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Disputa por vagas em tribunais superiores e na PGR entra no jogo político do julgamento de Bolsonaro
| Foto: José Cruz / Agência Brasil

Em razão do impacto potencial sobre o horizonte político, sobretudo em favor do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível fomentou disputas de magistrados por vagas em tribunais superiores e na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Uma prova disso veio já na primeira sessão da análise do caso no TSE, na última quinta-feira (22), quando o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, defendeu com veemência a condenação do ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido de meios estatais de comunicação. Curiosamente, seu nome chegou a despertar a simpatia de aliados de Bolsonaro no passado.

Em abril, Gonet, cotado para assumir o posto de Procurador-Geral da República (PGR), já havia manifestado apoio à condenação de Bolsonaro e à inelegibilidade dele por oito anos, devido à realização de reunião com embaixadores estrangeiros em que o ex-presidente lançou suspeitas sobre as urnas eletrônicas, em julho de 2022. Ele conta com apoio dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O atual PGR, Augusto Aras, encerra o seu mandato em setembro.

Chamou a atenção os termos usados por Gonet em suas falas, ressaltando no TSE o discurso adotado por Bolsonaro diante dos embaixadores como reforço a outros atos e uma perturbação à “tranquilidade institucional”. Ele classificou de “temerárias” e “infundadas” as críticas do ex-presidente ao sistema eleitoral e salientou o “infesto potencial antidemocrático” delas. No parecer escrito, o procurador destacou a “gravidade do discurso contra a confiabilidade do sistema de votação”, mas sem usar expressões agressivas.

Observadores acreditam que o esforço de Gonet e de outros procuradores e juízes para buscar “mostrar serviço” visando cargos elevados teria entre as suas motivações a decisão de Lula de não considerar a lista tríplice de candidatos por votação interna da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que apontou Luiza Frischeisen como a mais apoiada, com 525 votos.

Vera Chemin, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que a competição entre magistrados por vagas nos tribunais superiores reflete a intensa polarização política no país, que ganhou força com a ascensão da direita representada por Bolsonaro. Ela observa que, dado que a esquerda não enfrentava oposição equivalente no passado, a radicalização ideológica está gerando reações sem precedentes no cenário político, inclusive de membros do Judiciário.

A advogada entende que a contaminação política resultou na atual corrida pelas vagas, apesar da exigência constitucional de seleção de magistrados e procuradores para o STJ e o STF. Nesse contexto, a condenação de Bolsonaro seria a forma mais rápida e eficiente de adesão ao poder daqueles que se utilizam de favores prestados ao presidente da República e ao presidente do TSE como garantia de progressão profissional e de mais poder, prestígio e benefícios.

O julgamento do ex-presidente já teve duas sessões na Corte Eleitoral e será retomado nesta quinta-feira (29), a partir das 9 horas. Na terça-feira (27), o corregedor-geral da Justiça Eleitoral e ministro Benedito Gonçalves, relator da ação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra Bolsonaro, votou pela inelegibilidade.

Idade pode impedir Benedito Gonçalves de chegar ao STF

Há 20 anos visto como potencial candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro relator da ação do PDT contra Bolsonaro, Benedito Gonçalves, obteve nova projeção no julgamento do TSE. Como integrante do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele tem na idade um obstáculo para postular o cargo, pois a idade de 70 anos que completará em janeiro de 2024 também é o limite para ingressar na Corte. Ministros do STF têm aposentadoria compulsória aos 75 anos e os indicados têm tido perfil dominante em torno de 50 anos, a exemplo do mais recente, Cristiano Zanin, de 47 anos, escolhido por Lula.

O advogado constitucionalista André Marsiglia Santos considera deplorável a troca de favores entre candidatos a cargos públicos e governos. “Se a troca oportunista for comprovada, é simplesmente ilegal, pois se trata de desvio de poder, quando se usa a autoridade para finalidade desviada”, sublinhou. Ele acrescentou que o Judiciário é um poder sem a legitimidade conferida pelo voto. Dessa forma, se suas nomeações também passarem a servir às conveniências políticas, "o déficit democrático se alarga".

Para o cientista político André Felipe Rosa, o grande problema na disputa de magistrados é a falta de estruturas democráticas dentro do próprio processo de escolha, que ficam em segundo plano quando existe, deliberadamente, um ativismo judicial forte, inclusive que pode figurar dentro do STF e STJ. "Esse ativismo, que liga juízes e juízas a políticos, faz com que as influências externas sejam preponderantes no resultado dos escolhidos em tribunais superiores. Desta forma, não necessariamente vence o melhor, mas aquele cujo peso político mais preponderou", analisa.

Alexandre de Moraes atua para impedir interrupção da votação

O julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no TSE iniciou na quinta-feira (22) sob pressão do presidente da Corte, Alexandre de Moraes, para evitar pedidos de vista, sobretudo por parte dos ministros Kassio Nunes Marques e Raul Araújo, que são considerados alinhados ao ex-presidente.

Além disso, Moraes ainda pode antecipar o seu voto, já que ele seria o último e com isso isolar Nunes Marques. Bolsonaro expressou esperança de que a votação seja interrompida, apostando numa virada do cenário desfavorável.

Dos sete membros do TSE, apenas Nunes Marques foi indicado por Bolsonaro, o que aumenta o risco de maioria favorável à condenação ser alcançada antes de eventual pedido de vista do ministro. Sobre a questão, Bolsonaro afirmou à CNN: “Já que o voto do relator tem mais de 300 páginas, o ideal seria que alguém no início pedisse vista”. Nesse caso, esse “alguém no início” seria Raul Araújo, mencionado por Bolsonaro. Seu eventual pedido de vista teria o poder de paralisar o julgamento antes dos demais votos.

Em fevereiro, Moraes encabeçou a mudança no regimento interno do TSE, fixando prazos automáticos de até 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, para a devolução da vista. Caso o pedido não seja devolvido, a ação é liberada automaticamente.

Na visão de Juan Carlos Gonçalves, diretor-geral da ONG Ranking dos Políticos, apesar da utilização de critérios objetivos nos processos seletivos, é comum que a disputa por vagas em tribunais superiores seja influenciada por questões políticas e alianças estratégicas. "A indicação de magistrados para essas posições muitas vezes envolve negociações e acordos nos bastidores, o que pode levantar dúvidas sobre a imparcialidade e independência do Judiciário", resume.

Por essa razão, ele defende que a competição por essas vagas reflete a importância atribuída ao Judiciário e seu papel essencial na consolidação do Estado de Direito. "É crucial que as posições em tribunais superiores sejam ocupadas por magistrados competentes e comprometidos com a justiça e a imparcialidade, a fim de garantir a qualidade das decisões tomadas e manter a confiança da sociedade no sistema jurídico. Por isso, é fundamental que a seleção dos magistrados para essas vagas seja conduzida de forma transparente, baseada em critérios técnicos e meritocráticos", disse.

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