O combate à crise sanitária da pandemia de Covid-19, a retomada do desenvolvimento econômico brasileiro e a preservação do meio ambiente serão o "tripé" do discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 76.ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na terça-feira (21) pela manhã, em Nova York (EUA). Nos bastidores, especula-se ainda que Bolsonaro vai tentar passar ao mundo uma agenda positiva, que pode incluir o anúncio da doação de vacinas contra a Covid-19 para países mais pobres e a abertura do Brasil para acolher refugiados afegãos.
Essa agenda é a previsão de diplomatas e especialistas em relações exteriores ouvidos pela Gazeta do Povo. O discurso oficial de Bolsonaro é de responsabilidade do Itamaraty, que redige a "base" do conteúdo, e o submete ao presidente da República e a sua assessoria internacional. Até terça, ajustes e mudanças não estão descartados.
Além dessas pautas, é esperado que Bolsonaro faça críticas à Venezuela e ao ditador Nicolás Maduro, e dê destaque ao acolhimento a imigrantes venezuelanos pelo Brasil. Com esse gancho, também se espera que o presidente faça alguma referência ao Afeganistão e fale sobre a concessão de visto temporário e de autorização de residência para refugiados afegãos.
Com a prevista fala sobre a Venezuela e o Afeganistão, Bolsonaro também deve fazer menções ao respeito à democracia e os direitos humanos, em uma manifestação que pode ser vista como um gesto positivo pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que organiza para dezembro a Cúpula pela Democracia. O compromisso com o combate à corrupção também pode vir a ser destacado por Bolsonaro, já que esse é um ponto que será tratado na cúpula de Biden.
Bolsonaro também deve fazer referências à crise entre poderes no Brasil, afirmando , respeitar a Constituição e desejar a harmonia entre os Poderes pode vir a ser mencionado. Os atritos do presidente com o Supremo Tribunal Federal (STF), embora seja da política interna, repercutiu na imprensa internacional.
O discurso pode ter ainda outras referências à política interna. A aliados do Congresso, Bolsonaro deve fazer gestos e afagos pela aprovação de projetos. A opositores e à imprensa, críticas. Na sexta-feira (17), o presidente fez críticas à esquerda e disse que falaria "verdades" na ONU. "Podem ter certeza que teremos verdades e teremos a realidade sobre o que é Brasil e o que que representamos verdadeiramente para o mundo", disse.
Que pontos do "tripé" devem ser abordados por Bolsonaro na ONU
O que circula entre diplomatas brasileiros envolvidos com assuntos sobre a ONU e em embaixadas brasileiras na Europa é que os temas principais a serem abordados por Bolsonaro serão, pela ordem, o combate à pandemia, a recuperação econômica e a preservação do meio ambiente com desenvolvimento sustentável.
No enfrentamento à crise sanitária, Bolsonaro destacará a vacinação em massa e os esforços que seu governo adotou desde que os imunizantes tiveram seus usos emergenciais aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Também é esperada uma referência ao Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família.
"Com certeza vai fazer uma referência a isso, falar das transferências diretas que foram feitas às famílias mais impactadas pela pandemia e os esforços para vacinar toda a população", destaca um diplomata. Na quinta-feira (16), Bolsonaro até editou um decreto que aumenta as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em operações de crédito para pessoas jurídicas e físicas a fim de capitalizar o programa Auxílio Brasil – que vai substituir o Bolsa Família.
Aproveitando o gancho da transferência de renda, Bolsonaro deve destacar como o governo evitou um tombo econômico maior. Ele deve dizer que fez isso mesmo mantendo o compromisso de controle das despesas públicas. Ainda sobre a recuperação econômica, é previsto que ele enalteça o Brasil como o grande celeiro do mundo e um país que contribuiu para a alimentação global com safras recordes registradas em 2021.
A respeito do processo recuperação econômica, é possível que Bolsonaro diga que o Brasil está vanguarda das nações que atenderão ao aumento da demanda por commodities em função da agenda da chamada "economia verde"; e aborde os esforços do país em ampliar sua matriz energética com fontes renováveis. Seria um aceno aos mercados internacionais e um gesto importante para a agenda ambiental.
Bolsonaro também tende a destacar os esforços do governo em apresentar uma nova agenda climática com foco no desenvolvimento sustentável. O Palácio do Planalto prepara a atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), uma revisão de seu plano nacional sobre a mudança climática e a criação de um programa de crescimento verde que vai dar incentivos para empresas que produzirem com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE).
O que esperar sobre Venezuela e crise humanitária no discurso
O destaque que Bolsonaro dará às críticas à Venezuela e ao governo ditatorial de Maduro é incerto. Diplomatas reconhecem que, para o ex-chanceler Ernesto Araújo, esse era um tema fundamental. Já para o novo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, nem tanto. "Até porque a própria questão evoluiu, deixou de estar na situação em que estava. O protagonismo do processo venezuelano deixou de estar na América do Sul", sustenta um diplomata do alto escalão.
No início de setembro, ocorreu na Cidade do México a primeira rodada de negociação entre o governo e a oposição venezuelana, mediada por representantes dos governos mexicano e norueguês. Por esse motivo, diplomatas não tem segurança sobre o tom que será dado à Venezuela no discurso de Bolsonaro na ONU. Enquanto Carlos Alberto França analisa o tema com mais pragmatismo, a assessoria internacional do Planalto, que é chefiada pelo "olavista" Filipe Martins, defende maior ênfase nas críticas à ditadura de Maduro.
Além de Martins, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é outro ator político que defende um tom mais firme contra a Venezuela. Sobretudo na agenda de relações internacionais, ele tem um grande poder de influência sobre Bolsonaro desde o comando de Ernesto Araújo no Itamaraty. Aliados do governo citam um relatório da Missão Internacional Independente da ONU para a Venezuela, divulgado na quinta, que indicou que a justiça do país serviu durante anos para cometer graves violações aos direitos humanos contra opositores do regime de Maduro.
Independentemente de divergências entre auxiliares no tom a ser usado sobre a Venezuela, o próprio Bolsonaro defende que algo seja dito sobre o país vizinho em seu discurso. Na segunda-feira (13), ele disse a apoiadores que faria uma live na fronteira do Brasil com o país vizinho. A ideia seria mostrar venezuelanos fugindo da ditadura de Maduro.
Mas há quem aposte que Bolsonaro adotará um tom mais moderado na ONU. "Tem discursos que são muito mais caros para o presidente, como a Venezuela, que ele não tem como recuar. Mas fará isso num tom mais apaziguador", prevê Nicholas Borges, consultor de análise política nacional e internacional da BMJ Consultores Associados.
Borges lembra que essa será a primeira assembleia geral da ONU com Joe Biden na presidência dos EUA. E ele vai discursar na sequência de Bolsonaro. Por esse motivo, o especialista da BMJ acredita que a tendência é que Bolsonaro adote um tom moderado a fim de se alinhar com expectativas internacionais e pressões americanas. "Na questão de aproximação com Biden, ele deve fazer alguns acenos às questões humanitárias, mantendo críticas em relação à Venezuela e destacando o que tem feito na crise do Afeganistão", aposta o consultor da BMJ.
Sem Trump e com nova gestão do Itamaraty: quais os impactos sobre o discurso na ONU
A aposta de especialistas é que o discurso de Bolsonaro terá um tom mais moderado em relação ao dos anos anteriores por causa da mudança política nos EUA (Donald Trump deixou a Casa Branca) e do perfil do chanceler Carlos Alberto França à frente do Ministério das Relações Exteriores desde o fim de março.
França tem um perfil mais próximo da tradição diplomática do Itamaraty de pragmatismo, diferente do que ocorria com Ernesto Araújo, que era mais "combativo" e "ideológico".
Além de uma nova gestão do Itamaraty, o recuo de Bolsonaro na crise entre poderes e a derrota de Donald Trump na eleição americana são elementos que podem somar na expectativa por um tom mais moderado de Bolsonaro na ONU, diz o especialista em política dos EUA Carlos Gustavo Poggio, doutor em Relações Internacionais e professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
"Ele [Bolsonaro] está muito mais isolado no sistema internacional. Antes, podia pelo menos contar com o apoio ideológico do Donald Trump. Agora, não. Talvez esse fato de se encontrar muito mais isolado leve a um discurso visto e interpretado como mais moderado", diz Poggio. "Será um discurso mais 'normal' durante todo o mandato dele na ONU, no sentido de que pelo menos deve se alinhar às tradições mais amplas da política externa brasileira, que agora está nas mãos de um profissional [França]."
A perda de aliados na política internacional também pode gerar impactos na fala sobre a relação do Brasil com a China, diz Nicholas Borges, da BMJ Consultores. "Isso o fez apostar muito nas questões das relações multilaterais, em reformas de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança [da ONU]. Isso influenciou na retaguarda do próprio presidente em relação a posturas críticas que tecia contra a China, que informou ao Brasil o interesse em investir mais de US$ 80 bilhões nos próximos anos", afirma Borges.
Diplomatas acreditam que parte do discurso possa, sim, conter uma redação mais alinhada com a diplomacia defendida por França. Mas ponderam que, num contexto mais amplo, não será muito diferente do perfil de Bolsonaro. "Será como algum discurso anterior do presidente. A política exterior é algo que não tem como deixar de ser aquilo que é", diz um membro do alto escalão da carreira diplomática.
"Exceto, talvez, por algumas nuances muito leves, o que sairá do Itamaraty será mais ou menos como sempre: um discurso profissional das relações exteriores que abordará os grandes temas e falará dos princípios da atuação do Brasil na importância das questões sistêmicas", acrescenta a fonte, que não prevê gestos de Bolsonaro para o governo Biden.
Diplomatas ressaltam, contudo, que o Itamaraty é o responsável por montar a "base" do discurso, embora quem dá o "tempero" e a "tonalidade" é o Planalto. "O tom é muito mais dado no Planalto e pelo entorno muito próximo de alguns assessores da Presidência e, eventualmente, algum familiar. Mesmo com [os ex-presidentes] Lula, Dilma e Temer, muita gente colocava palpite, tirava frases e palavras. A manifestação ia sendo discutida quase até no dia do discurso", afirma uma fonte da diplomacia brasileira.
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