenhuma estava diretamente relacionada à discriminação, de acordo com dados disponibilizados pelo próprio órgão.

Veja a lista:

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  • R$ 9.736.859 para a Tim Celular S/A, por irregularidades na oferta e concessão de serviços adicionados;
  • R$ 7.200.000 para a Volkswagen do Brasil, pelo uso do software que otimizava as emissões de óxidos de nitrogênio durante os testes laboratoriais, alterando os resultados sobre as emissões de poluentes;
  • R$ 6.600.000 para o Facebook Inc. e o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., pela prática de compartilhamento indevido de dados de usuários;
  • R$ 3.550.000 para o SBT, por conta da veiculação de publicidade infantil na novela Carrossel e direcionamento específico de mensagens publicitárias ao público infantil;
  • R$ 1.200.000 para o Banco Semear S.A., pela cobrança de Tarifa de Confecção de Cadastro (TCC) em operações bancárias sem previsão contratual ou prévia autorização do consumidor;
  • R$ 750.000 para o Banco Santander S.A., por operações bancárias sem previsão contratual ou prévia autorização do consumidor;
  • R$ 457.794 para a Atlântico Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, por cobranças indevidas e/ou abusivas de dívidas, e exposição a situações constrangedoras e vexatórias;
  • R$ 300.000 à Kraft Foods Brasil S/A pela omissão de informação no rótulo acerca da presença de organismos geneticamente modificados (transgênicos);
  • R$ 200.000 à Marisa Lojas S/A, por produto inadequado ao público infanto-juvenil;
  • R$ 92.039 à Diletto do Brasil Comércio de Sorvetes Ltda., por publicidade enganosa;
  • R$ 72.000 à Igui World Wide Participações Ltda., pela utilização de cenas que podem induzir as crianças a comportamento inseguro e perigoso à sua saúde e simulação de afogamento.