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Popularmente, o julgamento sobre a Lava Jato que está previsto para esta quarta-feira (14) ficará conhecido como aquele que tornou Lula elegível ou inelegível para 2022. Mas, nos votos dos onze ministros, o foco será uma questão processual: a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os casos relacionados ao ex-presidente.
O pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em novembro de 2020 foi acatado pelo ministro Edson Fachin, do STF, com base no argumento de que a vara da Justiça notabilizada com a Lava Jato estaria extrapolando suas competências.
Na visão de Fachin, já que os atos criminosos do ex-presidente não se limitaram à Petrobras, a análise deles não caberia à 13ª Vara de Curitiba, que só poderia tratar de casos relacionados exclusivamente com a estatal petrolífera.
As consequências do julgamento sobre a decisão de Fachin serão chave para o futuro da Lava Jato. O fatiamento da operação pelo STF vem ocorrendo progressivamente desde 2015, quando o ex-juiz Sergio Moro ainda chefiava a 13ª Vara. Com a declaração de incompetência, a Justiça de Curitiba, que, nos últimos anos, concentrou a grande maioria das ações que trouxeram à tona o maior esquema de corrupção da história do Brasil, perderia quase totalmente o seu vínculo com a operação.
A Lava Jato se originou em Curitiba a partir do caso do doleiro paranaense Alberto Youssef e de sua relação com a Petrobras, mas o escopo da operação foi se ampliando ao longo dos anos, envolvendo diversas empresas e órgãos públicos além da Petrobras.
Há anos o STF questiona a competência da 13ª Vara para ações que não tratam da Petrobras. Foi justamente com base nesse questionamento que a operação começou a ser fatiada a partir de 2015, ganhando braços em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ainda assim, a grande maioria dos casos continuou se concentrando na Justiça de Curitiba, porque guardavam ao menos alguma conexão com a Petrobras.
Mas, agora, a decisão de Fachin que será julgada pelo Plenário do STF restringe ainda mais a competência de Curitiba: qualquer caso da Lava Jato que não seja exclusivamente relacionado à Petrobras deve sair do Paraná.
O promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto, doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, diz que o caso opõe dois posicionamentos doutrinários opostos sobre o Direito Processual.
Em um deles se considera que a conexão de uma ação com fatos que ocorreram fora do território onde ela começou a ser julgada atrai a competência sobre os novos fatos para o local de origem da ação.
“O outro lado não vê dessa maneira, não vê conexão: São Paulo é competente por um fato criminoso que ocorreu em São Paulo, Brasília é competente por Brasília, e assim por diante”, explica Ghizzo Neto. Já os atos que têm repercussão em várias unidades federativas, segundo essa visão, devem ser julgados pela Justiça do Distrito Federal.
Na opinião de alguns analistas, contudo, por trás da discussão sobre questões processuais, há indícios de politização do Supremo. Para Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela FGV, causam estranheza as mudanças de opinião dos ministros e, principalmente, o tempo transcorrido desde as primeiras análises do STF sobre a competência de Curitiba até hoje.
“Tardiamente eles chegaram à conclusão de que, depois dos primeiros processos, a Vara de Curitiba teria ampliado a própria competência de forma generalizada”, afirma ela.
Diante de provável perda de competência, procuradores de Curitiba tentam preservar evidências
Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que o resultado mais provável do julgamento previsto para esta quarta-feira é a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba sobre os processos relacionados a Lula.
“Se partirmos do pressuposto de que o Supremo Tribunal Federal está realmente politizado, eu acho difícil que eles voltem atrás na decisão do Fachin e declarem a competência do juízo de Curitiba”, afirma Vera Chemim. Segundo ela, o lógico seria, a partir disso, que a tese da suspeição do ex-juiz Sergio Moro fosse descartada.
“Se o Plenário ratificar a decisão do Fachin e declarar que o juízo de Curitiba é incompetente, a declaração de suspeição seria prejudicada, a meu ver. Se é incompetente, volta tudo à estaca zero, e a questão da suspeição perde o objeto”, diz.
Em documento recente enviado ao STF, procuradores da Lava Jato sustentam justamente essa tese: partindo do pressuposto de que a 13ª Vara de Curitiba é incompetente para julgar os casos de Lula, o processo chamado de “habeas corpus da suspeição”, que trata da imparcialidade de Moro, deveria ser descartado por perda de objeto.
“Uma vez confirmada (se confirmada) a incompetência do Juízo da
Vara de Curitiba, entende-se que ficará prejudicada a questão relativa à suspeição do Juízo (…), porque com tal reconhecimento o processo retorna à fase de recebimento da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, decidindo o Magistrado de primeiro grau se aproveita os atos instrutórios do processo ou não, inclusive prevenindo possível prescrição na esfera penal”, diz o documento, que é assinado pelos procuradores Deltan Dallagnol, Januário Paludo, Laura Tessler, Orlando Martello Jr., Júlio Carlos Motta Noronha, Paulo Roberto Galvão de Carvalho e Athayde Ribeiro Costa.
O gesto dos procuradores é visto como uma tentativa de garantir que as evidências colhidas nos processos contra Lula não sejam descartadas e possam ser recebidas pela Justiça Federal do DF, onde os processos passariam a ser analisados.
“Se houver, no processo, uma decisão que a gente chama de independente, que é autônoma e independe de um ato praticado por um juiz competente ou suspeito, essa prova teria que ser validada. As provas dependentes, que foram criadas ou encaminhadas pelo juízo de Curitiba, essas sofreriam nulidade”, avalia Vera. “Mas, hoje em dia, é imprevisível”, acrescenta.
Caso a decisão de Fachin seja confirmada, a decisão abriria precedente para que outros investigados pela Lava Jato alegassem a incompetência de Curitiba com relação a seus processos.
Se, por outro lado, a 13ª Vara Federal de Curitiba for declarada competente, os processos sobre Lula anulados por Fachin voltariam ao Paraná, e o ex-presidente se tornaria novamente inelegível.